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21 de dezembro de 2024

Responsável: Constantino K. Riemma


 
Agrupamentos dos arcanos maiores
 
Duas visões sobre os agrupamentos
Por
Bete Torii
    
    Robert Place, em seu livro O Tarô dos Santos (editado no Brasil pela Agir), cujo nome original é A gnostic book of saints, apresenta visões muito interessantes sobre os significados simbólicos possíveis da seqüência dos Arcanos Maiores e agrupamentos dentro dessa seqüência.
    
Uma visão culta, fundamentada e séria
    Ainda no começo do livro, Place cita o Comte de Mellet (final do séc. 18), que teria dito “que as 21 cartas podem ser divididas em três grupos de sete. Ele disse que o primeiro grupo, começando com a carta do Mundo, ilustrava a criação do mundo e a Idade do Ouro. Ele interpretou a carta do Julgamento como a criação do homem e da mulher, com as pessoas na carta emergindo da terra em vez de do túmulo. Isso foi seguido pelas cartas representando a criação do Sol (com a união do homem e da mulher, na parte inferior), a Lua (também mostrando a criação dos animais) e as estrelas (mostrando a criação da vida marinha). A Torre representa a queda do homem, e o Diabo nos conduz para fora da Idade do Ouro. O segundo grupo de sete – ou da segunda idade, a Idade da Prata – é dominada por imagens de tempo e de morte. Esse é o estágio quando a morte e a dor são introduzidas, mas também contém virtudes fundamentais. No último grupo, Idade do Ferro, o Carro é seguido pelo desejo sexual (os Amantes); os governadores do tempo, o Imperador e a Imperatriz, são circundados por Júpiter e Juno (o Papa e a Papisa), e o Mago, o embusteiro ilusório, nos guia ao estado decaído atual do homem, representado pelo Louco.”
    O autor conclui então que “foi deixado implícito nesse ensaio que os trunfos esboçam a descida dos seres humanos ao estado de ignorância. Portanto, quando lemos os arcanos no sentido crescente, do primeiro ao vigésimo primeiro, eles descrevem o processo místico de retorno ao estado inicial de unidade espiritual. Como a Hermética, os arcanos são um livro didático para a prática da gnose.”
    E, nos outros capítulos, Place dá abundante respaldo histórico a essa idéia de que o Tarô estaria incluído, como muitas outras obras, no “modelo” de pensamento que descreve três planos ou mundos e um caminho de ascensão que galga esses mundos, na forma de uma escada (muitas vezes com 7 degraus em cada plano). Ele descreve, por exemplo, a prática medieval de meditações místicas sobre imagens (com o uso da ars memoria) que deviam se apresentar ao espírito em sucessão, das pecaminosas às virtuosas; e a tendência renascentista de “criar trabalhos que organizavam as artes, as ciências, as virtudes e assim por diante em uma seqüência, semelhante a uma enciclopédia, que simultaneamente formava emanações sobre a escada neoplatônica de ascensão. Os exemplos mais famosos são a Divina Comédia, de Dante (Joseph Campbell escreveu uma comparação do tarô com a obra de Dante) e os afrescos de Giotto na Capela de Arena, em Pádua...”.
    Ainda um outro modelo apresentado por Place é o dos desfiles, procissões ou cortejos, de que o tarô seria uma representação, com cada carta suplantando a anterior.
    
Uma visão lúdica, baseada nas próprias figuras
    Eu há muito tempo me deixo atrair pelas semelhanças aparentemente intencionais que unem e relacionam várias das cartas: há o grupo das que apresentam uma figura celeste no alto da carta, em relação a figuras terrenas; há grupos ou pares que apresentam uma idêntica “distribuição geométrica” das figuras; há cartas que têm uma só figura humana e cartas que têm pares ou trios; há semelhança de posturas e gestos, bem como de adereços; e há espelhamentos e “inversões” de figuras, seja no nível visual ou no nível do significado.
    E, tentando agrupar as cartas com base em grandes eixos de semelhança gráfica, saí-me com 4 colunas de 5 cartas, ficando a 21 e a 22 de fora:
    Da esquerda para a direita:
    A coluna 1 (cartas 1, 4, 7, 9, 14) tem as figuras humanas “grandes” no centro da carta, as quais estão em movimento ou em pé e num ambiente externo. Todas elas parecem ter uma ação positiva sobre o mundo material.
    A coluna 2 (cartas 2, 3 5, 8, 11) tem igualmente figuras humanas grandes, quase todas “entronizadas” e em ambiente interno. Essas figuras exercem ação muito mais reflexiva e sutil.
    Obs.:  Já se vê que as 4 Virtudes ficaram reunidas na sustentação das colunas, e que as figuras da base – Temperança e Força – participam cada uma, na verdade, de ambas as colunas: a Temperança por ter asas que repetem o tema gráfico atrás de todas as figuras entronizadas; a Força por estar em pé.
    Todos os pares (figuras lado a lado) têm grande correspondência simbólica: o primeiro é o Par Primordial; o segundo é o dos governantes do tempo; o terceiro é o par masculino da superioridade e da transcendência; o quarto é o dos anciãos que falam da clareza do pensar e equilíbrio do sentimento; e o quinto é o par feminino da resignificação e integração. Existe também muita correspondência gráfica – nos objetos que seguram, por exemplo.  Aliás, todas as figuras dessas colunas têm ambas as mãos segurando algum objeto, com exceção do par do meio (Carro e Papa), em que ambos os homens têm uma das mãos livres.
    A coluna 3 (cartas 10, 12, 13, 15, 6) ficou, na verdade, com as cartas que não cabiam muito bem nas outras colunas, e é a única em que a carta de número menor ficou na base, em lugar de ficar na primeira posição. Mas elas têm também uma grande unidade, na minha opinião: as figuras estão em ambiente externo e “exposto”, e os significados (ou as impressões passadas) são em grande medida de sujeição obrigatória, voluntária ou não, a uma lei ou força maior.
    A coluna 4, por fim, (cartas 16, 17, 18, 19, 20) tem o jogo céu-terra, com figuras geralmente nuas, e em todas as 4 cartas superiores, há uma emanação ou mediação entre céu e terra: o “maná” da carta 16, gotas ou pequenas estrelas.
    Obs.: Já nas duas cartas da base (o Enamorado e o Julgamento) – que também participam cada qual de ambas as colunas – há uma comunicação “personificada” (consciente?) entre o céu e a terra, na forma do anjo.
    Vejam a correspondência entre os pares destas colunas também: a circulação entre apogeu e queda no primeiro par; o abandono ou despojamento (e fé) no segundo; o solo-ventre escuro e a face da Lua (que o esqueleto também tem) no par do meio; a igualdade entre os homens, seja como pecadores (sujeitos ao “diabo”) ou como filhos do Sol (Deus), no quarto par; o livre-arbítrio e o julgamento pelas ações, no último.
    Muitas outras coisas podem ser vistas nessa organização, e inclusive se poderiam justificar algumas trocas, sem dúvida. E ainda nem falei do paralelismo entre as cartas alinhadas nas 4 colunas, nem das duas cartas que ficaram extra-coluna. Mas deixo a diversão para quem desejar.
Contato com a autora
Bete Torii - btorii@uol.com.br
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