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A Sacerdotisa Cabalistica de Arthur Edward Waite:
uma interpretação iconográfica |
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O Tarot Rider Waite, que comemora 100 anos de existência em 2010 [1], possui uma iconografia paradoxal, simultaneamente simples e rica, dando ao leitor/manipulador diversos níveis de compreensão que não se anulam nem competem entre si. O cartomante de revistinha se sentirá tão à vontade com esse baralho quanto o mago cerimonial em suas práticas. Sem julgamentos sobre suas aplicações. |
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A Papisa ou A Alta Sacerdotisa |
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Waite Tarot |
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Sua aparente simplicidade e o conforto visual que oferece, porém, não deixa de (re)velar os profundos conhecimentos cabalísticos de seu idealizador, Arthur Edward Waite. Não é o objetivo desse artigo apresentar as que eu reconheci – o que, de fato, está longe das possibilidades de interpretação que reconheço serem possíveis; infelizmente, ainda não possuo esse baralho, o que dificulta um pouco o meu trabalho com seus símbolos de maneira empírica, a forma mais divertida de interpretar o Tarot, em minha opinião pessoal. Objetivo, por outro lado, despertar a curiosidade do leitor para a existência desses aspectos que, para o estudante de Tarot e, por extensão, de Cabala, são de grande importância tanto na interpretação desse baralho específico quanto dos inúmeros baralhos que beberam de sua fonte. |
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Nessa imagem vemos uma mulher, de idade indefinida, mas já madura sexualmente, sentada entre duas colunas: à esquerda [2] uma coluna negra, com um “B” branco; à direita, uma coluna branca, com um “J” negro. Atrás da mulher e entre as colunas, um véu com flores vela o que está a posteriori. |
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A mulher veste uma rica túnica, sobreposta por um manto; tem sobre a cabeça uma coroa, formada por dois chifres que ladeiam um círculo, e no peito uma cruz de braços iguais. Seus cabelos mesclam-se ao véu que lhe cai sobre |
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os ombros. Em sua mão direita, segura um pergaminho onde se lê TORÁ. Aos seus pés, o crescente lunar. [3] |
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Normalmente, relaciona-se a figura representada a uma Sacerdotisa de Isis [4], no Templo dedicado à Deusa. Dentro dessa premissa, temos a coroa de Ísis-Hathor sobre a cabeça da dama, referindo-se às suas habilidades com a magia, mas também com a fertilidade [5]. Os cornos são referência às três fases da Lua – Crescente, Cheia e Minguante; dessa forma, a coroa apresenta o controle e o domínio que a Senhora possui sobre o Tempo. |
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A Torá em seu colo tem uma acepção magística, mas também histórica; ao associar o livro sagrado dos judeus a uma sacerdotisa egípcia, temos ao mesmo tempo referência à origem e à prática do que hoje é chamado Cabala como originária dos Mistérios egípcios. Sabemos que Moisés, criado como Príncipe, possivelmente teve acesso aos Mistérios, e dessa possibilidade deduzimos que o profeta ressignificou tais elementos na religião de seu povo, mudando a expressão, sem no entanto perder seu efeito. |
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O Véu que cobre o entremeio das colunas representa o Véu do Mistério que o Iniciado transpõe quando dispõe-se a tornar-se Adepto. Em outros baralhos apresenta-se branco, ou pelo menos liso; aqui, apresenta uma estamparia floral. |
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Tais conceituações são passíveis de se afirmar acerca de diversos baralhos oitocentistas e posteriores. Contudo, nesse artigo, propomo-nos a, a partir da iconografia específica desse baralho, propormos interpretações de natureza cabalística que poderiam ter sido propostas por Arthur Edward Waite para a elaboração dessa lâmina. |
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A Sacerdotisa, dentro da premissa cabalística [6], rege o 13º Caminho, o Caminho da Inteligência Unitiva, que vai de Kether a Tiphareth. “O Décimo Terceiro Caminho é chamado Inteligência Unificadora, porque ele é a Essência da Glória; ele é a Consumação da Verdade dos Seres Espirituais Individuais”. Sua letra é Ghimel, cujo significado é Camelo [7]. Aquele que porta sua própria independência, apontando para a solitude dessa personagem. O Caminho regido por essa letra atravessa o Abismo, levando a luz de Kether a Tiphareth, o Maior Semblante iluminando o Menor Semblante, o Rei instruindo o Príncipe. Tiphareth é a única Sephira abaixo do Abismo iluminada pela luz de Kether, que só como reflexo chega às demais Sephiroth. Mas, mais que uma representação alegórica do conceito relacionado à letra hebraica relacionada, a lâmina possui, de forma velada, a representação da Árvore da Vida, que por sua vez apresenta um novo nível de interpretação, mais profundo, do seu significado divinatório. |
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Comecemos pelas colunas que a ladeiam. À esquerda, Boaz, a Coluna Negra, representa o Caminho que liga Geburah a Hod. Do outro lado, Jakin, a Coluna Branca, representa o Caminho que liga Hesed a Netzach. A Senhora assentada representaria, portanto, a Coluna Central, que liga Tiphareth a Yesod. |
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Aparentemente, isso soaria contraditório, já que a mesma está assentada em Daat, cuja Imagem Mágica é o Trono Vazio, entre Kether e Tiphareth [8], ou seja, um Caminho acima. Reitero, aparentemente. |
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Árvore da Vida |
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Ilustração de C.K.R. |
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Continuemos a verificar os símbolos da lâmina, agora nos atendo à Senhora, como representante do Pilar Central. |
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Ao Pilar Central é atribuído o Caminho da Flecha. Esse Caminho, que parte de Malkuth a Yesod, desta a Tiphareth e por fim a Kether, seria o Caminho mais veloz para a plena iluminação. Todavia, também é o mais perigoso e dado aos percalços do Abismo, sendo atravessado por duas Noites Escuras da Alma, entre Netzach e Hod, cruzando Tiphareth e Yesod, e depois entre Geburah e Hesed, cruzando Tiphareth e Kether. Nesses dois testes, o Iniciado é testado em sua pureza e comprometimento com a Grande Obra. |
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Observemos a Senhora. Aos seus pés, a Lua; sobre sua cabeça, a Lua Cheia, cujo símbolo – o círculo – mescla-se à iconografia do Sol, sua contraparte e de quem é reflexo. Temos aqui, a representação da Coluna Central, que equilibra Boaz e Jakin. |
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Ao mesmo tempo, porém, seus símbolos apontam para o Caminho acima – o Trono, a Torá, como símbolos do conhecimento que revela a Verdade velando-se sutilmente em nuances que se apresentam à medida em que o Iniciado está pronto, como que sedimentando empiricamente o que antes seria apenas hipótese. |
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Voltemo-nos para o Véu atrás da Senhora. Cinco flores a ladeiam; cada flor representa uma Sephira. Repare que, se fossem círculos, a cabeça da senhora seria o círculo central; se traçássemos um hexágono, tendo a cabeça por centro, a cruz em seu peito seria o vértice inferior. |
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Tomando por referência a informação anterior, temos a cruz no peito como Tiphareth (os dois símbolos remetem à essa atribuição: a cruz, metáfora da Experiência Espiritual da Sephira, a Visão dos Mistérios do Sacrifício – ou Crucificação, em outras versões; e a sua disposição no centro do peito, onde reside o coração – área do corpo regida por Tiphareth). Ladeiam-lhe Geburah e Hesed; acima, Binah e Chokmah. Acima da cabeça, uma flor representa Kether. |
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A Sacerdotisa
no Thoth Tarot de Crowley |
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A Coroa, que naturalmente seria atribuída a Kether, aqui ocupa a posição de Daat. Os chifres tocam Binah e Chokmah, mostrando que o Conhecimento (Daat) é obtido pela depuração da Compreensão (Binah) e da Sabedoria (Chokmah). |
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Curiosamente, não temos aqui Malkuth. Ainda que a Sacerdotisa seja um pilar, seus pés repousam sobre o Fundamento (Yesod), o que lhe concede seus poderes intuitivos, mediúnicos e xamânicos, mas, paradoxalmente, impede sua realização e concretização de maneira objetiva; seu campo de atuação é o mundo onírico, astral, de onde seus influxos, devidamente depurados [9], serão postos à serviço em Malkuth; da mesma forma, após o encontro com o Sagrado Anjo Guardião, seguindo o Caminho da Flecha, a Visão da Engenharia do Universo será vista através da subjetividade de sua atuação, como ondas em um lago; ainda que reais, são apenas forma de uma força manifesta – o vento sobre o lago ou a pedra lançada, que, como causa que são do efeito percebido, serão observadas na próxima Experiência Espiritual do Caminho. Mas essa é outra história, ligada a outras lâminas. |
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Obviamente, esse é um insight pessoal; não considero essa a última nem a melhor versão interpretativa da lâmina. Contudo, se eu consegui despertar em você o desejo de brincar de onde está Wally? em relação às demais lâminas, creio que o objetivo do artigo foi alcançado. Não é porque a Arte é Sagrada que ela deixa de ser divertida. |
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Notas: |
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[1] O tarólogo Leonardo Chioda elaborou uma resenha assaz interessante a respeito. |
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[2] Utilizaremos “esquerda” e “direita” em função do observador; os demais casos referentes à imagem serão descritos no corpo do texto. |
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[3] Para nós do Hemisfério Sul, seria a Lua Minguante; mas devemos nos lembrar que esse baralho foi produzido no Hemisfério Norte, e portanto devemos respeitar a forma de Ver dos elaboradores. Esse dado é familiar aos praticantes da Wicca, que têm que decidir qual Roda do Ano seguir, mas agora mostra-se também fundamental para a compreensão do simbolismo da referida lâmina. |
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[4] Crowley, em seu Thoth Tarot, vai além e representa a própria Isis, em sua face Ártemis. |
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[5] Não podemos nos esquecer que o maior ato mágico de Ísis foi reviver o marido morto, para que dele pudesse engravidar de Hórus. |
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[6] Existem outras versões, de acordo com a Escola seguida pelo leitor. Faço minhas análises a partir do material produzido pela G.’. D.’., ainda que reconheça que existam outras atribuições anteriores, como as de Eliphas Levi e Papus; contudo, como não concordo com elas, tomo a G.’. D.’. como uma evolução no pensamento original dos autores supracitados e não um posicionamento antagônico. Utilize o que preferir. |
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[7] Inclusive, representado pictoriamente no Thoth Tarot. |
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[8] Daat é uma Sephira Oculta; normalmente, ela é representada como o Portal do Abismo, estando, portanto, no Caminho da Sacerdotisa. Contudo, conforme a descrição da mesma, essa Sephira é mutável e pode estar em qualquer lugar da Árvore. |
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[9] Crowley representa a depuração pela teia iridescente que cobre toda a lâmina e serve de suporte para as frutas e cristais da base. |
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Bibliografia consultada: |
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Na maior parte, devo as referências ao meu Grimoire; não registrei exatamente de onde tirei cada coisa (passei a fazer isso bem recentemente; façam o que eu digo, registrem suas fontes, não façam o que eu fiz). Contudo, devo meus conhecimentos de Cabala à: |
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CROWLEY, Vivianne. Cabala – um enfoque feminino: cabala para o século XXI. Tradução de Carlos A. L. Salum e Ana Lucia Franco. São Paulo: Pensamento, 2003. |
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FORTUNE, Dion. A Cabala Mística. São Paulo: Pensamento, s/d. |
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MATTERS, S. L. McGregor. O Tarot: um pequeno tratado sobre a leitura das cartas. Tradução de Anna Maria Dalle Luche. São Paulo, Madras, 2003. |
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ORDEM ROSACRUZ, AMORC. A Cabala desvendada. 5 ed. Curitiba: Biblioteca Rosacruz, 2002 |
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PRAMAD, Veet. Curso de Tarô: e seu uso terapêutico. São Paulo: Madras, 2004. |
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REED, Ellen Cannon. A Cabala das Feiticeiras: o Caminho Pagão e a Árvore da Vida.
Tradução de Márcia Frazão. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. |
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——. O Tarô das Bruxas. São Paulo: Pensamento, 2004. |
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dezembro.10 |
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