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A Temperança e a integração das experiências |
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A carta da Temperança nos traz a linda imagem de uma mulher angelical à beira de um regato, com um pé na água e outro em terra, circundada por uma espiral de energia em forma de arco-íris. Ela está muito concentrada despejando água de uma taça a outra seguindo o curso da mão esquerda para a direita. Aos seus pés vemos flores violetas abertas, florescendo e, ao fundo, vastos campos verdejam até a linha do horizonte. |
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A Temperança no Tarô Mitológico (1988) |
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O arcano 14, a Temperança, marca o final da segunda sequência setenial do tarot, indicando a conclusão de ciclo importante, com os aprendizados sensíveis nos arcanos anteriores. Todo esse aprendizado está sendo consolidado pelo indivíduo, que a partir da ação consciente poderá, agora, realizar os trabalhos internos necessários à integração das experiências.
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A Temperança indica uma atitude mental em que a atenção é dirigida com foco no momento presente e imbuída de intenção e determinação para um objetivo claro. A água que verte da esquerda para a direita nos mostra que o movimento da energia psíquica é do inconsciente para o consciente, o que indica uma conversa entre essas duas instâncias psíquicas, que ocorre com fluidez. |
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As flores e os campos verdes denotam a fertilidade como efeito desse livre fluxo dos conteúdos do inconsciente, fonte da nossa força criativa. |
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A Temperança ou Arte no Thoth Tarot (1944) |
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A integração dos polos opostos, consciente e inconsciente, é ressaltada na imagem do arcano feita por Frida Harrys no Tarot de Thoth, que leva o nome de “A Arte”. |
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Nesta imagem foi incluída a máxima da Alquimia “VITRIOL – Visita Interiora Terrae Rectificando Invenies Occultum Lapidem”, que significa: “Visita o interior da Terra, Retificando, e encontrarás a pedra oculta”. A pedra oculta é também referenciada como Pedra Filosofal, o cerne da humanidade e que simboliza o indivíduo na sua forma mais elevada. |
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Na Alquimia, a primeira tarefa do adepto é a sua própria transformação. Para regenerar a matéria (mundo externo), deve antes regenerar sua própria alma (mundo interno). Por isso o caminho rumo à pedra filosofal se faz por meio das retificações no “interior da Terra”, no seu mundo interno.
Jung declaradamente assumiu ter se valido dos conceitos da Alquimia para organizar seus trabalhos sobre o desenvolvimento humano, e em vários momentos cita a noção alquímica do Vitriol como correspondente ao caminho de individuação rumo ao Self. Nessa correspondência, o Self seria essa representação simbólica da pedra filosofal, oculta no interior do profundo inconsciente. Jung inclusive menciona que o encontro com SELF pode se manifestar por meio da visão de um cristal, representando assim a descoberta, pelo indivíduo, do seu cerne outrora inacessível à consciência.
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Imagens deste arcano, contudo, não mostram a tal pedra filosofal, mas sugerem que o momento é de trabalhar para abrir a conexão entre consciente e inconsciente. É uma fase preparatória para o encontro do indivíduo consigo mesmo, e o trabalho interno consiste na reconstrução do sujeito que acabou de passar pela experiência da Morte e percebeu que partes de si estavam reclusas no porão da mente. |
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O processo do arcano 13, a Morte se estabelece inicialmente de forma inconsciente, mas nesta etapa da Temperança a vivência é totalmente consciente e o indivíduo poderá ligar os pontos entre as histórias e dar sentido às experiências, fazendo as reparações necessárias para que tudo que foi vivido seja integrado à consciência. Ele refaz sua identidade. Veja meu texto A Morte, os desligamentos e os desapegos. |
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Por isso, o nome deste arcano no Tarot de Thoth é A Arte, não só como referência à arte da tradição alquímica mas também, e principalmente, para enfatizar que essa integração é muito rara e especial, para a qual se deve empregar toda a habilidade e dedicação possível, já que a identidade é determinante de toda vida psíquica. |
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Na psicanálise este momento poderia corresponder à fase terapêutica em que o indivíduo toma consciência das suas neuroses, seu ponto de origem, qual foi o propósito dessa adaptação neurótica, para assim decidir conscientemente sobre esses comportamentos fazendo as reparações possíveis no momento. |
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A capacidade de lidar com as frustrações e de fazer reparações é essencial para o desenvolvimento psíquico saudável. Melanie Klein é enfática ao apontar essa capacidade no pequeno bebê à época do desmame como sendo determinante para que ele passe da posição esquizoparanoide para a posição depressiva. Mas esse marcador vai além do desenvolvimento do bebê, ele é também um marcador da capacidade subjetiva do indivíduo de suportar os desafios e frustrações das fases posteriores de desenvolvimento. Para ela, uma criança que não consegue fazer as reparações próprias da sua idade pode ficar com o desenvolvimento psíquico comprometido permanentemente e sua libido se introverte impedindo que ela possa estabelecer relacionamentos e vínculos com o mundo externo, prejudicando a socialização. |
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A carta 14. Temperança no Tarô Viconti Sforza (1450) e Marselha (1750) |
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Num desenvolvimento psíquico saudável, a criança consegue fazer reparações (repor os brinquedos, recompor as cenas vistas no dia a dia, ser capaz de se desculpar, de perceber-se fazendo parte da família) bem como lidar com as ausências da figura materna, cada vez menos ansiedade. Isso mais tarde reverbera na vida adulta promovendo relacionamento com mais qualidade: o indivíduo percebe com clareza que certos comportamentos são inadequados e que para participar dos vínculos estabelecidos terá que negociar suas intenções originais e ceder em alguns momentos em prol de um benefício maior para ela e para o outro. |
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No final de sua obra, Freud afirma em O mal estar na Civilização que a capacidade de negociar e ceder é necessária para um processo civilizatório saudável, no qual todos nós temos que deixar de lado impulsos individuais por uma satisfação imediata se, para isso, colocarmos em risco a liberdade e a integridade do outro. Renunciar à satisfação meramente pulsional faz parte do nosso processo de adaptação ao meio e ao grupo em que vivemos. Nesse sentido, para nos adequarmos ao ambiente externo, teremos que reprimir impulsos individuais por muitas e muitas vezes, o que seguramente gerará conteúdos a serem enclausurados no inconsciente. |
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A distinção aqui é que o consciente consegue perceber esse processo, atentando para as causas e os efeitos dessa repressão original e mesmo assim mantendo-se receptivo às consequências do processo. Talvez no processo ocorra uma pequena morte, nos moldes do arcano anterior, mas nesta etapa a consciência consegue lidar melhor com este fato e o indivíduo estará aberto e disposto a fazer as transformações necessárias para seguir adiante. |
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Essa é a chave do arcano A Temperança: a capacidade para se regenerar, indicada pela espiral brilhante e as flores em tons violeta – a cor da transformação – e a atitude mental aberta e disponível, simbolizada pela figura feminina. |
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A receptividade e a transformação, aqui, não são vistas como fraquezas ou algo negativo, pelo contrário, são virtudes do aspecto feminino que permitem à pessoa fazer as reparações internas e os reajustamentos possíveis para seguir seu desenvolvimento em busca do Self. O caminho continua. |
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Só quem consegue fazer reparações pode se regenerar e essa é a linha que une a Alquimia, Melanie Klein e Freud na questão da sublimação dos impulsos, enquanto capacidade máxima de adaptação social que passa pela habilidade de tolerar as impossibilidades, as mudanças de curso da vida, as frustrações e os momentos desafiadores. |
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Ao fazer as reparações possíveis, o indivíduo consegue se manter inteiro, integrado, e essa noção de estar unificado é essencial para a sustentação do indivíduo em si mesmo. A integridade é a representação visual deste arcano no Tarot Zen de Osho, que indica a unificação e coesão das partes formando uma figura inteira. |
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A carta 14, A Integração, no Osho Zen Tarot (2001) |
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A coesão entre aspectos opostos é a força que faz com que uma pessoa passe de ignorante para consciente, de vítima a agente de transformação, de dominada para empoderada. Pode haver uma fase da vida em que a pessoa se sinta sem esperança de atravessar uma determinada situação limitadora, imaginando-se como fraca. Mas, num dado momento, chega a percepção mágica de que é possível ir além, é possível superar a condição de vítima e alcançar o outro polo: é nesse momento que a pessoa reativa o seu próprio poder, se empodera. |
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Reside aqui o aprendizado de que nosso potencial pode ficar enclausurado na inconsciência por um tempo, se nos entregamos ao lado negativo da frustração e nos considerarmos abandonados ao meio externo e separados do todo. Mas se tivermos uma atitude disponível à mudança, flexível às impossibilidades e receptiva às novas opções, podemos subir os degraus da percepção, numa grande espiral, e assim nos darmos conta do quanto ainda somos capazes de realizar, ressignificando os eventos e nos reconciliando com o passado. |
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Perceber com clareza as forças que atuam em nós e circular conscientemente por elas nos proporciona domínio próprio e poder de geração da realidade que queremos. Podemos nos perder na frustração ou podemos ir além e cultivar atitudes mais adaptáveis e com a fluidez sugerida pelo elemento água. Essa é a grande Arte, o manejo consciente das poderosas forças internas que atuam o tempo todo, atraindo eventos para o nosso crescimento e nos desafiando a permanecer íntegros nessa travessia pela vida. |
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Quando o arcano da Temperança surge numa leitura terapêutica, pode indicar que este é um momento para nomeações importantes relativas ao passado do indivíduo, no qual tudo se mostrará com mais clareza e assertividade. Pode ser um tempo de assumir o que não foi possível realizar e lidar adequadamente com essas frustrações, talvez com um luto, para elaborar melhor o que ficou da experiência e positivar essa memória.
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A partir das noções advindas desse processo, o indivíduo pode se situar melhor na atualidade, se perceber com mais atenção e reorganizar positivamente seu momento de vida. |
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