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Soco, tapa, mordida, beliscão |
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Denise Fernandes Marsiglia |
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Lembro bem de um dia em que estávamos brincando de “beijo, abraço, beijo na boca, aperto de mão”. Eu tinha 8 anos. Não tive sorte e cai com aperto de mão. Sentindo o peso de todos os meus ossinhos, fui lá e dei a mão para o menino, com a mesma cara de vergonha que eu. A menina que caiu com beijo na boca saiu correndo para o lado oposto do menino e ficou sumida um tempo. Fiquei pensando se não seria melhor eu ter corrido na direção oposta do aperto de mão. Mas tive que me conformar com a atitude que tomei. |
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Nossa forma de lidarmos com nossos sentimentos é de maneira geral bastante tosca. Como nos mostrou Freud nossa vida social é marcada por repressões e essas nos marcam muitas vezes de maneira definitiva. As repressões que sofremos são representadas no tarô pela carta do Eremita (arcano 9) e também pela carta do Julgamento (arcano 20). O processo de psicanálise nos leva a questionarmos muitas vezes essas atitudes repressivas. |
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9. O Eremita e 20. O Julgamento |
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Cartas do Spiral Tarot de Kay Steventon (1997) |
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Quando se trata da agressividade, a questão da repressão é colocada como uma necessidade. Pelo que estudei no curso de Psicologia e em outros ligados a área, a agressividade é geneticamente determinada. Mas o desenvolvimento de comportamento agressivo depende da estimulação de meio. É fácil crianças pequenas reproduzirem nos pais, em outras crianças, em animais os comportamentos agressivos que os pais aplicaram neles, formando assim uma cadeia de agressividade. 98% das vezes nas escolas as crianças que demonstram comportamento bem agressivo estão sendo agredidas em casa ou vendo seus pais se agredirem. Agressividade gera agressividade, é fácil ver como perdemos a paciência quando nos sentimentos agredidos. |
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A orientação que tive como psicóloga diante dos casos de crianças que tentam nos agredir no consultório e muitas vezes conseguem, é segurar a criança antes ou logo depois da agressão, não permitindo que ela agrida, mostrando sua força superior em todos os sentidos na contenção da criança e esclarecendo a situação vivida com a criança. Vivi uma situação assim no meu consultório e foi muito intensa e gratificante. Mostrar a minha força física superior contendo a criança também me fez demonstrar de maneira intensa o quanto gostava dela e ela era importante para mim. Nossa relação pareceu crescer, se intensificar. Essa agressividade e a conquista que foi para nós se representaram no tarô como a carta da Força. |
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Um pouco de agressividade faz parte da vida e do viver bem. A gente morde a vida, soca a realidade, belisca o destino, dá um tapa na alma e segue em frente. A carta da Força no tarô representa essa agressividade necessária e saudável para a vida. Misturando na maioria das vezes a figura da mulher e a do leão, a carta nos traz a energia da coragem que precisamos para viver. A coragem é uma força agressiva. |
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Quando um cachorro ou gato está doente é difícil muitas vezes “passar o remédio na ferida”, pois ambos os animais tentam te morder ou ameaçam morder, como se tivessem medo de mais dor, como se te culpassem um pouco por sua dor. Muitas pessoas que encontrei em minha vida com comportamento muito agressivo me pareciam animaizinhos feridos. |
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A agressividades nas crianças |
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Ilustração do www.maecorujaeassim.blogspot.com.br |
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Muitas pessoas vieram comentar comigo da lei que proíbe os pais de castigarem fisicamente seus filhos. Muitos que ouvi acham absurdo a lei, já que é impossível se educar bem uma criança sem bater, dar uns tapas, uma palmada na bunda. Já ouvi dois tipos de opinião: uns que dizem que apanharam na infância porque mereceram, outros que se sentem muito ultrajados pela violência dos pais. Há também os que reproduzem o comportamento dos pais agressores e outros que o rejeitam. |
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Pelo que sabemos através da ciência da Psicologia é que não é necessário bater. Você tem simplesmente milhares de estratégias (palavras, brincadeiras, sons) para educar, impor respeito, fazer com que a criança te obedeça. Essas estratégias pacíficas para educação e que usam de inteligência são representadas pela carta da Estrela no tarô. Entrevistei algumas pessoas para escrever essa matéria e uma delas me contou que seu pai às vezes ficava com oito crianças para olhar, seus próprios quatro filhos e quatro visitantes. Quando ele precisava impor respeito ou organizar as crianças para algo, ele dava um tapa bem forte na parede. O barulho assustava as crianças e elas paravam para ouvi-lo e obedecê-lo. |
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Se a pessoa for bater, é melhor que não pegue nenhum tipo de objeto para bater na criança. É mais fácil exagerar na violência com um cinto, madeira ou o quer que seja na mão. Outro dia observei um pai querendo ensinar a filha a não bater. Ela estava no colo dele e parecia bem confortável, de repente “do nada” ela deu um tapa na cara do pai. Ela tem três anos de idade. O pai disse não pode, doeu e meteu um tapa na cara da criança. Ela começou a chorar muito e tentou estapeá-lo mais ainda. Alguém me disse “ela não é terrível?”. Não consegui falar nada naquele momento, mas depois pensei que essa criança não é terrível, a cena é terrível. A criança não dá um tapa do nada e esclarecer o que está acontecendo é importante para educar a criança e progredir na situação. Bonecas e brinquedos podem ser usados de forma educativa: fica mais fácil ensinar atitudes relacionadas à agressividade usando uma boneca, um urso de pelúcia. |
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O Louco, 11. A Força e 13. A Morte |
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Cartas do Spiral Tarot de Kay Steventon (1997) |
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Muitas vezes a agressão machuca fisicamente, mas sempre machuca na alma. Crianças que apanharam muito relatam não se sentirem amadas pelos pais. Não há como se pensar uma sociedade menos agressiva sem pensarmos na agressividade em todos os níveis, há uma escola da violência, da perversidade. |
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Outra atitude na educação que não contribui para o desenvolvimento sadio da criança é os pais deixarem a criança bater neles. A falta de oposição dos pais aos desejos e a agressividade da criança pode indicar uma atitude de abandono até em relação à criança. Essa atitude de abandono sutil tende a aparecer no jogo de tarô representado pela carta do Louco. Dá trabalho, exige muito de nós, educar, conter, ensinar, comunicar, agir. A orientação da ciência seria também os pais usarem uma atitude de contenção da criança, não deixando agredir, mesmo que a agressão dela não machuque. A criança aprender que pode usar atitude agressiva com a família e não ter um retorno negativo dessa ação, pode levá-la a agredir crianças e outros, achando que está tudo bem. |
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Muitos pais que batem me disseram perder o controle, tem uma hora que não aguentam. Disseram bater mais por estarem tensos, nervosos, do que por razões relacionadas à criança. Lembrei ouvindo que a cólera é considerada um pecado capital. No tarô, a cólera é representada pela carta da Força (arcano 11), do Diabo (arcano 15), da Morte; (arcano 13), da Lua (arcano 18), o Louco (arcano 22). Conforme o arcano em que a cólera é representada é o sentido dessa cólera para a pessoa e para o ambiente ao seu redor. |
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Quantas lutas travamos com essa ira louca que aparece se apossar de nós tantas vezes. |
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15. O Diabo e 18. A Lua |
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Cartas do Spiral Tarot de Kay Steventon (1997) |
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Para a criança, também é difícil seu pai descontrolado. Num mundo cheio de medos, a cólera pode nos afastar do nosso caminho do Coração, pode nos deixar perdidos. Perdidos como a carta da Lua (arcano 18) representa. |
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A lei só existe porque existe uma realidade de muita violência para as crianças. A "criança machucada" aparece na maioria das vezes representada pela carta do Eremita no tarô. |
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Quanto mais a humanidade crescer em direção da paz, mais se beneficiará. |
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