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O peso da Espada |
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As cartas numeradas do naipe de Espadas no tarô Waite-Smith |
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As cartas numeradas do tarô Waite-Smith oferecem-nos uma perspectiva nova frente ao Tarô. Apesar de já terem completado um século, só recentemente essas cartas caíram no gosto dos brasileiros. [Inclusive, foi produzida em 2009 uma versão comemorativa por Stuart Kaplan, que contém o baralho, o livro The Pictorial Key to the Tarot, alguns cartões e um livro sobre o trabalho de Pamela Colman Smith.] Talvez pela aparente facilidade que suas lâminas teriam de ser interpretadas, por terem sido devidamente ilustradas. Não existe erro maior; caçar um caminho curto por essas cartas nos leva a interpretações tão curtas quanto. |
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Infelizmente, a correspondência entre Smith e Waite, assim como os originais da pintora, foram perdidos em um incêndio. Nossas únicas fontes para o estudo desse baralho são suas próprias lâminas e o livro The Pictorial Key to the Tarot. Se por um lado, isso nos oferece um limite à pesquisa, por outro, oferece um universo de possibilidades no que concerne à inter-relação imagem de Smith/texto de Waite. E é nesse sentido que seguiremos com o texto. |
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Nas cartas numeradas do Waite-Smith, os símbolos dos naipes estão intimamente ligados ao cotidiano, sendo aplicados pelos personagens em diversas situações corriqueiras. O simbolismo implícito é alcançado pela referência cotidiana. As imagens, embora tendencialmente medivevalescas, ainda nos são familiares. Diante disso, não é difícil entender o sentido dado por Waite ao conjunto de textos. Mas, interpretarmos as imagens sem termos lido os originais de Waite é perder, e muito, o acesso à intencionalidade da imagem. Dessa forma, leremos o texto e contraporemos a imagem, para tentarmos nos aproximar da ideia de Waite do significado das Espadas. |
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As dez cartas numeradas |
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Dez de Espadas |
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“Uma figura prostrada, na qual estão crivadas todas as espadas pertencentes à carta.” |
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Essa carta é terrível de se ver, justamente por sua imagem de crueldade e desfaçatez. Seria mesmo necessário crivar um corpo com dez espadas? Nas significações divinatórias, Waite diz que o significado corresponde a “tudo o que se relaciona com o desenho”, ainda que diga que “não é especialmente uma carta indicando morte violenta”. Senão morte violenta, o que? Tal como chutar cachorro morto, seria o choque de ver um corpo tão dilacerado maior dor para quem observa do que para o personagem que sofre a ação? |
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Nove de Espadas |
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“Uma mulher sentada em sua cama, lamentando-se, com as espadas acima dela. Ela é uma que não conhece sofrimento igual ao seu. É uma carta de completa desolação.” |
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Paradoxalmente, essa carta aponta para um terror maior que a carta precedente. Mas fica-nos a reflexão: Seria sua dor, tão grande, real? Ainda que os terrores de cavalgar a égua noturna (night mare) sejam tenebrosos, acordar não é uma bênção? |
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Oito de Espadas |
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“Uma mulher, amarrada e com os olhos vendados, tendo em torno as espadas da carta. É, contudo, mais uma carta de encarceramento temporário que de cativeiro irreversível.” |
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Essa é uma das cartas que, sem as ressalvas do texto, soa mais capciosa que de fato é; o sofrimento dessa carta é real, mas reversível ou superável. Ainda que vendada, ainda que amarrada, a mulher não está amordaçada e pode pedir por socorro. Não há quem a vigie ou prenda, na carta – a situação é difícil, mas não é irremediável. |
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O Dez, o Nove, o Oito, o Sete, o Seis e o Cinco de Espadas no tarô de Waite-Smith |
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Para ver ampliações e percorrer a Galeria Rider-Waite-Smith clique sobre a carta. |
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Sete de Espadas |
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“Um homem caminhando depressa e carregando cinco espadas; as duas outras da carta estão fincadas no chão. Perto avista-se um acampamento.” |
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Além dos significados óbvios de roubo, furto, furtividade, intencionalidade velada, punga, Waite aponta que “o desenho é incerto em sua expressão, pois as significações são muito variadas em relação umas com as outras”. Para essa carta, ele também aponta os significados de “desejo, esperança, confiança”, o que de fato não dialoga imediatamente com a imagem. Mas, não teríamos aqui um ponto de desacordo entre a artista e o idealizador? Entre a obra pronta e o desejo primevo? |
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Seis de Espadas |
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“Um barqueiro levando passageiros em sua balsa para a outra margem. O trajeto é tranquilo e vê-se que a carga é leve, podendo-se notar que o trabalho não está além das suas forças.” |
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Aqui, vemos as espadas fincadas no barco. Posição confusa diante da função de uma espada... Relacionada a um barco. Furar o casco não afundaria a embarcação? |
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Cinco de Espadas |
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“Um homem olha com desdém para dois outros que se afastam, visivelmente abatidos. As suas espadas foram deixadas no chão. O outro carrega duas espadas no ombro esquerdo e segura uma terceira com a mão direita, tendo a ponta no chão. É o senhor que está na posse do terreno.” |
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Essa carta não possui referência direta à ideia de perda que os significados divinatórios sugerem, a menos que se entenda que a perda aqui indica o ganho de outrem. Há alguém interessado na perda. O paradoxo aqui é que o personagem principal da cena é, conforme haurimos do texto, aquele que obtém vantagem mas, para o observador, é aquele que merece reprovação. |
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O Cinco, o Quatro, o Três, o Dois e o Ás de Espadas no tarô de Waite-Smith |
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Para ver ampliações e percorrer a Galeria Rider-Waite-Smith clique sobre a carta. |
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Quatro de Espadas |
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“A estátua de um cavaleiro rezando, em toda a extensão, sobre seu túmulo.” |
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Vemos novamente o desenho corresponder a um limite interpretativo. Waite, nas significações divinatórias, assim postula: “vigilância, retiro, solidão, repouso do ermitão, exílio, túmulo e féretro. A questão do desenho é nesses últimos sentidos.” Seria, novamente, uma questão de desencontro entre o interesse do idealizador e o resultado obtido pela artista? Ou o limite da imagem aponta justamente para a expansão de significados proposta pelo texto? |
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Três de Espadas |
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“Três espadas trespassando um coração; nuvens e chuva atrás”. |
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Dentre as cartas numeradas, excetuando os Ases, essa é a única que possui uma imagem alegórica óbvia, não correspondendo a uma cena do cotidiano. Ao invés de uma cena passível no cotidiano, vemos o coração, como símbolo, sendo trespassado pelo emblema do naipe. Talvez por isso, Waite diga que a imagem representa “tudo que o desenho significa naturalmente, sendo muito simples e evidente para que se torne necessário fazer a numeração específica”. |
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Dois de Espadas |
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“Uma mulher com os olhos vendados equilibra duas espadas nos seus ombros.” |
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Nessa carta, que é uma das chaves para a interpretação que proponho a seguir, peço que preste atenção à dimensão das espadas e ao fato da personagem apoiá-las em seus ombros, conforme o texto. Uma outra questão interessante emerge da fala de Waite nas significações divinatórias: apesar de ser relacionada com a ideia de paz e concórdia, a “sugestão de harmonia e outros significados favoráveis deve ser encarada com critério, pois Espadas em geral não simbolizavam forças benéficas nos assuntos humanos.” |
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Ás de Espadas |
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“A mão que sai das nuvens empunha uma espada, cuja ponta é rodeada por uma coroa.” |
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A utilização da iconografia do Tarô de Marselha, nesse caso, é evidente. |
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Questões |
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Agora, ladeando as dez Cartas Numeradas, após a leitura do texto, temos uma questão específica: com exceção do Ás, por que as espadas não estão alinhadas para cima? Vemos espadas em todas as direções, menos alinhadas para cima. Outra questão: com exceção daqueles que portam a espada no cinco e no sete – o primeiro duas ao ombro, o segundo cinco acumuladas – nenhuma espada permite que vejamos sua ponta. |
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Essa questão fica evidente no dois, onde, pela própria proporção entre a personagem e o atributo, a ponta poderia sim ficar evidente, ou mesmo no nove, onde as espadas no ar não precisavam trespassar a borda. Apontar-se-iam o três e o quatro, como exceções: mas, no primeiro caso, a imagem é alegórica do significado simbólico que contém, e, no segundo caso, as espadas são ornamentos. E, ainda assim, apontam para baixo. A idéia de apontar para baixo fica evidente no seis, onde, pela lógica, as espadas fincadas afundariam a embarcação. Temos assim que no três, quatro, seis, sete, oito e dez as espadas apontam para baixo, mesmo que não em sua totalidade; o oposto ao proposto pelo Ás. No quatro e no nove, evidentemente mais nesse último que no primeiro, as espadas horizontalizam o olhar do observador. No quatro, para a esquerda, no nove, para a direita. Não há um posicionamento agradável ao olhar quando as espadas estão em uso. |
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Perceba que há uma intencionalidade no direcionamento proposto pelas espadas na imagem. Elas não estão apenas atribuindo quantidades, como estão participando ativamente da cena na elaboração de sentidos divinatórios. E, mesmo diante da possibilidade de harmonizar a cena, por que determinadas espadas não mostram suas pontas? Contrapondo o dois ao ás, perceba que, no primeiro, diminuir as lâminas das espadas harmonizaria a cena; no segundo, estender obteria o mesmo efeito. |
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Não é a intenção imediata de esse texto obter respostas ou oferecer interpretações para o que foi observado. Temos, ainda, na iconografia do Waite-Smith, mais sete cartas que possuem o emblema do naipe de Espadas expresso em sua iconografia, a saber: o Mago (sobre a mesa, apontando para a esquerda do observador), a Roda da Fortuna (apoiada sobre o ombro da Esfinge), a Justiça (sendo elevada por sua mão direita) e as quatro cartas da Corte de Espadas – Rei, Rainha, Cavaleiro e Pajem. Outras correlações emergem da contraposição dessas sete lâminas às dez já referenciadas. |
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Espero, contudo, ter despertado o desejo de, para além do representado, para além do evidente, para além do visível nas lâminas, encontrar significações nas intencionalidades que emergem do texto proposto pelo idealizador das imagens assim como da contraposição e diálogo entre as imagens que compõe o conjunto analisado. |
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Bibliografia das obras originais de Waite traduzidas para o português |
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WAITE, Arthur Edward. Tarô: a sorte pelas cartas. Tradução de David Jardim Júnior. Ediouro, s/d. |
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___. O Tarô ilustrado de Waite. Tradução de Cleyde Helena Monteiro Steigleder. Porto Alegre: Kuarup, 1999. |
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___. The pictorial key to the Tarot. Stamford: U.S. Games, 2009. |
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março.12 |
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Contato com o autor:
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Outros trabalhos seus no Clube do Tarô: Autores |
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