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18 de abril de 2024

Responsável: Constantino K. Riemma


O Tarô e o Futuro
Ana Marques
 
Olhamos para o tarô e o associamos ao incerto, ao vazio, ao desconhecido. Fazemos dele uma ponte para as nossas projeções do futuro, a partir da nossa ideia do que nos está reservado. Suas misteriosas figuras nada nos dizem, por vezes, mas sentimos intensamente que os símbolos fazem parte de nosso interior, e que seus mistérios nos levarão a conhecer conquistas ou infortúnios que nos estão reservados.
O que não conseguimos perceber é que os sentimentos que o tarô desperta existem dentro de nós: são espelhos da nossa vida e da forma como encaramos cada fato ocorrido no dia a dia. Por mais que pareça estranho pensar assim, o futuro não é uma incógnita: ele é o resultado de cada uma de nossas ações.
O Futuro: construído ou predestinado?
Tarô e previsões
O Tarô e projeções futuras
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Se com nossas atitudes, toda uma série de acontecimentos ocorre, com que então poderíamos afirmar a existência de algo parecido com o Destino? Ou com a noção vendida e difundida a respeito do Destino? Onde vamos colocar na nossa vida a ideia de um ser "superior" que nos guiaria, onde seríamos como cachorrinhos na coleira do dono? Aceitar a existência desse mestre que escreveria as linhas de nossas vidas, seria como aceitar a castração do indivíduo, a limitação da capacidade do ser para conduzir a própria vida. De que serviria crescer, se aperfeiçoar, ler e produzir, se a nossa vida estivesse inteiramente pré-determinada?
A própria ideia do livre arbítrio contradiz essa noção de destino traçado. No momento em que acreditamos que podemos decidir nosso caminho, estaremos automaticamente influenciando o nosso futuro. Se, ao contrário, o destino é imutável, então o livre arbítrio é uma piada de mau gosto, porque de antemão tudo é conhecido e estamos vivendo dia após dia com as consequências de escolhas que outros fizeram por nós, enquanto nos enganam, dizendo que fomos nós que decidimos assim.
Acreditar na predeterminação é abdicar da responsabilidade perante a própria vida e, em muito, do sentido dela.
Qual seria o sentido de vivermos procurando ser melhores do que fomos, se tudo que poderemos ser já é conhecido de antemão? Se não existem surpresas e nem escolhas? Seríamos peões num jogo de xadrez cósmico?
Muitos acreditam em destino, mas não pela lógica mas, sim, pela insistência em fugir de si mesmo e dasconsequências advindas das próprias escolhas. Uma vez que o Ser Superior não está nos dando a mão e dizendo para que lado devemos ir, cabe única e exclusivamente a nós a decisão e a responsabilidade pelas consequências advindas dela. Pode não ser confortável pensar assim, mas pelo menos estaremos sofrendo as consequências do que tivermos escolhido, com um livre arbítrio real, e não teremos desculpas para fugir de um problema que insistimos em dizer que não causamos.
No mito de Édipo, este ouve uma profecia onde mataria seu próprio pai e casaria com a mãe; devido a isso ele decide fugir, e em momento algum pensa em enfrentar a situação. Preferiu vestir a roupa do mártir e abandonar seu lar, indo exatamente ao encontro das profecias, porque escolheu permanecer inconsciente de sua realidade e, consequentemente, de si mesmo. Ao colocarmos a culpa no Destino, tal como Édipo, nos colocamos na posição de inocentes fantoches da vida e vítimas do acaso, na qual repetiremos incessantemente: "a vida quis assim", quando na realidade fomos nós que tivemos medo, abaixamos a cabeça e entregamos a responsabilidade.
O medo é um sentimento poderoso, foi ele que inspirou nossos antepassados na criação dos Deuses e dos rituais para agradá-los. Como nossos antepassados, temos medo do que desconhecemos. No entanto, em nossos dias, onde a ciência se encarregou de nos explicar a lógica natural por trás de uma série de eventos, o que permaneceu como um grande desconhecido é o nosso amanhã. Nisso as pessoas se dividem entre os que vivem o presente, aqueles que ignoram o futuro e os que desejam avidamente conhecê-lo. Esse terceiro grupo procura toda sorte de oráculos: runas, leitura da borra de café, bola de cristal, entre outros. Além, é claro, do tarô.
Ao buscarem os tarólogos e cartomantes, estão tentando descobrir no futuro o que (acreditam) estar reservado e, principalmente, se tudo que desejam está previsto nele. Olham ansiosamente as cartas emba-ralhadas e depois dispostas da mais variadas formas, veem símbolos arrepiantes: cachorros uivando para a lua, uma torre caindo e levando homens com ela, o diabo segurando uma corda que está amarrada a duas pessoas. Quando acham que estão apavorados, novos símbolos os acalmam: estrelas no céu onde uma mulher derrama água na terra, um lindo sol sobre duas crianças, uma dançarina envolta numa coroa de flores. Não entendem exatamente o que cada um deles quer dizer, por isso, perscrutam a expressão do tarólogo. Desejam adivinhar o que ele pensa, o que viu, o que enfeitou, o que não contou. Pensam em toda uma série de perguntas para que todo o futuro seja decifrado, até que cada esquina possa ser virada sem surpresas.
Depois, inutilmente, refazem a mesma pergunta, desejando que em algum momento o tarô dê a resposta que querem ouvir.
 
Esperando pelo quê
Esperando pelo quê?
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E saem dessa consulta com todo o futuro gravado numa fita, anotado num papel ou guardado na memória. Ficam esperando que as previsões se realizem: que indubitavelmente mudarão de emprego em seis meses, que ficarão levemente doentes no próximo mês, que "aquela" pessoa os ama, que os parentes os respeitam, que aquele amigo realmente os inveja e que o problema financeiro será resolvido com o aumento de salário, na mudança de emprego.
Ao buscarem essas respostas, estão querendo visualizar um futuro de contos de fadas, onde os dragões e bruxas más já terão sido derrotados. Normalmente não querem saber onde estão as suas falhas e fraquezas, o que podem melhorar e polir para serem pessoas mais inteiras nesse futuro. Interiormente sabem a resposta para essas questões, e não as querem ouvir. O que buscam, na realidade, é o que está fora, quando qualquer resposta vem de dentro.
Querem acreditar e ouvir que o futuro está desenhado. Ficarão tranquilos e seguirão em frente. Então os meses se passarão e o emprego novo não virá. Não entenderão mais nada: "O futuro não estava garantido? Não era apenas esperar?". Não... Não era.
Não bastava o que o tarô havia mostrado, era preciso que as atitudes fossem tomadas. Apenas atitudes (ações) geram consequências. Não existe viagem à Paris para quem se esconde debaixo da cama, nem emprego para quem não o está buscando. O futuro que foi visto não era um destino inexorável, não ia se realizar sem que cada um fizesse a sua parte. Porque o futuro depende do presente. Sem que o emprego novo seja procurado (anúncios, currículos cadastrados, amigos da mesma área) ele não se concretizará. Em algum lugar, o novo emprego estava vago, mas como não fomos até ele, uma outra pessoa foi, e assim, uma oportunidade se perdeu.
Ações, caminhos e destinos
Ações, caminhos e destinos.
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O peso que cada ação pode ou não ter em nossa vida faz parte do que será o nosso futuro, já que ele não se encontra imutável diante de nós, esperando-nos como se fosse uma espada sobre nossas cabeças. O futuro é construído a cada segundo, a cada passo que atrasamos na rua para ver uma vitrine, a cada revista que deixamos para comprar amanhã.
As menores ações, aparentemente pequenas e inofensivas, podem modificar toda nossa expectativa de futuro. Nós todos conhecemos exemplos assim. A escolha de pertencer a uma lista de discussão na Internet pode dar início a mudanças radicais, onde os contatos com novas pessoas poderão dar o impulso necessário para um novo emprego, uma nova casa ou mesmo um casamento.
Apesar de tomarmos decisões o tempo todo, nossa visão de suas consequências é extremamente limitada. Cada virada de esquina nos leva a caminhos novos, onde todos os nossos valores poderão ser testados e modificados, onde nossas vivências passadas nos orientarão rumo ao futuro, onde novas atitudes serão cobradas, e caberá a nós a procura, em nosso interior, de que forma caminharemos naquela estrada, ou se pegaremos o atalho logo à direita.
Portanto, as nossas ações não tem tamanho e nem importância pré-definida. Essas variantes vão sendo conhecidas conforme o tempo passa e o mundo que nossa atitude escondia por trás dela começa a se desenhar. A cada momento em que vemos novas consequências diante da (suposta) pequena mudança de rumo tomada, percebemos que um universo foi deixado para trás, e outro novo se abriu à nossa frente.
Por isso, os conceitos anteriormente explanados são importantes e complementares: o futuro é constituído de ações, e essas ações não tem tamanho, tem consequências.
Mas então, se o tarô não serve para "prever" o futuro, para que serve ele? Qual a sua utilidade?
A Utilidade do Tarô - Uma jornada
A utilidade primordial do tarô não se trata de adivinhar o futuro, mas enxergar quais são os caminhos estamos escolhendo e o porquê. Ele utiliza símbolos para acessar o que existe de mais verdadeiro dentro de nós: o nosso inconsciente. Nossas motivações, interesses, características, suscetibilidades, mágoas e problemas. O tarô pode nos colocar frente a uma jornada, onde a vivência em cada Arcano nos mostraria um pouco de nós mesmos, para que então pudéssemos caminhar em direção à "individuação", utilizando um termo de Jung, numa direção que nos colocaria conscientes de nós, fazendo com que deixássemos de ser seres amestrados reagindo ao estímulo apresentado. Cada faceta do inconsciente, seria trazida ao consciente e, aos poucos, poderíamos perceber o que realmente queremos fazer, e aquilo que é resultado apenas de reflexo. Para que deixemos de ser como ratos numa experiência de laboratório. Quem não se conhece, se comporta como um rato, reagindo ao queijo ou ao choque que lhe é dado.
Percebendo os estímulos, não escolhe as atitudes de sua vida: é sua vida que determina as suas atitudes. Ao sofrer pela conclusão de uma escolha, ficará arraigado em si o sentimento de que sofrerá novamente diante daquela escolha, não se fazendo as necessárias perguntas: qual foi o motivo do sofrimento? Qual atitude que tomei que me levou a essa dor? Toda e qualquer atitude como essa me levará necessariamente a um processo doloroso? É necessário diferenciar a reação automática de um comportamento a ser adotado. O velho ditado "gato escaldado tem medo de água fria" é perfeito para ilustrar como a grande maioria das pessoas se comporta. Como na analogia, associam a "água" com a "dor" sem procurar conhecer os demais fatores que ocasionaram a situação. Sendo assim, a reação se tornou a atitude e, a partir de agora, qualquer "água" será a possível causa da "dor". Esse tipo de análise faz da vida uma série de acontecimentos superficiais, onde o sentido do momento vivido foi apenas arranhado.
Se estamos dispostos a sair da superfície e a não aceitarmos mais respostas limitantes como "eu sou assim mesmo" ou "foi o destino", e se não queremos mais cercear nossa capacidade de conscientização, o tarô pode ser uma valiosa ferramenta.
 
O Louco no Tarot of Trees
Qual o caminho?
O Louco no Tarot of Trees
Servirá para acessarmos as profundezas de nossas motivações e experiências anteriores, para começarmos a trilhar o caminho de volta para nosso interior.
Com seus arquétipos, o tarô nos ajuda a construir a estrada de nossa personalidade e vai mostrando nossa forma de enxergar o mundo e as pessoas. Aos poucos, poderemos nos reconectar ao nosso inconsciente, trazendo para a luz nosso verdadeiro "eu", onde as escolhas poderão ser analisadas de acordo com o que desejamos para nós. O tarô pode ser essa ponte, onde nossas desculpas irão aparecer como o que realmente são: desculpas. Onde nossos problemas de caráter irão surgir sem enfeites, e teremos de nos olhar como somos hoje, para que a luz da consciência possa refletir sobre o que desejamos ser.
Tarô, o livro do tempo
Tarô, o livro do tempo.
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Para enfrentar essa jornada é necessário estarmos preparados para enfrentar um novo mundo. O mundo do Eu, onde todas as ideias a respeito de nós mesmos serão questionadas e avaliadas, onde o réu será ao mesmo tempo o juiz, onde a morte se mesclarácom a vida. Estaremos diante de nossa luz e de nossa sombra e, a cada passo que dermos, quando acharmos que estamos chegando, estaremos apenas começando.
É preciso entregar-se para que a jornada se inicie. É preciso aceitar que muito do que acreditamos ser parte de nós, na realidade é um parasita. E que aquelas características que rejeitamos para o fundo do baú de nossa existência, se tratam de nossa essência mais pura.
A Jornada pelo Tarô constitui um caminho: a busca da própria individualidade. Encarar os símbolos de cada carta, decifrar delas o sentido, meditar em suas implicações, perceber a lógica de uma sequência de lâminas para o momento da sua vida pode abrir um vasto espaço de novos "eus", sequer suspeitados. Devemos trilhar o caminho trazendo as experiências para nosso interior e, só depois que fizerem parte de nós, transformá-las em conhecimento prático.
Esse processo pode fazer de nós seres mais completos, mais integrados e, a cada dia que passar, mais conscientes de que o futuro é argila, moldada por nossas próprias mãos.
Finalização - O Tarô prevê o Futuro?
Não, o tarô não prevê o futuro. Ele indica as consequências e os caminhos, que devido a nossa forma de agir (ou reagir), estamos propensos a escolher. Dependendo da forma como a pessoa conduz as próprias atitudes, um possível "futuro" pode aparecer, e pode também ser modificado, caso a atitude mude. Tudo que o tarólogo enxerga está dentro da pessoa e é através desse canal que se pode vislumbrar o que pode ser o futuro dela.
O Tarô é, antes de qualquer coisa, um livro: o livro da vida.
Fatos inevitáveis podem ser vistos também? Há controvérsias. Alguns vão argumentar que determinadas "previsões" mostram-se como inevitáveis, outros vão dizer que qualquer fato pré-determinado nos colocaria novamente na mão do "Destino", contra o qual não adianta lutar. Mas seja qual for a postura adotada, o que tem real importância é o aprendizado que se pode obter utilizando essa ferramenta para acessar o interior. Um aprendizado que não se deixe enganar pelos falsos sorrisos de nossas máscaras e chegue diretamente no cerne da questão: quem realmente somos.
Contato com a autora:
Ana Marques é terapeuta holística e taróloga
www.facebook.com/anamarques.taro
Outros trabalhos seus no Clube do Tarô: Autores
Edição: CKR – 02/07/2014
  Baralho Cigano
  Tarô Egípcio
  Quatro pilares
  Orientação
  O Momento
  I Ching
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