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21 de dezembro de 2024

Responsável: Constantino K. Riemma


Oráculos e cartomantes: quem precisa deles?
Ricardo Pereira
Quantos oráculos você usa ou busca?  Muitos, vários! Nenhum! E, quem bem se autoconhece precisa deles, dos oráculos? Pode ser que sim, pode ser que não!
A visão que a maioria de nós tem da vida, das outras pessoas e das coisas do mundo fora construída a partir das muitas crenças e valores que nos foram repassados de geração em geração e que tomamos para nós, em certas épocas de nossos dias, como verdades absolutas, inquestionáveis, muitas vezes, sem que possamos nem nos dar conta e a muito menos questioná-los. Porém, a maioria dessas crenças, realmente nem são nossas e quando, a qualquer momento, a nossa atenção se volta para esse fato muitos dos nossos "sagrados" paradigmas se desmancham no ar.
Decerto, que os modelos que carregamos hoje - não saberei, lógico, precisar muito bem – foram por nós elaborados desde quando éramos muito jovens ou nos foram repassados culturalmente. As nossas bagagens atuais são a soma disso tudo mais o acúmulo das nossas próprias experiências e é o seu produto, que nos dá, de certo modo, condições de avaliarmos a vida, os outros, as coisas do mundo e – por mais desafiador e difícil que seja – a nós mesmos. Mas, até onde se estende o limite que nos separa de nossas crenças – que podem ser as dos outros, ou não – e daquilo que os outros acreditam? As suas crenças são realmente suas? De onde parte a essência de suas verdades? O que ou quem lhe fornece as bases para o seu possível livre pensar e escolher? Quem é você e para onde pretende ir?
O baralho nas mãos de uma cartomante e no jogo entre os homens.
Cafe Fortune Teller, 1933. De Mary Hoover Aiken (1907-1992). Telfair Museum of Art, Savannah, Georgia.
As respostas para todas essas perguntas e muitas outras relacionadas ao processo de autoconhecimento são como alimentos ou partes do todo que nos compõem, enquanto seres humanos que somos. Ao experienciamos acertos, erros, sucessos, fracassos, ganhos, perdas, realizações, frustrações e sentirmos, dentre outros, autoestima, baixo autoestima, amor, ódio, prazeres e dores nos faz, em algum momento, partirmos na busca de respostas sobre todos esses sentimentos que nos são transmitidos por nossos sentidos, na esperança de que elas preencham os tantos vazios de dúvidas que estão impregnados em nosso plano mental, emperrando, certas vezes, a nossa caminhada rumo à evolução.
A gente espera, pelos menos, por respostas que deverão, em certo tempo, constituírem-se nas luzes que deverão alumiar cada futuro pensamento nosso, sobre nós mesmos, proporcionando-nos a chance de aprendermos sobre quem somos realmente, a fim de que, a partir disso, possamos nos permitir a nos amar mais profundamente, as outras pessoas e as coisas do mundo da forma mais segura e sincera possível. Mas, como chegar a essas respostas sobre si mesmo, sobre o outro ou sobre as coisas do mundo quando o tempo e os caminhos que nos levam a elas nem sempre estão propícios? Claro, você pode precisar talvez de psicanálise, análise psicológica, terapia disso ou daquilo outro, da leitura de uns bons livros de autoajuda (assim como em cartomantes há também quem acredite neles), de uma abordagem mais científica para a análise de seus dilemas existenciais, mas dos oráculos, será que você poderá precisar algum dia? O que um oráculo pode fazer por você? O que um cartomante-cartomante (que, além do tarô, trabalha com outros tipos de oráculos de cartas) ou um cartomante-tarólogo (que trabalha só com o tarô) poderão fazer por você?
Claro, as respostas para cada uma dessas questões podem não ser tão simples, mas elas só podem ser realmente respondidas a partir da experiência, nunca baseadas em suposições ou nos juízos de valor dos que ignoram os recursos e os processos que envolvem a prática de consulta oracular. Aliás, quem realmente conhece ou já se valeu da ação "cartomântica" pode ter noção de alguns de seus domínios e alcances e do poder utilitário de um oráculo qualquer.
Maria das Dores é uma de minhas fiéis consultantes ou clientes. Além disso, com o passar do tempo, tornamo-nos amigos e, de vez em quando, depois de alguma insistência dela, privilegio das Dores com cortesias de atendimentos oraculares. Conversamos, brincamos e damos muitas risadas nesses singelos momentos, quando aproveito também para testar alguns métodos de leitura que acabei de produzir. Bem, mesmo não sendo cartomante ou oraculista, das Dores é uma crítica severa da cartomancia porque conhece de perto alguns domínios e alcances e o poder utilitário dos oráculos de cartas que eu uso e, claro, os resultados que podem ser alcançados pelos oráculos que outros profissionais da área também utilizam.
Como se pode observar, todo esse processo de interação e construção da relação cartomante versus consultante não ocorre, assim, à toa, sem fundamentos. Existe sim para isso uma metodologia – não tão rigorosa quanto a que é exigida pelo método científico postulado por René Descartes e que foi sendo desenvolvido empiricamente por  Isaac Newton, passando pelas ideias de falseamento de Karl Popper, evoluindo para as teorias dos paradigmas de Thomas Khun, deparando-se em Edgar Morin que propõe um método científico fundamentado em uma perspectiva de uma visão sistêmica, com um olhar para o todo. Não, não é nada disso! No fazer do cartomante não há muito espaço para o ranço que envolve o método acadêmico ou científico, embora ele olhe para o consultante com um olhar sistêmico e holístico, buscando contemplar as suas idiossincrasias.
O Grito de Edvard Munch
O Grito
Pintura de Edvard Munch,1893–1893, National Gallery, Munchmuseet.
Explico-lhes melhor a não necessidade dessa coisa de se querer demonstrar, por fim e à força, cientificidade ao ato "cartomântico" ou da consulta oracular: como produtos do mundo científico das letras, por exemplo, as poesias de Manuel Bandeira, Augusto dos Anjos, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Mario Quintana, Florbela Espanca, Pablo Neruda e T. S. Eliot são alguns dos que mais me encantam, mas raramente eu uso a poesia (de fato eu não a declamo) nos meus atendimentos ou no que vou escrever sobre cartomancia em geral, porque com toda a interdisciplinaridade possível e existente entres os saberes, a poesia não impactará na efetividade e eficácia de minhas consultas práticas enquanto cartomante, assim como o fato de eu ser historiador, conhecedor de história da ciência e das artes, de filosofia e de filósofos e, principalmente, dos fatos históricos e políticos que movem ou moveram o mundo e que abalam ou abalaram a vida em sociedade não implicarão na minha competência enquanto cartomante-tarólogo, pois estes só me darão, no máximo, subsídios para eu fazer determinadas associações – minhas comigo mesmo – das mensagens das cartas a temas sociais que pontualmente têm a ver com determinada situação vivenciada por meu consultante, somente isso e nada mais. Claro, a partir da perspectiva da importância do conhecimento que eu acumulo isso é muita coisa, porque me fornece bases inclusive para que eu compreenda as relações do homem em seu conflituoso meio social.
Todo esse conhecimento geral vai ser ótimo para mim enquanto indivíduo em desenvolvimento, mas do ponto de vista prático ou da práxis em cartomancia, pouquíssimo uso se pode fazer disso. Eu, por exemplo, enquanto oraculista de formação acadêmica generalista, não vou emitir previsões oraculares do tipo "ah, porque de acordo com esse 5 de Paus, conforme Waite, e fazendo um link com o que pensou Foucault, você vai passar, consultante, pela influência de uma rede de micropoderes, ou melhor, por alguns conflitos no seio de sua família e nas suas relações interpessoais, portanto cuidado para não se deixar levar pelos poderes difusos, que atuam pela persuasão e pela sedução". Na verdade, eu só direi ao meu consultante, com base no 5 de Paus, que ele passará por um momento tenso, de brigas e discussões – coisas como os embates entre "coxinhas e petralhas" -, dependendo do contexto e da pergunta analisada. Resumindo: por mais que eu me mostre religioso ou ateu, douto, culto, erudito, viajado, conhecedor de diversas línguas e culturas, para o mercado ou para o meu leitor, nada disso vai importar se, de fato, eu não "dominar" ou não souber objetivamente transmitir as mensagens contidas em um sistema oracular, seja ele de cartas de baralho ou outro qualquer.
A metodologia a ser aplicada em uma consulta de cartas pelo cartomante-cartomante ou pelo cartomante-tarólogo é fundamentada muitas vezes em experiências ancestrais herdadas do seio familiar por meio da comunicação oral ou de pesquisas nos velhos livros ou nos antigos manuais de cartomancia universal que ainda hoje estão na moda e que fundamentam os diversos livros "modernos e inovadores" que são publicados e lançados na área de cartomancia (incluindo-se aqui os livros de tarô) por todo o mundo.
Claro, todos esses livros também fundamentam os diversos cursos que são ofertados como "mamão em feira" tanto nas redes sociais virtuais pela internet, quanto para o mercado de cartomancia presencial que existe e é oferecido mundo afora. Há cartomantes-cartomantes e cartomantes-tarólogos que, por exemplo, apreciam o estudo e o hábito da leitura dos clássicos da literatura universal, alguns até já leram "Por que ler os clássicos", de Ítalo Calvino, são os ditos "cartomantes técnicos", ou os que algumas vezes misturam cartomancia com psicologia e literatura, e que são excelentes na cartomancia que oferecem e fazem para o seu público, mas, por outro lado, há os que não priorizam nada disso e que, portanto, nunca leram sequer uma linha da Torá ou da Enciclopédia do Tarô de Stuart Kaplan e que são, às vezes, melhores no que fazem do que os primeiros.
Ledora de sorte
Ler a sorte no amor, sucesso, dinheiro, destino.
Firelite Fortune Teller. Arquivo do autor
Evidentemente, que no grupo dos primeiros também podem existir os que podem ser melhores que os segundos em termos de trabalho oracular. Talvez, no caso dos segundos, quando são mais eficientes que os primeiros, o segredo esteja na ação pragmática de aplicação do repasse objetivo de previsões oraculares, fator esse que realmente interessa para parte significativa dos que buscam as cartas do tarô ou outro oráculo qualquer. É difícil alguém buscar um cartomante-cartomante ou cartomante-tarólogo em substituição a um psicólogo ou a um poeta ou a um filósofo, por exemplo. Geralmente, essas pessoas desejam saber do futuro, porque é em função dele que a vida delas, de forma individual ou coletiva, deverá acontecer a partir da consulta às cartas.
Nesse contexto, o cartomante-cartomante ou cartomante-tarólogo além de prever o futuro, certamente irá transmitir algumas orientações oraculares, os denominados "conselhos do oráculo" que servem ao processo decisório do consultante. Mas, vejam bem, os conselhos são do oráculo e não do previsor do futuro. Por que lhes alerto para esse detalhe? Porque quando o conselho é do cartomante-cartomante ou do cartomante-tarólogo, ele vem imbuído dos mais diversos tipos de juízos de valor (influenciados pela cultura, religião, formação e às vezes até pelo partido político do indivíduo que lê as cartas) e não é isso que certamente o consultante busca, um cartomante dando "pitaco" na sua vida e nas suas escolhas pessoais.
Sendo assim, quem precisa de oráculos e cartomantes? Provavelmente, como já disse, essa não é uma pergunta fácil de ser respondida, mas, uma coisa é certa: quem nos procura, procura no sentido de desfrutar do momento vivido sem se descuidar do amanhã, de preferência fazendo uso pleno de sua razão e consciente de seu livre-arbítrio. Desse modo, nada é mais necessário ao eficiente e eficaz fazer cartomântico do que o pleno conhecimento das mensagens básicas de cada carta, que é adquirido, não só pela tradição oral, mas também por meio do profundo estudo da cartomancia e da taromancia, englobando a análise cuidadosa das imagens contidas nas cartas e nos seus símbolos, considerando-se o período histórico de suas existências até os dias atuais, pois é com base em tudo isso que se é possível obter um alcance de visão objetiva sobre a ferramenta oracular em uso e na prática se vislumbrar respostas e orientações efetivas às tantas angústias dos que procuram um oráculo.
 
Referências consultadas:
BERMAN, Marshall. Tudo que é solido desmancha no ar. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.
BYNUM, William F. Breve história da ciência. São Paulo: L&PM editores, 2013.
CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Organização e tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979
 
Ricardo Pereira é historiador, gestor de projetos,
artista digital e oraculista. Escreveu, criou e publicou
o livro e o baralho Sibila da Antevisão: Divino Oráculo.
www.substractumtarot.com
Outros trabalhos seus no Clube do Tarô: Autores
Edição: CKR – 12/04/2016
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