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Das cimitarras bastardas |
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Para o estudo do naipe de Espadas nos baralhos clássicos |
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Cimitarra:
espada de lâmina curva mais larga
na extremidade livre, com gume no
lado
convexo, utilizada por certos
povos
orientais, tais como árabes,
turcos e persas, especialmente
pelos guerreiros
muçulmanos. |
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Bastarda:
Espada longa, pouco menor que
um montante, também chamada
Espada de Golias (conta a lenda
que, após a vitória de David, este
tomou a Espada de Golias como
sua e foi reinar sobre o naipe de
Espadas dos baralhos franceses...) |
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Olá pessoal. Essa postagem tem me tomado um mega tempo de reflexão. Um tanto quanto medonho; não conheço ninguém que prefira o naipe de Espadas a qualquer outro. Adapta-se, aceita-se, até mesmo convive-se com Espadas. Mas esse não é um naipe para amar mais que respeitar. |
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Tudo começou quando li o texto sobre o dois de Espadas do Leo Chioda. O texto tocou, repercutiu, reverberou. Mas eu tinha uma frase do McGregor Matthers que não deixava de fazer sentido: o dois de Espadas é uma Vesica Piscis. |
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Vesica Piscis é, grosso modo, a interseção entre dois círculos de mesmo raio, “em que o centro de cada circunferência está sobre a outra” (Wikipédia). Ao símbolo também é dado o nome de mandorla (amêndoa, em italiano). |
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Esse símbolo é muito utilizado na representação do Cristo em Majestade, em algumas representações da Virgem, e, para nós do Tarot, no Arcano XXI. |
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Júpiter no Tarô de Mantegna (à esquerda); O Mundo no Antigo Tarocchi Italiano (centro)
e O Mundo no Tarô de Marselha-Grimaud (à direita) |
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No Tarot de Mantegna, a mandorla aparece na carta A46, Júpiter. Conforme Constantino Riemma: “É o rei do mundo, deus romano assimilado à Zeus. Tem a aparência de um rei ou de Cristo em toda sua majestade. A flecha em sua mão representa as poderosas intervenções divinas, punitivas. Esta estampa é um exemplo da mescla da iconografia cristã e antiga.” |
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Seguindo o raciocínio, enquanto pensava sobre o dois de Espadas, peguei meu baralho e vi que se o dois representa o referido símbolo, o quatro, o seis e o oito também (o Dez é um caso à parte). |
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Bem, então temos que todos os pares, com exceção do Dez, representam Vesicas Pisces. Explorando um pouquinho mais o símbolo, temos a ideia de gravidez, de geração, proteção e segurança. Isso em Espadas. |
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Consideraria, portanto, que todas as cartas com a Vesica Piscis representam a geração de algo. Geração é uma ação passiva. Logo, as previsões dadas por essas cartas são passíveis de modificação. Não são fados, são possibilidades. Talvez por isso o dois, o quatro e o seis de Espadas sejam as cartas menos funestas do naipe – são esperadas. E são ligadas, também, ao tempo. De espera da modificação. |
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As cartas pares dos naipe de Espadas no Tarô de Marselha-Camoin-Jodorowsky |
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Em todas as mandorlas citadas temos flores, ramagens. É vida; mas vida encerrada no clímax. As plantas em Espadas vicejam porque foram cortadas no momento certo. Esse é um naipe de fins – e sim, aqui o chavão maquiavélico (ele deve estar se revirando no túmulo agora...) funciona. São fins que justificam e se justificam pelos meios. |
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Dois de Espadas. Paz. Diplomacia, estabelecimento das primeiras referências de espaço – até aqui é meu, daqui para lá é teu. Fronteiras, limites. Amizade, falsidade – o limite entre uma e outra é a relação não verbal entre os termos, mas isso é Copas, não Espadas. Tomar partido de algo. |
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Quatro de Espadas. Trégua. Pausa necessária para reflexão. Descanso. Intermédio entre batalhas. Apreender o oponente. Estudo. Aqui se conhece os limites do próprio poder. E o “não pode”, “não deve”, “não aconselho” e o “não é bom” tornam-se limites à expressão da própria criatividade. Contudo, tem-se aqui o alento (ilusório, por ora) de que os limites são superáveis com o tempo. |
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Seis de Espadas. Ciência. Conhecimento pleno e sereno da situação. Ampla visão. Visão superior. Juízo perfeito. Viagem, física ou mental. Colocar-se em outro lugar, não no lugar de outra pessoa. Sensação de “o pior já passou”. Os limites do quatro foram superados a contento. |
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Oito de Espadas. Interferência. Excessos e, geral, sobretudo de informações. Não saber seu próprio lugar. Dificuldade em estabelecer limites. Sufocamento, sensação de aprisionamento. Invasão da privacidade |
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Já os números ímpares – com exceção do Ás; o que seria do naipe de Espadas sem exceções – representam conflitos. A Espada está lá, em riste. A Bastarda se sobrepõe às cimitarras. Se fôssemos lidar com fé(s) a Cristandade (a Cruz e a Espada) se sobrepõe aos demais credos – credo não é, em última análise, uma explicação do mundo e do devir? A intenção é acalmar... ou domesticar. E isso não é fácil. |
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As gravidezes do naipe de Espadas são monstros, pesadelos. Cada Espada quer sua parte em sangue. Mas, maquiavelicamente, existem coisas que guardamos só para nós mesmos. |
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And every demon wants his pound of flesh
But I like to keep some things to myself
I like to keep my issues strong
It's always darkest before the dawn |
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Florence + The Machine, “Shake it Out” |
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Das lâminas dos números ímpares, temos: |
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As cartas Três, Cinco, Sete e Nove de Espadas no Tarô de Marselha-Camoin-Jodorowsky |
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Três de Espadas. Dor. Culminação da falsa trégua do Dois, o Três é o retorno à batalha. É a tentativa de vitória sobre o oponente, sem o conhecer o suficiente. É a eliminação de situações causadoras de sofrimento, sem extrair a raiz das mesmas – a tendência é se repetirem. Medida violenta. Resolução de um conflito de forma intensa e nem sempre agradável. |
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Cinco de Espadas. Derrota. Perda. Doença. Desagrado. Luto. Ira. Ressentimento e rancor (mágoa é coisa de Copas. Aqui, o desejo é vingança). Não saber perder, e perder justamente por isso. Aceitar que os deveres são mais fortes que os prazeres, nesse momento, e fazer uma escolha entre um ou outro. Parece fácil, mas não é – ninguém quer desistir do prazer. |
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Sete de Espadas. Futilidade. Dispersão. Convencimento, persuasão, direcionamento sutil. Deixar de lado a meta por um tempo, de maneira inconsequente e inconveniente. Inspirações, a maior parte das vezes desviantes. |
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Nove de Espadas. Crueldade. Pesadelo. Com essa palavra creio resumir essa carta. Vamos lá: um pesadelo é uma ilusão, mas seus efeitos são reais. Os medos que ele desperta podem evitar que durmamos de novo. Logo, temos aí medo, ou num jargão mais acadêmico fobias, ansiedade, insegurança, doenças (sobretudo psicossomáticas), manias. |
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Sobram-nos duas cartas a comentar: o Ás e o Dez.
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Ás de Espadas. É engraçado pensar que o Ás, justamente por seu potencial criativo, seja considerado positivo. O Ás é a síntese do naipe e, se tratando de Espadas, positivo não é a melhor palavra, grosso modo. O naipe de Espadas fala de conquistas, delimitação de espaço, consecuções, limites, ampliação das possibilidades, estratégias e conflitos. E, mesmo no melhor aspecto, não é comum desejar enfrentar esse tipo de desafios. Fortalecem nossos músculos e nossa vontade, mas raramente percebemos isso no durante; é mais comum percebermos após o encerramento da fase. Repito: Espadas é bom quando acaba...
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Ás e Dez de Espadas
no Tarô de Marselha-Camoin-Jodorowsky |
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Reparemos na carta. Um dos símbolos mais interessantes – que dará, inclusive, pano para manga nas interpretações cabalísticas posteriores – é a coroa. No caso do Tarô de Marselha, nem o Rei de Ouros é coroado como o Ás. |
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Há então algo da realeza que esse Ás possui, mas um Rei – pasme – não. O oposto também é verdadeiro, mas não se aplica a esse estudo: há algo de real (relativo à realeza) que o Rei de Ouros não possui. |
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Dez de Espadas. Vimos nas cartas com as bastardas que sua posição de supremacia sobre as cimitarras indicariam conflito ativo sobre a questão. O que dizer então de duas? Aqui, na mais funesta carta do naipe, nem mesmo as espadas que são iguais deixam de se enfrentar e, nesse sentido, seu título de ruína, expresso na carta do Thoth Tarot de Aleister Crowley, se justifica. Aquele que se |
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degladia com seus pares acaba por destruir a si mesmo. Ou, como William Wilson, de Edgar Allan Poe, aquele a quem se arvora o título de inimigo pode estar mais próximo do que se imagina ou deseja. |
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Bem, mas espere aí: o Três de Espadas tem lâmina e tem haste! Isso em diversos baralhos clássicos, não é interpretação ou licença iconográfica de um pintor ou outro, e esse detalhe acrescenta muito a nossa reflexão. Cá temos uma soma dos dois elementos de análise: por um lado, a espada e sua sede de sangue; por outro, a planta em gestação/geração, tendo sido colhida no auge do seu desenvolvimento. Por que não dizer que a espada serviu para o corte da rama? Ou talvez corte do (d)rama... |
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Estamos lidando com os clássicos, ou seja, aqueles de iconografia semelhante ou inspirada nos Tarôs de Marselha. Aqui não temos nada, absolutamente nada além da imagem para analisar o conteúdo da lâmina. E engraçado perceber que cada vez menos olhamos para a imagem e cada vez mais para os significados em livros... |
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Trabalhar com os baralhos clássicos não indica, entretanto, que utilizo nesse texto os significados ditos clássicos. O limite da imagem - possuir apenas a quantidade de elementos identificadores - permite que esses baralhos possam ser utilizados com uma miríade de significações que varia de autor para autor e, por vezes, chega ao limite da oposição diametral. A abordagem do texto, portanto, segue a iconografia clássica, oriunda dos Tarôs de Marselha, com significados que me são familiares e coesos com a proposta. Dessa feita, são passíveis de ampliação através de outras significações propostas por outros autores em momento pertinente. |
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Espero que com esse texto tenha feito você pegar o seu baralho e olhar uma por uma suas numeradas de Espadas. Em breve, olhamos juntos o restante dos naipes. |
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Fontes |
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http://pt.wikipedia.org/wiki/Vesica_Piscis
http://www.clubedotaro.com.br/site/galerias/h2315_mantegna_45.html
http://pt.wikipedia.org/wiki/Bastarda e http://pt.wikipedia.org/wiki/Cimitarra
http://www.albideuter.de/html/ai-21.html e http://www.albideuter.de/html/gri-21.html |
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fevereiro.12 |
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Contato com o autor:
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