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21 de novembro de 2024

Responsável: Constantino K. Riemma


O Eremita sob um olhar freudiano
Verbenna Yin
Um homem caminhando sozinho na noite escura. Ele tem barbas e cabelos brancos, pois já é velho, usa um cajado como apoio e uma lanterna para iluminar o percurso, andando por um caminho árido e pedregoso rodeado de água ao fundo.
O Eremita representa o arquétipo do isolamento que em alguns momentos é necessário para podermos fazer as análises e julgamentos em nosso ambiente interno. Aqui o ancião é a figura que tem capacidade e experiência para observar de forma crítica os acontecimentos e a partir dessa análise racional fazer a discriminação de valor para os eventos que se afiguram.
O Eremita no Sharman Caselli Tarot
O Eremita, arquétipo do isolamento
Carta do Sharman-Caselli Tarot
Caminhando entre pedras, sugere que o percurso é difícil e requer esforço, e o fato de estar sozinho denota que houve um afastamento de seu grupo de convivência e apoio e a sensação deve ser a de não pertencimento. O Eremita é dessas pessoas que prefere se afastar do grupo, não encontra lugar nas formações coletivas e se retira para ter seus próprios momentos e experimentações - que não serão compartilhadas com ninguém.
Na estrutura psíquica proposta por Freud, no fundo do inconsciente se encontra o Id, o território da energia mais poderosa de cada indivíduo e onde armazenamos ao longo da vida todas as emoções, experimentações, afetos e memórias que não foram aprovadas pela nossa consciência.
No território do inconsciente, indicado pela presença de água na cena do arcano, a atitude crítica e pensativa do eremita se relaciona com a função do Superego, que justamente perfaz essa função judicante dos nossos atos e posturas diante da vida. Se as experiências são coerentes com o modelo ideal ao qual minha consciência adere, essas experiências são validadas e fazem parte integrante da minha noção de Eu. Por outro lado, se a experimentação for de alguma forma incoerente com esse ideal, o Superego vai classificá-la de forma negativa e podemos nos sentir desconfortáveis em esse material. Aprendemos que isso “não é para nós” e deixamos de fazer essas coisas que não passaram no crivo do nosso poderoso fiscal interno.
Numa vivência saudável, o conteúdo que naturalmente seria reprimido pelo Superego seria aquele não condizente com os valores humanos mais elevados, tais como a violência ou a agressividade dirigida aos outros que crie uma situação de risco para a convivência.
Mas na nossa vida prática em sociedade, com tantas regras de conduta para pertencermos aos grupos, desde a família, passando pela religião e até à nação à qual pertencemos, acabamos incorporando uma extensa lista de vivências e afetos que são considerados “não permitidos” ao nosso modelo de ser. Ao absorvermos essas restrições, criamos limites bem mais rígidos para nossa autoexpressão e ficamos com reduzidas opções de realização dos nossos desejos.
Podemos mencionar aqui as pessoas que não se permitem dançar numa festa, que não brincam com crianças para não parecerem ridículas, que não falam o que pensam, mas só que convém, que não arriscam para não errar, que dizem sim quando querem dizer não.
Quando o censor interno é muito forte, nossas autoexigências são proporcionalmente fortes também e criam modelos de comportamento muito rígidos que não permitem nossa livre movimentação pela vida. E quando nos acostumamos a tantas restrições, acabamos ficando desprovidos de contato com nossos reais desejos e o caminho com o inconsciente, de onde vem nossa energia vital, se encerra.
Vimos na carta da Força como o fluxo aberto com o inconsciente nos preenche de vida e de energia, mas aqui no território do Eremita esse fluxo não acontece e a energia fica presa.
Esse é o ambiente do recalque, o processo psíquico de estagnação da energia libidinal associada a algum desejo que foi violentamente reprimido e lançado fora da consciência por ser considerado incompatível com autoimagem construída até aquele momento de vida.
Lançar conteúdos psíquicos para o recalque é sempre um processo violento e doloroso, praticamente uma amputação, pois esses conteúdos se relacionavam a desejos genuínos do inconsciente, ou seja, partes de nós mesmos que não tiveram a chance de florescer e antes mesmo de brotarem foram cortadas e escondidas.
O desejo de conhecer outros lugares, de experimentar uma relação diferente, de trabalhar com o que se gosta ganhando menos dinheiro, de sair de um casamento que não satisfaz, de não ter que cumprir todos os compromissos assumidos, a mudar de ideia; todos esses desejos não permitidos podem ser material do recalque.
Se não podemos viver a oportunidade de dar vida aos nossos desejos, mesmo sendo jovens levaremos uma vida desvitalizada e sem energia, tal qual um idoso com dificuldades para caminhar. Os homens velhos caminham devagar e precisam do apoio de uma bengala, da mesma forma que nós vamos criando justificativas e desculpas para não realizarmos aquilo que genuinamente é o desejo do nosso coração.
O elemento que fará toda a diferença neste arcano é a lanterna. É com a luz da consciência que será possível estabelecer contato com o material que ficou recalcado no inconsciente, de outra forma não é possível sequer se dar conta que houve a repressão e o que ficou preso por ali.
Para entrar em contato com nossos conteúdos reprimidos geralmente é necessária a presença de um artefato externo, a laterna, que pode ser um terapeuta, um líder religioso, um mentor. De toda forma, para que essa percepção possa acontecer será preciso um afastamento do ritmo de vida usual para que as visões internas acessadas possam ser elaboradas pela mente consciente e o indivíduo se aperceba do quanto foi desprovido psiquicamente no processo do recalque.
Nesse sentido, é essencial o ponto de vista sustentado por Freud de que todo o processo de análise só tem valor se for elaborado no consciente do analisando. Se não ocorrer essa elaboração racional, o conteúdo do recalque permanece no inconsciente e fadado às repetições que mais à frente iremos abordar nas relações com outros arquétipos. O Eremita tem que andar com sua lanterna.
Este é um processo de aprendizado diferente da aquisição de conhecimento transmitido oralmente, pelo ensino ou pela cultura, como é a ideia do Hierofante - Arcano 5. Com o Eremita, o aprendizado acontece pela experimentação verdadeira, a lição proposta é vivida “na carne” e pelo método mais eficiente: pelo “não”.
O arcano do Eremita vai representar aquele momento em que encontramos restrições sérias impostas pela vida em função do recalque, com as quais podemos até lutar, mas sem sucesso, pois são essas restrições que nos farão enxergar honestamente quem somos e o que de fato desejamos expressar e realizar. Depois de viver a experiência proposta pelo Eremita, o indivíduo não mais conhece: ele sabe.
E quando o indivíduo sabe, ele passa para outro nível de consciência e percepção e, portanto, experimentará outros tipos de aprendizagem de vida. Neste ponto, as lições necessárias ele já deve ter absorvido e é possível encerrar um ciclo de aprendizado, o que vem representado pelo mistério do número 9 atribuído a este arcano. O número nove é o último na ordem dos algarismos, a partir dele todos os demais números são compostos pelos algarismos anteriores formando novas representações numéricas.
Ao ver com mais nitidez as restrições que nos flagelaram no processo de recalque, passamos a apreciar melhor nossas relações e a valorizar apropriadamente as oportunidades e experiências da nossa vida. A falta nos ensina a ter mais receptividade nos eventos futuros. E essas lições mais profundas são aprendidas não porque alguém nos contou, mas porque agora sabemos como é mais difícil viver quando não agimos de forma coerente à nossa natureza.
Da mesma forma, o Eremita sabe conviver com a falta e não leva nada mais que o necessário para seguir sua viagem, numa correspondência simbólica de como acontece na nossa trajetória como indivíduos construindo sua consciência.
Enquanto ficarmos presos nas necessidades sociais criadas para nos distrair do caminho, nos amputando para atender exigências externas, vamos postergando nossa trajetória e, como anestesiados, perdemos oportunidades valiosas de desenvolvimento. Manter o foco e a leveza, renunciando o peso da bagagem que não é nossa, são atitudes fundamentais para seguir adiante no caminho da evolução humana.
Quando o Eremita aparece numa leitura terapêutica, pode indicar que a pessoa vive um momento de observar e reavaliar se a trajetória está conduzindo ao lugar que ela quer ocupar no mundo. Muitas vezes, pode indicar o fim de um ciclo de vida em que é necessário um certo isolamento para retornar à essência e seguir adiante de outra forma.
Verbenna Yin é taróloga, astróloga, psicanalista e terapeuta floral.
Contatos: verbennatarot@gmail.com
www.verbennayin.blogspot.com
Outros trabalhos seus no Clube do TarôAutores
Edição: CKR – 15/01/2019
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