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O crocodilo e a serpente no tarô:
nossas jornadas e seus riscos |
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Dentre os elementos extras nos arcanos do tarô, introduzidos pelos ocultistas a partir do século XIX, destaco os dois répteis que aparecem pela primeira vez no Oswald Wirth Tarot (1889): o discreto crocodilo no arcano 22 (O Louco) e a serpente no arcano 09 (O Eremita). Lembro que não foi Wirth, famoso ocultista e cabalista suíço, a desenhar as lâminas; elas foram criadas posteriormente baseadas nas descrições do autor. |
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O Louco e o Eremita no Tarô de Wirth (1889) |
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Tanto o Louco como o Eremita destacam-se por serem arcanos de natureza 'peregrina'. O arcano 0 ou 22 (ou "sem número") sempre fez o papel de coringa, encaixando-se deliberadamente em qualquer posição no baralho, ainda nos tempos em que o tarô se restringia à ludicidade e os arcanos não possuíam numeração; já o arcano 09 (O Eremita) evoca, originalmente, a natureza cronológica, uma vez que nos primórdios do baralho carregava uma ampulheta e não uma lanterna nas mãos. Os dois exemplificam "alfa e ômega", o começo e fim, os primeiros passos do pueril neófito e sua maturidade alcançada por meio do autoconhecimento. |
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Destrinchando a simbologia do crocodilo, sua natureza divina, noturna e lunar se manifesta em sua voracidade, engolindo o sol durante o dia, tal como surge na imagem do Wirth Tarot, cujo réptil se encontra ao leste à espreita. Vem a evocar os renascimentos. Para os egípcios, simboliza a morte e as trevas (na figura do deus Sobek), sua bocarra aberta e goela profunda abrigam o mergulho na escuridão. Também se relaciona à luz dos conhecimentos ocultos eclipsada. No Wirth Tarot o personagem é mordido por um felino, diferente da arte dos baralhos antecessores, cujo animal está mais para um cão. Esse animal que avança contra o bufão parece querer despertá-lo, tirá-lo de um estado de torpor mental e/ou alucinação. É como aquela "beliscada" que recebemos da vida para nos darmos conta de que não estamos sonhando. E, também, uma forma de advertir-nos de que o caminho é repleto de percalços e perigos, todo cuidado é pouco. |
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O Louco no Tarô Bellini de Edmond Billaudot (1829-1881) e no Tarô Egípcio Kier (1966) |
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O crocodilo à espreita é sinônimo da escuridão do abismo (Daat – na Árvore da Vida - Cabala). Ele parece emergir cheio de fome. A distração ou displicência durante a jornada podem significar perder-se ou desviar-se de seu nobre propósito, que é descobrir-se. Jacarés, aligátores ou crocodilos se aproveitam para abocanhar suas vítimas normalmente quando estão relaxadas. O réptil revela que a jornada tem como companheira a escuridão, implicando em sabermos lidar com ela. Também evoca a Sombra, cuja manifestação arquetípica sugere que nossos medos irracionais são inimigos de nossa compreensão mais profunda. |
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Répteis rastejam, logo que nascem já se colocam em posição de ataque, se camuflam e podem se fingir de mortos. São criaturas de caráter ctônico, se vinculam ao submundo. Diferente do crocodilo, a serpente (naja) presente no arcano 9 tem um caráter mais iniciático. Embora também associada à escuridão, mal e trevas, também simboliza a sabedoria, a eternidade e a vida. O ancião do arcano lembra o filósofo grego Diógenes de Sinope que procurava um homem honesto com uma lanterna acesa em plena luz do dia. Por outro lado, iconograficamente faz paralelo com Longinus (o famoso São Longuinho do catolicismo), que reforça a ideia de procura ou busca. De todo modo, o Eremita antagoniza com o Louco, já que sabe para onde vai, enquanto o segundo parece seguir seus instintos e se deixa levar. Lembro que Ida e Pingala são as serpentes que se contorcem no caduceu de Hermes (deus mensageiro) e outra serpente se eleva no cajado de Asclépio, "pai da medicina". |
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Imagem de Sobek, divindade egípcia com cabeça de crocodilo.
Serpentes entrelaçadas no ícone da Medicinana e na representação de Ida-Pingala. |
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Serpentes representam os mistérios e por seu corpo em movimento espiralado ascendente, sugere a elevação da consciência, tal como na representação da Kundalini. A serpente que se encontra próximo do cajado do Eremita evoca tanto o poder da revelação (como Moisés o fez ao jogar seu cajado no chão e ele se transformar numa cobra), como também as tentações do caminho, já que o animal também se associa ao demônio tentador do Éden, originalmente Lilith. Diferente do Louco, o Eremita não tem pressa, é prudente e parece saber onde pisa. Coloca a lanterna à frente, como seu cajado também, se certificando para onde vai. O autoconhecimento não é um caminho fácil e nem destituído de riscos, pelo contrário; quanto mais nos é dado, mais nos é cobrado. |
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O crocodilo se mantém mergulhado nas águas obscuras do inconsciente enquanto a serpente precisa buscar o sol para manter seu corpo aquecido durante a noite. É a personificação das forças brutais, compulsivas, prontas para corromper os desavisados; já a serpente, esguia e elegante, desliza sobre o solo evocando a fluidez e sensualidade, os prazeres e a toxicidade (por sua peçonha), pode simbolizar a elevação dos homens, mas também sua condenação ou desgraça. A serpente sempre está pronta para dar o bote, resta surpreendê-la antes que faça conosco. Como aliada, poderá ser um importante guia no submundo, ou perante as trevas. Adverte que o conhecimento proibido pode levar à loucura. |
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Nossas trilhas estão repletas de crocodilos e serpentes. O caminho que envolve o despertar é um caminho de riscos. Impossível chegar a Kether (veja Cabala - Árvore da Vida) sem atravessar as provações de Daat, abrigo dos répteis esfomeados. Resta saber se vamos nos comportar como o Louco ou o Eremita. |
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