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21 de dezembro de 2024

Responsável: Constantino K. Riemma


Os significadores da sexualidade e o Tarot
Emanuel J Santos
Há exatos dez anos, eu escrevi um texto para o Clube do Tarô no qual refletia sobre A Sexualidade e a Cartomancia. Foi uma grata surpresa, portanto, ser convidado para a Confraria Brasileira de Tarô e poder revisitar o tema, pensando não apenas no que reconheço como útil nesse momento, como também rever e repensar minha prática em uma década.
Taro e sexo -Eros
Eros na pintura de Giovanni Baglione (1566-1643)
A primeira questão que sempre me faço em relação à prática – seja ela qual for – é para que isso? No que tange aos baralhos eróticos, seria pensar para que um baralho erótico? Nesse sentido, eu me surpreendi com minha própria coleção de baralhos ao perceber que não possuo nenhum baralho de Tarô deste tema. Em parte, porque eu me dedico aos baralhos tradicionais (entendendo tradicionais como baralhos que possuem uma estabilidade no mercado, seja por sua própria publicação, seja por literatura produzida para eles). No entanto, conheço alguns que valem a pena serem citados: O Tarô de Manara, o Casanova, o Erotica, o Decameron e, por tangência temática, o Gay.
Cartas do Tarot Casanova e Gay
Cartas do Tarot Casanova e Gay
Conforme a minha apresentação recente no Oracular (Tipologias de baralho - Funcões e leituras possiveis), entendo o Tarô como um baralho de 22, 42 ou 78 cartas que possui uma estabilidade estrutural. Nesse sentido, desenvolver um baralho de Tarô, para além de todas as questões artísticas e técnicas envolvidas, nada mais é do que encontrar um diálogo entre uma imagem e um conceito pré-estabelecido e estabilizado. Um Tarô erótico, desta forma, nada mais seria do que adequar o tema a uma forma composicional específica.
Aí começam os problemas, a propósito.
Quando se trata da estruturação de um novo baralho, reconheço dois caminhos trilhados pelos artistas: o primeiro é adequar algum desenho já estabilizado – e nesse aspecto, o Waite-Smith é o campeão invicto – ao conteúdo temático escolhido. Em outras palavras, utilizam-se as imagens desenvolvidas por Pamela C. Smith (ou outro artista) e adequam-se os detalhes pertinentes. Algo como um Imperador nu, uma Imperatriz com os seios em evidência em postura lasciva… O segundo caminho é partir do “Tarô-conceito”, ou seja, de significados atribuídos previamente, para a construção das imagens de forma mais livre. Normalmente, por essa via vemos alguns aspectos simbólicos ou conteudísticos da carta serem mais valorizados que outros, em função dos interesses do artista ou encomendante. Em último caso, vemos uma associação entre o conceito e a imagem mais coerente pela perspectiva dos desenvolvedores, como é o caso dos baralhos que lançam mão de obras de arte preexistentes para a sua ilustração.
No primeiro caso, temos o Tarô Erotica, de Stacey Simons, ilustrado por Lori Walls. Vemos que as ilustrações buscam remeter às imagens estabilizadas, exacerbando os aspectos sexuais a partir de uma hiper valorização dos genitais.
Cartas do tarot Erotica
Cartas do Tarô Erotica, de Stacey Simons, ilustrado por Lori Walls
Tarot Erotica - versão 2
Cartas do Tarocco dei Giardini di Priapo
No segundo caso, temos o exemplo do Tarô Manara, que corresponde à obra do mestre Milo Manara (1945-), desenhista italiano de obras com ênfase erótica. Os quadrinhos de Manara geralmente giram em torno de mulheres elegantes, bonitas expostas a cenários e enredos eróticos improváveis e fantásticos. Nesse baralho, os conceitos do Tarô são associados às ilustrações de Manara, por vezes de forma um tanto forçosa (o que seria o esperado).
Outro exemplo que gostaria de citar é o Decameron Tarot, cujas imagens sugerem inspiração nos textos do Decamerão, mas são notavelmente voltadas para o conteúdo erótico da obra.
A Força nos tarôs Manara e Dedameron - Emanuel
Cartas da Força nos tarôs Manara e Decameron
Quanto ao uso desses baralhos, me vejo em posição pouco confortável porque, como disse, nunca usei nenhum deles, dada minha preferência pessoal. Acredito que, balizado pelos conceitos, seriam baralhos passíveis de serem utilizados – mas, por essa perspectiva, até papel numerado funciona como elemento de aleatoriedade. Penso que o uso de tais imagens deva ter, como toda imagem tem, o impacto de sentidos sobre o utilizador, mas não me vejo em posição de opinar a respeito nesse momento.
Falando um pouquinho sobre os baralhos herdeiros da Golden Dawn, que partilham de um simbolismo comum: aqui enquadro o Waite Smith, o Thoth (Crowley-Harris) e os dois Tarôs da Golden Dawn – o idealizado por Robert Wang e o idealizado por Giordano Berti.
Nesses baralhos, há uma relação que tangencia o implícito e o explícito entre a Astrologia e a representação tarológica. Não me cabe, nesse momento, discutir a aplicação desses valores, que possuem premissas históricas e simbólicas ligadas à Escola de Mistério a qual pertencem, diferentes de outras Escolas e abordagens (de Oswald Wirth, Salvador Dalí, Papus e Mollinero em seus respectivos baralhos), embora deva afirmar que uma imagem nunca é inocente e deve ser utilizada em sua plenitude, sobretudo no que tange à previsão e aconselhamento, sob risco de perdermos informações importantes. No que tange à sexualidade, em específico, é notável o peso que as cartas com atribuições a Áries e a Vênus possuem na leitura, começando pelo par Imperatriz/Imperador. O aspecto mais relacional está nas cartas de atribuição Touro/Lua, começando com a Sacerdotisa e o Hierofante. Perceba que o masculino está associado ao signo, e o feminino ao planeta.
No Tarô de Marselha, há um número considerável de obras que buscam, em suas imagens, representações, metáforas e um bom bocado de absurdos que transcendem a obviedade da mensagem passada, e sobre as quais eu não irei me ater no momento. No que tange à representação, entendo que a sexualidade se revela nas vestes – ou ausência delas – e nos títulos – que apontam os possíveis “casamentos” entre as cartas, que serão melhor exploradas na técnica dos olhares.
O Louco é representado com as vestes sendo rasgadas à altura das nádegas. O Diabo, com a exposição de sua genitália masculina e seios. A Estrela e o Mundo, em plena nudez. A Força, embora plenamente vestida, é associada por ter a cabeça do leão à altura de seus órgãos sexuais. Por sua vez, a posição ocupada pelos casais do baralho apontam certas possibilidades de atração e repulsa que podem ser interpretadas no contexto da leitura: Imperatriz e Imperador, o casal terreno e primeiros significadores de encontros sexuais; Sacerdotisa e Hierofante, que apontam para relacionamentos que não perpassam valores sexuais propriamente; Mago e Enamorados, que apontam tanto para o apaixonamento em si quanto para a triangulação de uma relação estabelecida (não é porque eu estou em um relacionamento que eu estou impedido de me apaixonar por outra pessoa…). Perceba que todas essas cartas, para quem utiliza de numerologia para desenvolver suas interpretações, todos esses casais correspondem a uma soma que dá sete.
Há um último “casal”, ou, mais apropriadamente, um par de opostos complementares que são A Lua e o Sol. Adicionando esse par aos anteriormente citados, é curioso notar que sempre o feminino antecede o masculino.
Tendo em vista as considerações iconográficas apresentadas anteriormente, gostaria de citar uma técnica apresentada por Robert Place que muito me auxilia na leitura: a posição dos olhares.
Longe de ser algo surrealista como a proposta literária de Battaille analisada por Barthes (História do Olho em www.manuelaraujo.org), estamos diante da metáfora a partir da proposta poética do encontro dos olhares. Algo muito mais próximo da poética de Tom Jobim, a propósito; porém, dentro da técnica, utilizamos de forma estrutural.
 
Quando a luz dos olhos meus
E a luz dos olhos teus
Resolvem se encontrar
Ai, que bom que isso é, meu Deus
Que frio que me dá
O encontro desse olhar
Mas se a luz dos olhos teus
Resiste aos olhos meus
Só pra me provocar
Meu amor, juro por Deus
Me sinto incendiar
 
 
Letra da música Pela luz dos olhos teus,
com Tom Jobim, Miucha, Vinicius de Moraes: https://youtu.be/rs4ggz5aeVg
Podemos apreciar diferentes situações para o encontro e desencontro dos olhares:
A Imperatriz e o Imperador no Thoth Tarot - olhares que se voltam
Imperatriz e Imperador no Thoth Tarot. Nessa posição as cartas se enxergam,
ou seja, olham diretamente uma para a outra.
O Imperador e a Imperatriz no Thoth Tarot - olhares opostos
As mesmas cartas, em posição inversa, não se enxergam – estão de costas uma para a outra.
A questão de uma carta enxergar a outra bebe não apenas da leitura astrológica – os planetas que se aspectam são planetas que se enxergam – mas também de estruturas cartomânticas em que existem as Cartas Testemunha. (Dei uma entrevista para o José Fernando, do canal Sorte Lenormand, sobre esse assunto em relação ao Petit Lenormand em especial, que pode ser vista em https://youtu.be/d43ZEoWjr0k)
As Cartas Testemunhas do Petit Lenormand
As Cartas Testemunhas do Petit Lenormand
As Cartas Testemunhas em um baralho de Etteilla
As Cartas Testemunhas em um baralho de Etteilla
As Cartas Testemunhas no Livro de Thoth de Etteilla
As Cartas Testemunhas no Livro de Thoth de Etteilla. Curiosamente,
a atribuição das testemunhas se dá com as cartas invertidas.
Conforme Place, são seis possíveis encontros na narrativa dos arcanos em uma mesa, das quais sete são derivadas do posicionamento dos corpos em relação a posição das cartas em uma leitura. (Cf. www.clubedotaro.com.br/site/p55_0_Emanuel_Imagens.asp). É notável que os pares anteriormente citados se olham quando em uma posição adequada um ao outro; e é partindo dessa premissa que sabemos se um casal se enxerga ou não.
Pode dar um pouquinho de trabalho se estiver acostumado com métodos específicos, onde cada casa possui um significado e o conjunto responda pela síntese dos significados específicos. Para mim, em contrapartida, é libertador – eu nunca sei exatamente o que verei, enquanto embaralho, mas todo o cenário se descortina quando viro as três cartas. As possibilidades são:
1. Linear: as cartas podem mostrar uma história que começa à esquerda e termina a direita, ou vice-versa. As figuras tenderão a olhar na mesma direção.
2. Rejeição: as duas figuras das pontas devem ficar de costas uma para a outra, indicando que a figura central está mudando de lado e aquilo que ela simboliza está mudando de lado também.
3. A origem central: talvez a figura central esteja olhando diretamente para você, com as cartas de cada lado viradas para “fora”. Isso pode indicar que a sequência começa no centro e se direciona para ambos os lados. Da mesma forma, se apenas uma das cartas dos lados olha para longe, para fora, a ação é apenas para um lado.
4. O destino central: quando as figuras das pontas estão olhando para o meio, a ação deve começar em ambos os lados e convergir para o centro. A figura central pode estar olhando para você ou a direção do olhar pode estar em um plano mais elevado.
5. O problema central: a carta central pode também bloquear a energia ou dispersá-la. O oito de Espadas pode representar um bloqueio; o sete de Espadas, dispersão.
6. O ensinamento central: a figura central pode ser instrutiva, como também apontar para duas possibilidades ilustradas pelas cartas que a rodeiam.
Com o tempo, mesmo usando métodos com casas definidas, passamos a ver uma narrativa que se delineia a partir dos olhares. Tratando-se de sexo, buscamos os olhares daqueles que se casam no baralho, entendendo as cartas que lhes servem de ponte como os motivos pelos quais a relação prospera… ou não.
Uma outra questão que parte dessa primeira, ou seja, se falamos de sexo, falamos também de suas decorrências: além das questões próprias emocionais de vínculo, seja ele saudável ou não, é importante pensarmos também na prevenção de doenças e também da prevenção ou não de uma possível gravidez. Ninguém pensa muito nisso quando se apaixona ou se atrai por alguém, mas esses temas estão no fluxo também. Prever gravidez é relativamente tranquilo quando estamos lidando com um casal que deseja filhos: é uma questão de alinhar os potenciais biológicos aos eventuais que veremos nas cartas. Agora, como lidar com um encontro apenas, maternidade/paternidade unilateral, doenças e afins? Não tenho uma resposta pronta (na verdade, espero não ter respostas prontas, mas em processo contínuo de revisão diante dos estudos de caso que eu encarar profissionalmente), mas não posso deixar de sinalizar tais temas diante do cenário geral que exploramos hoje.
Além disso, uma outra questão se faz premente, de natureza ética: todos sabemos que o espaço da consulta é, também, um espaço no qual o consulente se sente à vontade para explorar questões que, em um outro âmbito, seriam sequer faladas em voz alta. Por isso, é sempre importante lembrar que a palavra do cartomante é uma palavra de autoridade. Casamentos podem ser desfeitos, assim como encontros podem ser criados ou desenvolvidos; pensem por um momento na responsabilidade que possuem quando manipulam suas cartas. Nesse sentido, recomendo sempre a participação em eventos como esse, no qual compartilhamos nossas experiências, a leitura de bons livros, não apenas os de referência na aprendizagem, mas os que tratam de temas específicos, que ampliarão seu repertório de leitura; aulas com bons profissionais; registro de suas experiências; e, sobretudo, uma audição sensível.
Toda consulta começa com uma pergunta, mesmo que seja vibrada em silêncio. Quanto mais hábil você for, mais facilmente você entrará em ressonância com essa pergunta.
Emanuel J Santos - Mestre em Letras (UNINCOR), Licenciado e Bacharel em
História (UFOP), Técnico em Conservação e Restauro de Bens Culturais (FAOP), cartomante
e escritor de Cartomancia. Autor dos livros Conversas Cartomânticas, Baralho Cigano: as
cartas de Madame Lenormand
(co-autoria de Laura Tuan) e Sibilla Della Zingara (AGBook).
Autor dos livretos que acompanham o Baralho para Ver a Sorte (Copag);
Petit Lenormand (Alfabeto); Esmeralda Lenormand (Karla Souza).
Responsável pelo blog www.conversascartomanticas.blogspot.com
Outros trabalhos seus no Clube do Tarô : Autores
Edição: CKR – 09/09/2019
  Baralho Cigano
  Tarô Egípcio
  Quatro pilares
  Orientação
  O Momento
  I Ching
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