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O Enforcado na vida e no cinema |
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No mundo semiótico em que vivemos não temos como definir limites para as imagens. Elas se misturam e possibilitam significados múltiplos em nosso imaginário. |
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Por exemplo, as cartas do tarô fazem parte do caldo da cultura e podem surgir aqui e ali sem nos darmos conta disso. Elas fazem parte de um repertório coletivo de imagens de nossa cultura. É uma simbologia que tem vida própria, para além da teoria do tarô. São imagens que acabam despontando de outras formas e em outros lugares. Mesmo como resquícios ou sinais, muitas vezes se inserem como referência significativa em um determinado contexto. |
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É isso o que ocorre no filme Mil vezes boa noite que tem a presença de Juliette Binoche no papel principal. A direção de Erik Poppe (2013) e excelente fotografia nos contam a história de uma fotógrafa de zonas de guerra (Rebecca) e sua relação com marido e duas filhas. O conflito ocorre por que a família não suporta mais a sensação de tê-la sempre em situações de perigo. |
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Em "Mil vezes boa noite" a personagem representa o ideal social e os sacrifícios inseparáveis |
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Filme de Erik Poppe (2013) com Juliette Binoche no papel principal |
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A personagem central se divide entre sua vocação, a defesa de ideais sociais, sua posição na família e a consciência de aspectos mais pessoais. O filme vai além de qualquer simplificação e a narrativa aos poucos abre aspectos de complexidade inteligente. |
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A narrativa não nos oferece conclusões. Podemos adivinhar por imagens e metáforas a dimensão da crise vivida pela personagem. E nesse caso, há por duas vezes, o sonho da personagem principal em que aparecem sinais fortes da carta O Enforcado. |
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Neles um corpo feminino bóia sobre uma linha de água de cabeça para baixo, os braços soltos em balanço leve. A primeira vez a cabeça está imersa na água e um movimento muito lento faz que o corpo vá subindo e saindo em direção ao alto para fora da água. É noite e uma luz aparece por trás desenhando os contornos dos braços, da cabeça e do sutil movimento do tecido leve que cobre o corpo. A cena impacta pela beleza. |
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É inevitável a relação com a carta do Tarô, O Enforcado. A história da personagem contém as ideias de sacrifício e de destino descritas na teoria do Tarô. Tais indicações essenciais de sacrifício se ajustam ao caso de Rebecca. |
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Ela tem que tomar decisões que implicam em sacrifício. Se por um lado ela tem impulsos instintivos e incontroláveis de sua natureza guerreira e seus desejos de defender ideais sociais, por outro, tem sua família. O que fazer? |
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O Pendurado e os sacrifícios vividos por Rebbeca em "Mil vezes boa noite". |
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Hanged Man, ilustração de James Sunderland, e uma cena do filme |
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A carta O Enforcado ainda expressa os temas do apostolado, da entrega a uma causa como ela vive com sua opção profissional. Do ponto de vista emocional, encontramos os significados de falta de clareza e indecisão, que são compatíveis com os momentos de crise, como o que a personagem vive. É natural que uma decisão que implique em sacrifício necessite de um processo de amadurecimento de ideias e de emoções. A sensibilidade do diretor indica essa indecisão emocional em muitos momentos em que a personagem vive momentos de solidão. |
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A delicadeza da descrição desse conflito na linguagem cinematográfica é uma das grandezas do filme Mil vezes boa noite: o retrato de um dilema pessoal, a experiência biográfica de escolhas particulares e difíceis. A interpretação que leva em conta a carta do tarô tem uma dose de ousadia, mas ela se mostra compatível com o contexto da narrativa. Na verdade, essa imagem é, nesse contexto, peça essencial para essa representação narrativa. |
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Contato com a autora:
Ana González é astróloga, professora de Linguagem e Educação
Mantém
o site www.agonzalez.com.br
Outros trabalhos seus no Clube do Tarô: Autores |
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