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Um passeio simbólico pelos arcanos |
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O Zero no Tarô: Um giro
pelos Arcanos Maiores |
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Texto de M. J. Stone
original publicado na revista
Parabola
Tradução de Bete Torii |
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Aqui vou eu de novo, girando e girando de
olhos fechados, um salto quântico prestes a acontecer. Brincando
na beira do abismo, rodopiando como um derviche, sou a força
primordial, o Nijinsky do cosmo. Para a maioria sou um louco [fool,
no inglês] um zero. Descendo sem experiência ao mundo,
eu sou o ar, o sopro da vida, oxigênio puro. Como a palavra
latina Follis, que significa “bolsa
de vento”, sou o impulso consciente que sopra vida ao Tarô
e aos vinte e um Arcanos meus companheiros. Estando além da
compreensão, sou um trapaceiro, uma raposa arredia e um coelho
vigilante, ou o pássaro corredor que desafia os ardis científicos
do coiote. |
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Afortunados são os mortais
que me vislumbram, pois sou a sarça ardente
de Moisés que inicia o processo evolutivo
da vida. Manifestando-me em arquétipos, em fugidios vislumbres
em seus sonhos, começo minha dança com o Mago
dos Arcanos Maiores, e continuo a girar e a deslumbrar por toda
a Era de Peixes, em vinte e uma voltas. Completo o círculo
conduzindo você para a Era de Aquário, com O Mundo.
Dois mil anos atrás, eu sou a
essência do Peixe. Manifesto-me no homem que caminha sobre
a água, no xamã que cura os doentes e chama Lázaro
de volta do túmulo. Sou o espírito daquele salto
quântico do primeiro século e sou a mensagem que
mora no coração do Filho do Homem; sou a carta
número 1,
o Mago. Represento
o espírito do povo onde a transição para
a fé cristã está prestes a ocorrer. Moro
nos corações e mentes de Roma e entre os druidas
do norte da Europa, que reverenciam a natureza. |
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Moisés e a sarça
ardente.
Vitral da Catedral de Joliette - França |
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[http://collections.ic.gc.ca] |
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Sou a encarnação de Morgana,
a deusa arquetípica e estado de espírito animista do
segundo século. Incorporo a essência de Géia;
sou a carta número 2,
a luz druídica, a Alta Sacerdotisa. |
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Nascimento de Vênus
- Botticelli (1485) |
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Celebro a união dos opostos,
onde o Cristo arquetípico desposa a Dama do Lago. Sou
a fertilidade, o nascer da nova fé que se inflama no
terceiro século. Eu me manifesto como Vênus
transposta para Imaculada Conceição de Maria.
Sou a carta 3,
a Imperatriz. A
quintessência da Era de Áries está retratada
no Império Romano. Mas, por volta |
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do quarto século, o desatino do peixe usurpou o espírito
de pioneirismo do carneiro. De 392 a 395 Teodósio, o Grande,
reina como o último Imperador de uma Roma unida. Representando
os avanços de uma era anterior, incorporo o espírito
do Rei Artur do Tarô. Sou a carta número 4,
o Imperador. |
A centelha que acende o fogo e captura a
imaginação é a forma que tomo no quinto século.
Sou a inspiração que incendeia o coração
místico de Santo Agostinho e o de São Patrício.
Santo Agostinho escreve Cidade de Deus em 411, e São
Patrício retorna à Irlanda em 432. Sou o Rumi da devoção
manifesto na carta número 5,
o Dalai Lama dos vinte e dois, o Hierofante.
Minha dança se torna transcendental
quando o sexto século se põe em marcha. Sou o caso de
amor que se desenrola entre Bizâncio e Roma, quando se reconciliam
em 519. Sou um Império Cristão unificado, Vênus
e Marte apaixonados. Sou a harmonia e a paz projetadas pela carta
número 6,
Os Enamorados. |
Sou um nobre do sétimo século,
guerreiro do mundo cristão e inspiração
para a Torre de Prata, a primeira ordem de cavalaria estabelecida
pelo Grande Rei Balmord o Vermelho em 653. Surjo na lenda do
Santo Graal. Sou o Lancelote arquetípico,
a carta número 7,
o condutor do Carro. Da
cavalaria brota a flor do cavalheirismo. Sou a dança
do oitavo século que ocorre quando Carlos Magno se torna
rei dos francos em 771 e é coroado como primeiro Santo
Imperador Romano. Benevolência, cortesia e devoção
formam a trilogia inspirada por seu reino, atributos bem exemplificados
pela bela e casta dama do Tarô, a carta número
8,
Justiça. Nos
calcanhares da infinita esperança vem o infinito desespero,
no século nove. Luís o Piedoso sucede Carlos Magno
em 814. Ele é um franco consciencioso que demonstra ser
capaz como general e administrador. Mas, no trono, o bondoso
imperador se torna presa fácil de intrigantes, entre
os quais os piores são seus próprios filhos. Tendo
dividido seu Império entre eles, Luís descobre,
para sua dor, que não somente os filhos guerreiam entre
si, como se voltam contra seu benfeitor real. |
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Lancelote,
o grande cavaleiro
da Corte do Rei Artur
[www.uidaho.edu] |
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Luís se vê obrigado a abdicar
e buscar refúgio em um monastério. Assim é a
dança de um solitário monarca, o Rei Lear
do Tarô. Eu sou o espírito da carta número 9,
o Eremita. No
desenrolar do décimo século, o mundo cristão
é uma nau de insensatos. Doidas reflexões e medos do
milênio motivam corações e mentes do povo medieval.
Mas a roda do tempo se mostra clemente, e o milésimo aniversário
da vida de Cristo se passa sem conseqüências cataclísmicas.
Sou benevolente e gentil, a personificação do destino
tal como representado na carta número 10,
a Roda da Fortuna. O
primeiro salto quântico do novo milênio é inspirado
pelo ativismo social. |
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Lady Godiva - John
Collier (1898) |
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Sou o espírito que se inflama
na esposa de Leofork, conde de Mercia, quando Lady Godiva
oferece resistência. Ela não só persuade
seu marido a fundar monastérios em Coventry e Stow, mas
também a reduzir os impostos excessivos por ele arrecadados,
consentindo em percorrer a cidade sobre um cavalo branco, nua.
O único que desobedece suas ordens
de permanecer dentro de casa com janelas fechadas – o
tolo alfaiate Peeping Tom (Tom Espiador) – fica cego no
ato. |
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No Tarô, sou loira e linda. Sou vista
abrindo as mandíbulas daquele leão orgulhoso, Leo; sou
a carta número 11,
a Força.
Eu me manifesto nas profundas convicções de um homem
que é pendurado para que seque por aquilo em que acredita.
O golpe esmagador de uma espada extingue a vida de Thomas
Becket, Arcebispo de Canterbury, em uma fria noite de dezembro
quando ele sobe os degraus do altar da sua igreja. O evento brutal
sacode toda a Europa do século doze. A acusação
pelo assassinato permanece ligada ao antigo amigo íntimo do
arcebispo, o Rei Henrique II, que não podia tolerar que Becket
fosse desafiar sua autoridade. Sou o espírito indestrutível
que vive no coração dos mártires.
No Tarô, sou o arquétipo do potencial frustrado, a carta
número 12,
o Pendurado.
A dança do infinito é uma interpretação
unívoca e hostil, no século treze. Um ponto baixo na
ortodoxia religiosa se dá quando as palavras dos profetas são
manipuladas para inspirar medo, e dessa forma começa a era
das Cruzadas e da repressão. Essa sombria
hostilidade atinge um crescendo em 1231, quando começa a Inquisição.
O Papa Gregório IX investe os dominicanos da responsabilidade
de investigar a heresia. Assim floresce uma era de tortura
e intolerância. Historicamente, eu me manifesto como
a carta número 13,
um anjo demoníaco vindo a cavalo, que descobre os hereges e
os queima na fogueira. Eu sou a Morte. |
No século 14, a esperança
reacende quando a Renascença começa na Itália
e retomamos o equilíbrio na forma do caminho do meio.
Emerge então uma nova era de iluminação
consciente, incentivada por homens do porte de Dante, Petrarca,
Bocaccio e Giotto. Sou uma espiritualidade revigorada que se
eleva acima da peste negra. Você me encontra nas Lendas
de Canterbury, de Chaucer. Sou o alquimista
de mente aberta e um anjo de inteligência racional; sou
a carta número 14,
a Temperança. As
forças reacionárias de um estado aliado à
igreja obscurecem a luz de novo. Sou o coração
puro de Joana d’Arc, queimada na fogueira
como bruxa, pelos ingleses, depois de seu julgamento eclesiástico.
Sou a essência do povo aborígene do Novo Mundo
que a Europa do século quinze descobre, demoniza e conquista
brutalmente. Sou a carta número 15,
a face do poder europeu, o Diabo. |
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Alquimista
- Miniature de 1516
[ http://perso.orange.fr/dame.licorne/
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Contra o pano de fundo de Martinho Lutero
e o início da Reforma, e a publicação
de O Príncipe de Maquiavel, vivo no espírito
de Sir Thomas More, humanista século dezesseis que escreveu
a Utopia. Ele é trancado na “torre”
e decapitado como traidor, por se recusar a reconhecer a autoridade
de Henrique VIII, o rei excomungado. Sou o arquétipo da honradez
e o fantasma que habita o lugar de assassínio. Sou a Torre
atingida pelo raio, a inspiração da
carta 16.
Por volta do século dezessete, o poder
religioso se encontra determinado a manter a ciência sob controle.
Os astrônomos desafiam a igreja, no assunto da mecânica
do universo. Depois de construir um telescópio, Galileu
amplia a visão e a concepção que a humanidade
tem do universo. Em 1610 ele vê as luas de Júpiter através
das lentes de seu telescópio. Oito anos mais tarde, Johannes
Kepler propõe a última das três
leis do movimento planetário. Mas em 1633 a Inquisição
força Galileu a abjurar sua crença na teoria de Copérnico.
Eu me manifesto na pintura Ronda Noturna, de Rembrandt,
em 1653; sou o intelecto que procura uma compreensão cada vez
maior das origens do universo. No Tarô, sou a carta número
17,
a Estrela. |
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Ronda Noturna
(1642), de Rembrandt Van Rijn (1606-1669) |
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Meu grito rebelde é um chamado que
acorda a democracia no século dezoito. Em 1775 a Revolução
Americana começa, e em 4 de julho de 1776 é
adotada a Declaração de Independência. Em 1789
começa a Revolução Francesa,
com a derrubada da Bastilha. Em 1793, Luís XVI e Maria Antonieta
são executados. A porta está aberta para o maior dos
rebeldes, Napoleão Bonaparte. Nos Arcanos Maiores, sou um lobo
uivando à meia noite, um iconoclasta que eclipsa a
luz brilhante do Sol e solapa sua autoridade. Eu habito o
espírito da carta número 18.
Eu sou a Lua. Livre
das limitações que a igreja e o estado antes impunham,
a democracia do novo mundo escancara as portas da ciência. Sou
o espírito da invenção inspirada por pessoas
como Joseph-Nicephore Niepce, que tira a primeira
fotografia do mundo em 1826. Resplandeço no
brilhantismo de F. B. Morse, que patenteia o telégrafo
em 1844. Estou presente em 1866, quando Alfred Nobel
inventa a dinamite, quando Alexander Bell
patenteia o telefone em 1876 e, três
anos mais tarde, quando Edison aperfeiçoa
a lâmpada elétrica. Em 1892 proporciono
o ímpeto que leva ao patenteamento do motor a diesel, e estou
presente quando Pierre e Marie Curie descobrem o
rádio e o polônio em 1898. O filósofo
do século é Nietzsche, que estabelece
algumas das idéias existenciais que o tornam famoso, como por
exemplo a proclamação de que “Deus está
morto”. O ateísmo de Nietzsche – seu relato do
“assassinato de Deus” – se expressa em reação
à concepção de uma autoridade única, suprema
e julgadora que conhece os segredos ocultos e pessoalmente embaraçosos
de todo mundo. No Tarô eu sou a luz clara da razão,
sou o espírito da coletividade, sou um ego que se imagina
todo radiante; sou a carta número 19,
o Sol. Deus está
morto e o século vinte se torna um quantum. Estamos voando
alto, com aviões no céu; a dança é
um fandango automatizado, nuclear. Estou presente nos avanços
de Einstein, dos Irmãos Wright
e de Henry Ford. Mas também sou retorcido
por duas guerras mundiais, por Hiroshima, os Campos
da Morte do Cambodja, o Holocausto e as contínuas
guerras nos Bálcãs. Sou um pequeno
passo para o homem e um grande salto para a humanidade. Mas sou também
orgulho, egoísmo e ganância. Sou a glória
do intelecto e seu desespero quando funciona desligado
do coração. É então que me manifesto
na extinção das espécies, no aquecimento global,
na superpopulação. Sou o volátil legado ambiental
que as crianças estão herdando. Sou a borda
do precipício na qual as coletividades valsam perigosamente.
Você me reconhece como o medo do milênio.
Nos Arcanos Maiores, sou o anjo da trombeta que chama
os mortos de seus jazigos; sou a carta 20,
o Julgamento. E
adentrando o século vinte e um com os braços estendidos
e o cosmo girando em volta, eu lhe dou a Era de Aquário.
Eu personifico o novo século. Danço a dança
da mãe mística, a provedora da vida e de todas
as suas fronteiras metafísicas imediatas. Sou o intelecto e
o coração da terra viva que respira. Sou sua deusa,
seu ponto de vista científico e subjetivo como objeto de fé.
Sou seu jardim, digno de veneração. Sou o terceiro
planeta do sistema solar, um místico pião giratório,
perfeitamente iluminado ao sol da infinita luz de Buda.
Sou a divindade do novo milênio. Sou esperança e promessa,
a carta número 21.
Sou o Mundo. |
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Artigo publicado originalmente pela revista Parabola
(2001, Volume 26, nº. 3, título geral “The
Fool”)
Parabola é uma publicação
trimestral da Society for the Study of Myth and Tradition, Inc.,
dos EUA, dedicada a “Mito, Tradição e Busca
de Significado”: www.parabola.org |
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