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25 de abril de 2024

Responsável: Constantino K. Riemma


Elementos simbólicos da cartomancia: os Pássaros
Emanuel J. Santos
 
Um dos fatores que torna o Tarot um objeto de estudo inesgotável é o potencial iconográfico de suas lâminas, sempre revisitado e sempre propondo novos significados para seu âmbito divinatório. Pequenos detalhes e atributos podem ganhar um significado essencial em determinada tiragem, pelas conexões feitas pelo cartomante quanto ao referido ponto.
Antes de um instrumento para o autoconhecimento e até mesmo antes de ser um oráculo, o Tarot é uma obra de arte. Foi feito por homens para a fruição de homens. Foi feito com o intuito de ser belo... e útil. Nessa ordem. E, com o tempo, seu potencial simbólico ganhou as mesas e altares de ocultistas e cartomantes, como bem sabemos.
Uma inspiração para procurar os pássaros no baralho
Foto de Leonardo Lopes em www.leolopesphotographia.blogspot.com
Contudo, o potencial artístico do Tarot passou a ser relegado a segundo plano, o que é um anátema. A proposta desse texto é, portanto, relacionar alguns aspectos simbólicos relacionados a um atributo – os pássaros, analisando sua colocação e atribuição em quatro cartas do Tarot, a saber: A Imperatriz, o Imperador, a Estrela e o Mundo, assim como em uma carta do Petit Lenormand, a carta 12, homônima ao tema; a partir daí, verificar como os referidos pássaros contribuem para o significado da lâmina como um todo.
1. Significado dos pássaros
Segundo o Dicionário de Símbolos de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, os pássaros são conexões entre o Céu e a Terra (como Mensageiros e Avatares), assim como intermediários entre a Terra e o Céu. Suas asas foram utilizadas para dar ao Deus Hermes, à Deusa Ísis e aos Anjos a característica de leveza e rapidez próprias de seus movimentos, assim como, no caso de Hermes e dos Anjos, a sua função de mensageiros dos Deuses. Da mesma forma, em diversas culturas, a Alma é representada alada para atestar sua leveza rumo ao Paraíso. No princípio – conforme o Gênesis – tal como um pássaro, o Espírito de Deus pairava sobre as águas.
2. Os pássaros na iconografia cartomântica: O Tarot
Para efeito dessa análise, utilizamos o Tarô de Marselha, em sua versão Grimaud, comparando, quando se mostrar pertinente, ao Thoth Tarot, de Aleister Crowley, ilustrado por Frieda Harris e ao Tarot Rider, de Arthur Edward Waite, ilustrado por Pamela Collman Smith. Utilizaremos também o baralho Petit Lenormand, em uma análise específica.
No Tarô de Marselha, temos pássaros representados em quatro cartas: emblematizados nos escudos da Imperatriz (Arcano III) e do Imperador (Arcano IV); no cenário d’A Estrela (Arcano XVII); e no Arcano XXI, o Mundo, como um dos Querubins que ladeiam a mandorla que envolve a personagem principal. Contudo, no caso dos Arcanos III e IV, o simbolismo é heráldico e específico, próprio da Águia; da mesma forma, no Arcano XXI, o pássaro/Águia é um quatro animais sagrados, junto ao Homem, ao Leão e ao Touro, que, através de uma série de significados ligados às quaternidades, é tido como o aspecto mais elevado do Escorpião, o que transcende o significado direto dos pássaros como símbolo. (Para maiores referenciais iconográficos referentes a Escorpião, sugiro a leitura do Arcano XIII, a Morte, do Tarot Thoth, de Aleister Crowley).
16. A Estrela
Tarô de Marselha - Ed. Grimaud
 
Sobra-nos, portanto, o Arcano XVII para análise.
O Arcano XVII, denominado A Estrela (L’Étoile) tem, em primeiro plano, uma mulher, nua e ajoelhada em frente a um curso d’água. Está compenetrada do ato de despejar o conteúdo de dois jarros, um na terra, outro no curso d’água. Atrás da mulher, duas árvores, sendo que na da esquerda (em referência ao observador) existe um pássaro preto de asas abertas. Sobre a mulher, sete estrelas – duas vermelhas, duas azuis e três amarelas – ladeiam uma maior, de oito pontas, amarela, com oito raios vermelhos.
As oito pontas da Estrela correlacionam-se com o significado do octógono, o intermediário entre o círculo e o quadrado, entre o feminino e o masculino, entre o celeste e o terreno.
Ainda que em segundo plano, o pássaro é um elemento que não foge a um primeiro olhar, não está oculto; ao contrário, é o elemento mais atraente do segundo plano.
Em comparação com os demais Trunfos, a Estrela é a lâmina com maior número de elementos naturais. Seus arbustos estão mais desenvolvidos que em qualquer dos demais arcanos, e um animal divide o espaço com um ser humano. Isso aponta para a coexistência entre o ser e o ambiente que o cerca de forma harmônica; os pontos mais elevados coexistindo com os pontos mais densos do ser sem competição, mas com complementaridade.
Tais aspectos elencados estão presentes no Tarot Rider Waite, de Arthur Edward Waite, ilustrado por Pamela Colman Smith. Contudo, neste baralho, os elementos foram colocados em posição diversa ao Marselha – o arbusto com o pássaro foi colocado atrás da mulher nua, e seu colorido grená apontaria para um pelicano em devoção
No caso do Thoth, o pássaro foi substituído por borboletas, que estão no canto inferior direito. Num primeiro momento o significado é diferente do originalmente proposto, mas, conforme o Dicionário de Símbolos (op cit, 689, grifo nosso) “os passarinhos, bem como as borboletas, simbolizam muitas vezes (…) as almas dos mortos” – ou seja, ainda que o atributo seja diferente, o significado não se perde.
     
A Estrela no Tarô de Waite e no Thoth Tarot de Crowley
Assim, apontaríamos para possíveis significados do pássaro no Arcano XVII como das inter-relações entre o Divino e o Humano nos diversos níveis de ação do espírito sobre a matéria, ou seja, a comunicação com outros planos e a emersão de memórias celulares importantes para a superação de um desafio. Talvez por isso essa lâmina tenha sido relacionada com a Esperança por tantos autores – uma certeza que emerge sem o menor cabimento frente a um desafio que se mostra intransponível. É Pandora frente à caixa, quando todos os males saem; apegar-se à desgraça ou perceber a ilusão que a desgraça representa?
Se me permitem a divagação, diria que Pandora deu as mãos a Sidharta Gautama quando entendeu que o que saía da caixa não correspondia à verdade do Caminho Óctuplo, muito bem representado pelas oito pontas da Estrela. A carta representa a consciência da cessação do sofrimento, consciência essa que atingimos mesmo que de relance quando chegamos ao limite de nossas forças e vislumbramos o umbral de uma nova fase. E eu não estou dizendo que isso é fácil.
3. A carta 12 do Petit Lenormand
Ao contrário dos significados próprios do Tarot, onde o pássaro tem o status de mensageiro
entre o céu e a terra, de alma que transcende os limites materiais coexistindo em diversos planos, a carta do Petit Lenormand nos apresenta a leveza do cotidiano, o bem viver sem grandes preocupações.  Alegrias, affairs, "namoricos", pequenas coisas que muito significam. Emoções leves.
O poema da carta que ilustra esse texto aponta para um significado menos agradável, e diz: Pássaros próximos, pequenas dificuldades. Pássaros mais longe: viagem anunciada.
Conforme Chevalier & Gheerbrant (op cit, p. 687)
"A leveza do pássaro comporta, entretanto, (…) um aspecto negativo. São João da Cruz vê nela o símbolo das operações da imaginação, leves, mas sobretudo instáveis, esvoaçando de lá para cá, sem método e sem sequência; o que o budismo chamaria de distração ou pior, de divertimento."
O mesmo Dicionário ainda relata:  “O pássaro opõe-se à serpente, como o símbolo do mundo celeste ao do mundo terrestre” o que me leva a interpretar essa carta como neutralizadora da carta 7; obviamente, essa é uma interpretação pessoal, ainda que devidamente testada e eficaz, só deve ser utilizada se fizer sentido em relação às suas práticas.
 
12. Pássaros
Carta do baralho Petit Lenormand,
que corresponde ao Sete de Ouros
4. Conclusão
Busquei, com esse texto, apresentar um pequeno elemento como formador de uma reflexão aprofundada sobre iconografia. Cada baralho terá seus questionamentos próprios, mas, como se retroalimentam de uma mesma fonte simbólica, é interessante perceber aonde o autor e o ilustrador quiseram chegar – ou melhor, aonde eles desejariam que fôssemos através de suas imagens. Esse exercício é fundamental, a meu ver, para o desenvolvimento de uma interpretação particularizada do baralho, o que o faz efetivamente pertencer ao cartomante.
O que é mais bacana é que essa experiência tanto parte das cartas para o cotidiano quanto do cotidiano para as cartas. Devo a inspiração para procurar os pássaros do baralho ao fotógrafo Leo Lopes, responsável pelo blog Photographia. Acompanhando-o em seu olhar preciso voltado para o efêmero do cotidiano, para aqueles pontos de rara beleza que escapam aos dedos quando tentamos tocá-los com pressa, me perdi nas fotografias que ilustram esse artigo, encontrando esse tema para conversarmos. Me acompanham?
 
Bibliografia e site consultado
CHEVALIER, Jean & GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. 23ª ed. São Paulo: José Olympio, 2009.
www.leolopesphotographia.blogspot.com. Acesso em 26 de dezembro de 2010.
 
fevereiro.11
Contato com o autor:
Emanuel J. Santos - http://conversascartomanticas.blogspot.com
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