Constelações familiares, padrões sistêmicos e tarô -
o que eles têm a ver?
Ana Maria Rangel
Ao fazer escolhas em nossa vida cotidiana somos frequentemente tomadas por memórias e padrões. Nossos sucessos e fracassos nos acompanham, determinando nosso grau de satisfação com a vida que criamos, nossa capacidade de sentir prazer ou alegria e a propensão que temos de arriscar por novos caminhos ao invés de buscar a segurança. Tendemos a repetir o que foi necessário para sobreviver no passado, e nosso corpo se adapta para garantir isso.
Jordan Peterson em seu livro 12 Regras Para a Vida, Um Antídoto Para o Caos nos explica como os níveis de serotonina das lagostas é determinado por suas vitórias ou derrotas. Quando uma lagosta perde uma batalha, seus níveis de serotonina caem, fazendo-a assumir a postura de perdedora e diminuindo sua propensão de entrar em novas disputas. Não se trata de derrotismo, mas de estratégia de sobrevivência, já que novos confrontos poderiam resultar em morte. Com os seres humanos acontece algo semelhante, nossa bioquímica também é influenciada pelas experiências que vivemos, e determinante para os papéis e posturas que assumimos.
As escolhas que fazemos, a qualidade de nossas relações, as posições profissionais que ocupamos, nossa relação com o dinheiro e até mesmo as áreas em que moramos são fortemente influenciadas pelos acontecimentos dos passado. A repetição de padrões é a maneira como funciona o Universo. O biólogo britânico Rupert Sheldrake propôs a existência de campos mórficos, estruturas intangíveis onde ficariam armazenadas informações que definem as características dos seres animados e inanimados, moldando a forma e o comportamento de tudo o que existe no mundo material. Nas palavras de José Tadeu Arantes:
“Átomos, moléculas, cristais, organelas, células, tecidos, órgãos, organismos, sociedades, ecossistemas, sistemas planetários, sistemas solares, galáxias: cada uma dessas entidades estaria associada a um campo mórfico específico. São eles que fazem com que um sistema seja um sistema, isto é, uma totalidade articulada e não um mero ajuntamento de partes. (...) Nele, o conhecimento adquirido por um conjunto de indivíduos agrega-se ao patrimônio coletivo, provocando um acréscimo de consciência que passa a ser compartilhado por toda a espécie.”
Uma lagosta e o arcano XVIII - A Lua.
Jordan Peterson em seu livro "12 Rregras para a Vida" nos informa sobre como os
acontecimentos do passado influenciam a atitude do crustáceo diante de competidores.
No tarô, A Lua remete aos medos e acontecimentos passados que
influenciam de forma inconsciente a vida presente.
Sallie Nichols em "Jung e o Tarô - uma jornada arquetípica" diz que "na Lua, o puxão regressivo
da Mãe Natureza é simbolizado pelo lagostim, que vive nas profundezas e anda para trás"
Sheldrake denominou “ressonância mórfica” o processo pelo qual o conhecimento de um certo número de indivíduos é agregado ao campo mórfico, influenciando os demais. O que aconteceu no passado tende a se repetir, e quanto mais se repete mais reforça o padrão, influenciando os indivíduos de um sistema de maneira cada vez mais abrangente. Isso significa dizer que somos influenciados pelos acontecimentos do passado, por nossas memórias e experiências pessoais e também num nível sistêmico.
Bert Hellinger também constatou isso através do seu trabalho com o desenvolvimento das constelações familiares. Ele chamou de “amor cego” a lealdade inconsciente que nos mantém emaranhados ao destino difícil de nossos antepassados. As memórias do nosso sistema familiar nos influenciam, colocando-nos a serviço do todo, de forma a garantir a sobrevivência e favorecer a evolução coletiva. Nesse nível nosso poder de escolha individual é muito reduzido, pois estamos a serviço, motivados pelo profundo amor que nos une a nossos ancestrais. Hellinger descobriu que trazer à tona a dinâmica familiar oculta em situações difíceis torna possível realizar as necessárias compensações através do serviço e das boas ações ao invés da expiação e repetição do passado. Isso nos liberta dos velhos padrões e nos dá clareza e consciência para nos alinhar ao nosso próprio destino.
Assim sendo, podemos concluir que nosso livre arbítrio é limitado. Quando não temos condições de fazer escolhas conscientes, nossa sabedoria interna procura no “arquivo” das memórias individuais e sistêmicas as respostas mais adequadas. Essas memórias podem se referir ao nosso acervo pessoal, os padrões de comportamento aprendidos na infância, ou às histórias que herdamos de nossos antepassados. Elas estão gravadas em nossos corpos, revelando-se através de nossa postura e atitude perante a vida, determinando o tipo de experiência que atraímos. Geram reações e respostas instintivas, pois estão ligadas às nossas necessidades mais arcaicas, funcionando para nós como um piloto automático cuja programação é garantir a sobrevivência.
É por isso que numa tiragem de tarô é possível prever com espantosa exatidão os caminhos futuros. Olhamos para os padrões arraigados através de muitas gerações, e porque estamos inconscientes do que eles sejam, é muito difícil escapar de sua influência. De uma forma ou de outra, através das constelações familiares e da epigenética, estamos descobrindo que herdamos de nossos antepassados suas histórias, e que esses padrões estão gravados em nossos corpos, determinando os rumos de nossas vidas. O que o tarô tem feito no decorrer de seus seus pelo menos seis séculos de existência é nos mostrar esses padrões, que nós entendíamos como destino."
O vídeo "Vida Maria" mostra o mesmo enredo se repetindo geração após geração.
Sobre a Roda da Fortuna, no Tarô Mitológico, as autoras Juliet S. Burke e Liz Greene
explicam que "o destino está intimamente ligado à hereditariedade e ao próprio corpo".
Vimos que estamos vinculadas a nossos instintos, herança genética e à nossa história pessoal, sendo que o que aconteceu antes é importante para determinar o que virá depois. Nossa vontade não é equivalente à força que nos toma para estar a serviço do todo, e as tentativas de resistir, negar ou excluir o que quer que seja produzirão sofrimento e repetições. A força que tudo impulsiona é a do crescimento, da evolução e da expansão.
Demasiadas vezes estamos tão envolvidas com nossas expectativas, hipóteses, julgamentos morais e sofrimentos que não conseguimos abandonar um ponto de vista para contemplar a questão dum lugar mais abrangente. Os dramas, as tragédias, e também os momentos de felicidade e de êxtase inevitavelmente se tornam pequenos diante do decurso do tempo ou do vislumbre de um contexto mais amplo. Sem resistência nem apego podemos aprender a aceitar o momento presente em sua totalidade, imediatamente nos liberando para receber o que está por vir. Esse estado de centramento nos permite sair dos movimentos arcaicos ligados à memória do campo morfogenético para nos alinhar à inteligência que conduz o processo evolutivo. Bert Hellinger fala sobre o que ele chama Grande Alma em seu livro A Fonte Não Precisa Perguntar o Caminho:
“As experiências que se mostram nas constelações familiares são bem outras. Mostram que participamos de uma grande alma, isto é, que não temos uma alma, mas que estamos numa alma. (...) o campo morfogenético também é cego, só pode repetir a mesma coisa. Daí, não se pode fugir, a não ser que entremos em um novo, um outro movimento que nos leve para fora disso. A esses movimentos pertence o que denomino de movimentos profundos da alma. Eles se desprendem do até então conhecido e entram em contato com uma força maior que aqui denomino de grande alma”.
Os movimentos arquetípicos trazidos à consciência equivalem ao que Bert Hellinger chama de movimentos profundos da alma. Veet Vivarta em seu livro O Caminho do Mago - uma Visão Contemporânea do Tarot nos informa que a Essência utiliza do material arquetípico para direcionar nosso caminho. Ele chama de “onda arquetípica” esses movimentos profundos que pautam nossas experiências e que não podemos negar, evitar ou reprimir por muito tempo sem entrar em paralisação, repetições ou sofrimento.
Graças às descobertas de Rupert Sheldrake e Bert Hellinger, e aos recentes estudos da epigenética, sabemos que estamos ligados ao todo, e podemos vislumbrar a estrutura e a natureza da força desses movimentos. Eles operam através da nossa memória celular, tendo cada um de nós recebido uma herança informacional que transmitiremos aos nossos descendentes. Disso não temos como escapar, pois é inerente à vida.
"As experiências nas constelações familiares (...) mostram que participamos de uma grande
alma, isto é, que não temos uma alma, mas que estamos numa alma". Bert Hellinger
O campo morfogenético é representado pelos arquétipos, mas sua manifestação é inconsciente, trata-se basicamente da repetição do passado. O que nossos antepassados aprenderam e nos transmitiram é reproduzido sem critério. Crenças, emoções, comportamentos e materializações que surgiram como resposta a circunstâncias adversas continuam se repetindo como um programa de computador. A dor, o sofrimento, a vergonha, a culpa, a escassez, a tristeza, a depressão, a exclusão e o medo que nossos antepassados experimentaram repercutem em nós e afetam a maneira como criamos nossa realidade. Tomar consciência de que esses padrões existem é o primeiro passo para nos libertar.
Os arcanos maiores, ao revelar padrões arquetípicos permitem ampliar nossa consciência para perceber esses padrões, que surgiram da necessidade de sobrevivência. Assim, podemos incluir o que antes foi escondido, excluído ou esquecido e voluntariamente trazer tudo isso à consciência. Dessa forma, podemos compreender o sentido evolutivo proposto pela alma à qual pertencemos.
Os arcanos menores nos colocam em contato direto com nossas crenças, emoções, capacidade de dar vazão a nossos impulsos e, por fim, com a realidade que criamos, possibilitando perceber como os padrões sistêmicos influenciaram a formação de um ego que já não é funcional. As quatro instâncias da realidade representadas pelos quatro naipes do tarô: espadas, copas, paus e ouros são a residência do Ego. Ali encontram-se nossas resistências, julgamentos, a ilusão de separação, e a necessidade de controle. É onde podemos atuar de maneira prática para nos modificar e nos alinhar ao movimento da “grande alma” ou da “essência”.
Dessa forma, podemos nos conscientizar das nossas resistências e dos aspectos egóicos que nos mantém ligadas ao sofrimento, conscientes de que estamos vinculadas a algo maior que nós mesmas. Uma tiragem de tarô serve como um treino para o olhar, ajudando a modificar a forma como vemos as situações do cotidiano e a nós mesmas, completando nosso aprendizado conforme vivenciamos as experiências.
O tempo afina o diálogo com as cartas e aflora a intuição. A vida está o tempo todo falando conosco, e ela é que vai validar aquilo que você apreendeu numa leitura de tarô. O bom uso das cartas, apoiado pelo conhecimento das dinâmicas sistêmicas, ampliará sua percepção, conectando-a ao sentido maior dos acontecimentos. Dessa forma, você desenvolve um maior contato com a realidade, de um lado, e de outro assume uma postura mais adulta e responsável pela vida que leva.