|
A TROUXA DO LOUCO |
|
|
A TROUXA: um toque a oito mãos |
|
Por Alberoni, Betoh Simonsen, Constantino,
Lindalva R. Barros, M. Celeste Rodrigues,
Sérgio Barboza, Sérgio Frug, Sônia Belotti |
|
Um visitante do Clube do Tarô, Leonardo, encaminhou uma questão em tom dramático, compatível aliás com o arcano em questão: “Por favor, tenho uma dúvida cruel. Gostaria de ajuda. Qual o significado da trouxa nas costas do Louco, do Arcano 22? Por favor, o que quer dizer aquela trouxa?” |
|
Resposta inicial e convite |
|
Por Constantino |
Leonardo,
procurei pelas páginas do site do "Clube do Tarô" e me dei que, de fato, não existia qualquer referência simbólica à trouxa que o Louco leva às suas costas. |
Pedi colaboração a alguns professores de tarô para enviarem seus comentários e elucidações.
Enquanto isso, adianto algumas coisas que me lembro ter lido a respeito desse detalhe: trata-se dos pertences mínimos que ele necessita em sua caminhada. E nesse sentido, corresponde à "mochila" do peregrino que aparece em inúmeras representações antigas, como a de Bosch.
Para alguns, a trouxa simboliza o fato de que ele ainda guarda coisas do seu passado, apegos que ainda não soube abandonar. Outros vêem o lado positivo: ele carrega o mínimo e faz sua caminhada do modo mais leve possível. Há ainda aqueles que dizem que os apetrechos que carrega em sua trouxa, são os mesmos que ele abre sobre uma mesa, nas feiras que visita, ao desempenhar o papel do Mágico, no primeiro arcano. Veremos o que mais têm a dizer os amigos que estudam o Tarô.
(PS. E as participações vieram: notas, textos e poemas...) |
|
|
|
Peregrino:
traz os mesmos
pertences
de "O Louco" |
|
[www.patrimoine.ville-arles.fr] |
|
|
|
Essência |
Por Sérgio Frug |
|
A trouxa também pode representar a essência de si mesmo, aquilo que é imutável e não podemos nos desfazer... |
|
O Louco decaído |
Por Flávio Alberoni |
|
|
|
Fool of Dreams de Ciro Marchetti
|
|
[http://www.ciromarchetti.com/tarot.htm] |
|
|
Era uma face escura
mas o Sol a tornou esplêndida
e como arco íris sorria em cores
por todos os lados.
Corria leve no campo
e seus cabelos eram crinas ao vento
espalhadas pelo rosto
e pelo seu tronco. Cavalguei a miragem
como ilusão de todos os atos que faço.
Isso noutros tempos.
Agora sou lúcido.
Encaro a minha própria face escura
como face escura que é,
e o sorriso trágico
é um mero riso de um clown decaído.
Afasto a imagem
como quem afasta um copo de água vazio.
Já bebi da água,
já me dessedentei.
Também já me alimentei e
meu olhar busca agora novas planuras.
Nunca mais estarei sozinho. |
|
|
Os guardados pessoais |
|
Por Lindalva Rodrigues de Barros |
|
Acredito que a trouxa seja a mínima bagagem necessária para o personagem empreender sua longa jornada. |
|
|
[gaiantarot.com] |
|
|
Sempre carregamos algo, seja no material ou no simbólico. Mas, como transitamos pelo mundo da matéria, até o simbólico precisa ser expresso de forma material.
Fica, aí, a critério do imaginário de cada um colocar na trouxa o que quiser. É por isso que está fechada, não exibe elementos especificos, mas sugere algo, algo que para cada um vai ser diferente.
As cartas do tarô têm uma função de caráter projetivo: cada um imagina o que está em seu interior.
Eu, por exemplo, levaria na trouxa fotos dos meus netos e filhas; outros levariam sonhos, outros jóias, outros algum alimento e por aí vai... |
|
|
Um olhar fora do tempo |
Por Sergio Barboza |
|
|
Por essa estrada o vi passar
Mas meus olhos me traíram.
Não lhe fiz a reverência devida...
Hoje dividido
Reconheço aquele jeito
Tão diferente de Ser.
Não se trata de simples lembrança,
A marca daquele olhar,
Aquela atmosfera,
a simplicidade quase espantosa
Continuam aqui presentes e vivas.
Foi fugaz...
Um momento de simplicidade
Em que os seus olhos refletiam os meus
Como meu olhar para mim,
Vindo dele que era outro... |
|
|
|
O peregrino |
|
[www.cc-parthenay.fr] |
|
|
|
Ao pensar a voz do comentador remete-me a outra presença,
Mas o sentir é assertivo,
O sabor do encontro atemporal é permanente
Como se o caminho, ele, eu fossemos todos um. |
|
|
O viajante |
Por Betoh Simonsen |
|
|
|
O Peregrino - E.Schleith |
|
[www.ludwig-museum.de] |
|
|
Podemos nos lembrar que provavelmente, na Idade Média, as pessoas que queriam viajar e não eram ricos levavam uma trouxa nas costas, o que permite associar o personagem de O Louco ao simbolismo do Viajante, do I Ching (hexagrama 56): "O viajante não tem morada fixa, seu lar é a estrada. Por isso ele deve procurar manter-se íntegro e firme".
Alguns tarólogos dizem que o Louco carrega, ou pode carregar, os mesmos apetrechos do mágico, mas lembram que não tem a mesma habilidade de uso.
Quando penso no Louco, e isto se aplica ao uso de seus elementos, gosto de me lembrar do genial Peter Sellers, que pode ir desde o nível mais atrapalhado até o da mais perfeita naturalidade e desprendimento, no "muito além do jardim", lembrando um pouco os sábios taoistas. |
|
|
A trouxa e seus conteúdos |
Por Sonia Blota Belotti |
|
Em 4 interpretações cabalísticas do Arcano do Louco do tarô, temos 4 possibilidades para o conteúdo da trouxa que ele carrega em seu bastão: uma delas analisa o interior da sacola como recheado de potencialidades.
A segunda já descreve a bagagem como a soma de suas experiências anteriores, o que simboliza enorme força de vontade. |
A terceira considera o Louco como Lúcifer, aquele que caiu dos céus e analisa que o que restou ao Louco depois de sua queda na matéria densa: foram seus trapos, que ele carrega em sua trouxa como fruto do seu pecado original, como lembrança das encarnações que terá que passar para resgatar O CAMINHO.
Para Ellen Reed, autora do “Tarô das Bruxas”, e estudiosa dos símbolos da Cabala, o Louco leva em uma das mãos um papel em branco, onde qualquer coisa ainda pode ser escrita; e na outra mão uma espécie de alforje ou sacola, não uma trouxa, que contém sementes para plantar ao longo desse novo, mas conhecido, caminho que ele reinicia. São sementes de Criação, que irão desabrochar durante a sua jornada, mesmo que ele não esteja mais ali. A figura associada é a da história de John Appleseed, que andou por anos pelos Estados Unidos, distribuindo sementes de maçã sem tê-las visto florir ou dar frutos.
Ele é o Coringa do baralho, que tanto vale mais do que todas as outras cartas como pode ser o que vale menos. É o Joker, o coringa brincalhão, cujo sorriso pode ser ingênuo e sarcástico ao mesmo tempo. |
|
|
|
O Tarô
das Bruxas
de Ellen Reed
|
|
|
De qualquer ângulo que se olhe, o Louco ainda não integrou as polaridades dentro de si, embora contenha todas elas. Vergonhas, pecados não aceitos, defeitos camuflados, verdades doloridas, tudo isso foi sendo escondido, varrido para debaixo do tapete, e embrulhadas nessa sacola que se torna uma parte dele, que ele é obrigado a carregar: a sacola da Sombra pessoal. |
|
|
O caminhante
Tela de Margret I. Moré
|
|
[http://home.snafu.de/joms/] |
|
|
Para Jung a sombra pessoal contém todos os tipos de potencialidades não desenvolvidas e não-expressas. Ela é aquela parte do inconsciente que complementa o ego e representa as características que a personalidade consciente recusa-se a admitir e, portanto, negligencia, esquece e enterra... até redescobri-las em confrontos desagradáveis com os outros ou em momentos especiais da vida, onde nos sentimos acuados e não temos outra alternativa a não ser abrir essa sacola, tal qual uma caixa de Pandora, e encarar tudo que a nossa sombra contém: tememos mais o que desconhecemos ou negamos em nós. Quando olhadas de perto, quando tocadas e compreendidas, todos os piores defeitos podem se tornar virtudes.
Algumas etapas da vida quase que nos obrigam a fazer isso: as grandes mudanças, as passagens importantes, ou quando sentimos que perdemos a conexão com a nossa fonte, com o nosso Centro.
Assim como o Louco, todos nós carregamos uma sacola com a nossa sombra, e, se tivermos a coragem de costurá-la em nós, esses conteúdos antes sombrios, adquirem a luz da consciência e nos conferem profundidade e transcendência. |
|
Esse é o objetivo maior da Jornada do Louco e da viagem do tarô: ampliar a consciência e integrar os pólos do humano e do divino. |
|
Leveza |
Por Flávio Alberoni |
|
|
Tudo que foi meu um dia
eu guardo numa trouxa e levo às costas
por me sentir livre.
Vou me jogar no abismo que me assombrava
sem temor, pois nada me prende
e nada do que um dia foi meu já me pertence.
Por isso sou leve: solto na vida
também dos pensamentos, ou dos afetos,
serei com uma gota no mar,
sabendo ser o próprio mar.
E as pedras do abismo aceitam
meus novos corpos dissociados e simples
sem prisões a incomodar.
Deixarei a trouxa na beira do abismo
antes do salto.. . ou a levarei comigo,
pois o que foi meu já não é mais meu
pertence à vida a qual eu sou
caminhará comigo como experiências
que hei de compartilhar.
Tudo que foi meu um dia
deixo na trouxa. Louco ao mundo |
|
|
|
O caminho de Santiago por Alain Ricaud
|
|
[http://webetab.ac-bordeaux.fr/Etablissement/
CStAulaye/cyber2/5eme/index.htm] |
|
|
|
serei como criança
no retorno |
|
ao verdadeiro lar. |
|
|
|
Conforto Essencial, Simplicidade Voluntária.
A Trouxa do Louco |
|
Por Maria Celeste Rodrigues |
|
Pela vida afora acumulamos muito mais do que realmente precisamos. A sociedade de consumo, como a formiga da fábula, carrega nas costas mais do que pode comer, mais do que seu corpo pode suportar. Acumula para dias futuros, que nem sabe se virão, para os invernos da vida e deixa as cigarras alegres morrerem de fome e de frio sem nenhuma solidariedade. E nós ensinamos isso a nossos descendentes. Que mancada, La Fontaine! |
|
|
Movimentos preocupados com a sobrevivência do planeta, com o desenvolvimento sustentável falam, hoje, na necessidade de abraçar a simplicidade voluntária, o viver com o essencial, pois este é o verdadeiro conforto, físico, emocional e espiritual e a receita para salvar o planeta e a humanidade em extinção.
Acredito que no Tarot está escrita toda a história da humanidade, até a que ainda não foi contada. Tudo que está no homem, o que ele já fez ou ainda fará poderá ser encontrado nas lâminas do tarot. Onde está, então, essa tal teoria do conforto essencial e da simplicidade voluntária?
Na trouxa do Louco, é claro.
Muitos acreditam que O Louco é realmente louco. Enlouqueceu e segue pelo mundo dizendo e fazendo sandices e tolices. Ledo engano. O Louco é inocente, não perdeu a simplicidade sábia da criança. Dá mais valor à alegria espontânea do que ao dinheiro, à riqueza; ao abraço do que ao diamante; ao sorriso do que à espada. |
|
Prefere caminhar a ir de carro, avião ou iate; levar seu cachorro do que seu palm ou seus equipamentos localizadores. Mas, ele não é Tolo. Ele sabe que os seres humanos, como ele, precisam de um mínimo essencial para sobreviver. Para viver no nosso planetinha azul, precisamos comer, beber, vestir, já que sentimos fome, sede e frio e morreremos se não atendermos tais necessidades.
A trouxa do Louco guarda seu tesouro: o estritamente necessário para sua sobrevivência e sua sabedoria atávica. Sabedoria essa que lhe diz que tudo que não for leve, será carga; tudo que for excesso o sobrecarregará e o fará perder seu bem mais precioso: sua liberdade, a leveza de ir e vir, sem apegos, sem medos, pois o mundo é a sua casa, sua herança.
Um dia, todos saberemos fazer nossa trouxa do viver espontâneo e simples abraçando o conforto essencial e a simplicidade voluntária. Muitos, por muito tempo ainda, continuarão a nos chamar de loucos, enquanto eles com suas pesadas bagagens de prêmios e conquistas materiais continuarão a morrer de infarto, pelo coração sobrecarregado de gordura e trabalho além dos limites; a gastar fortunas para tratar sua depressão; presos nas suas mansões milionários e UTIs sofisticadíssimas.
E nós, os Loucos?
Nós dançaremos ao som do canto da cigarra que solidariamente acolhemos, aprenderemos a dançar e a cantar a vida sem medo de sermos roubados, sem necessidade de cercas eletrificadas e carros blindados. |
O que você carrega na sua trouxa que o está impedindo de viver a vida, de brincar de viver? O que você tem tanto medo de perder? Que peso faz doer a sua coluna, retesa seus músculos, pesa no estomago, amargura seu coração? Será que vale a pena uma trouxa tão pesada?
Jean-Yves Leloup no livro Nomes de Deuses conta a seguinte história e faz uma reflexão: |
|
"Uma igrejinha da ilha de Aran, na Irlanda... me lembrou este koan japonês: 'Minha casa pegou fogo, nada mais me oculta a Lua deslumbrante".
Minha vida está em ruínas, não há mais obstáculo à visão daquilo que é.
À pergunta: 'Se a sua casa pegasse fogo, o que você salvaria?'
Jean Cocteau respondeu: 'O fogo!'.. .
Se o mundo pegasse fogo, o que eu salvaria?
Essa chama! Esta centelha de amor, a única coisa que jamais nos será tirada!
O amor é o único Deus que não é um ídolo;
Só possuímos quando o damos...
Se minha vida pegasse fogo, o que eu salvaria?
Para o céu, nada se leva... a não ser o que se deu." |
|
|
|
|
Pellegrino |
|
[http://www.racine.ra.it/lcalighieri/] |
|
|
|
O Louco sabe bem disso e guarda na sua trouxa essa chama, o fogo interno que lhe confere a intuição que o guia pelo caminho, o instinto de sobrevivência que lhe diz quando seguir e parar, quando comer e dormir; quando se aquecer ao sol ou usar ser cobertor na noite fria.
Mais que isso é excesso, é fardo. Não podemos ser felizes carregando dentro e fora de nós essas cargas pesadas; impossível sorrir curvados pela dor antecipada da perda, pelo medo que nos impede de ser livres; de pensar por nós mesmos, sem seguir os ditames do marketing bem articulado; de ver o nosso valor, nossa capacidade de evoluir e ser feliz.
Muitos me chamam e chamarão de louca, mas não mais me afetam. Muito pelo contrário, considero isso um elogio. Estou em boa companhia: Jesus, Buda, Francisco de Assis, só para citar alguns.
Loucos são os humanos neuróticos, normóticos, com suas pesadas cargas que os impedem de correr e sentir a brisa na pele, o fogo do amor no coração.
O psicólogo, escritor e meu grande amigo Roberto Crema costuma dizer que é preciso muita competência para enlouquecer. Será que estamos aptos a abrir nossas trouxas e seguir nosso Louco interno?
Boa reflexão pra todos vocês. |
jun.07 |
|
|
|
|
|
|
|