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A contrariedade entre a sombra e a luz
nos arcanos invertidos |
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A "sombra" é a parte primitiva da natureza humana. Seria algo como aquele lado da personalidade, o qual fora coibido de se manifestar, dando espaço à evolução de um ego, supostamente, ideal. Desse modo, representa o ego humano em pleno ato de transgressão, retratado de forma obscura.
Para Jung (1980), psiquiatra suíço, fundador da psicologia analítica e teórico que aprofundou psicologicamente o conceito de sombra, neste arquétipo estão contidos aqueles |
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"Ironia é minha sombra". |
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Óleo sobre tela de Mark Kostabi (EUA, 1960) |
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desejos, aspectos de memórias e das experiências humanas, assim como aquelas tendências, as quais são rejeitadas pelo indivíduo por considerá-las incompatíveis com a sua persona.
Desse modo, para esse autor, a persona se constitui na forma como o indivíduo se apresenta diante do mundo, é o seu caráter assumido e projetado, em pactuação com o ego, em suas relações interpessoais, amalgamada e profundamente sustentada por diversos valores e exigências sociais, conflitando-se, por todos esse motivos, à sombra.
Neste sentido, a sombra é reprimida e rejeitada, pela persona, por ser considerada antagônica aos padrões e ideais sociais.
Quanto mais poderosa for a persona, e quanto mais o indivíduo com ela se identificar, mais repudiará as outras partes de si mesmo, projetando a sua sombra nos outros.
A sombra traz, em si, tudo aquilo que é considerado inferior no âmbito da personalidade, por isso é negligenciada. E, quanto mais negada ela é, mais poderosa ela fica, tornando-se uma |
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força potencialmente destrutiva, cogitando ser encarada, refletida e trabalhada em processos profundos de autoconhecimento.
Poder viver e bem conviver com a própria sombra, em seu todo, aproveitando-se, positivamente, de suas qualidades, contrárias entre si, é parte do desafio humano rumo a sua evolução. Nesse âmbito, assevera Chopra (1997), em seu livro "O caminho do mago": |
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“Todos temos um eu-sombra que faz parte da nossa realidade total. A sombra não existe para magoar, mas para salientar o local onde somos incompletos. Quando a sombra é abraçada, pode ser curada. Quando curada, transforma-se em amor. Quando conseguimos viver com todas as suas qualidades opostas, estaremos a viver o nosso ser total.” |
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Na maioria dos dicionários, esse termo, sombra, significa, dentre outras acepções, a simples ausência de luz, a obscuridade ou a escuridão.
Em tarologia, compreende-se que um arcano maior ou menor que surge, de "ponta-cabeça" ou invertido, em uma consulta taromântica, expressa o seu lado "sombra", o seu atributo "inferior" ou "negativo" ou de "involução", embora, muitos tarólogos, esotéricos e ocultistas afirmem que, objetivamente, a própria característica bipolar dos 78 arcanos do Tarô, manifeste esse seu lado sombra sem, necessariamente, ele precisar emergir invertido, aspecto esse de bastante coerência.
Historicamente, essa sutileza da "inversão" dos atributos dos arcanos, o qual amplia consideravelmente e de forma dinâmica o olhar do taromante moderno e contemporâneo para as cartas do Tarô, foi idéia do cartomante e ocultista francês Jean-Baptiste Alliette (Paris, França, 1738 – ?, 1791), mais conhecido no universo esotérico como Etteila.
Tal contribuição de Etteila ainda gera certas divergências, no meio tarológico e entre os praticantes da taromancia, inclusive sobre os objetivos, os quais esse ocultista pretendeu alcançar por meio da aplicabilidade dessa técnica.
Alguns tarólogos consideram essa forma de leitura de arcanos invertidos dispensável. |
Justificam tal posicionamento ao fato de existirem certos métodos ou técnicas de tiragens, os quais propiciam, através de suas estruturas ou de suas casas "negativas" ou de "obstáculos", a leitura dos atributos gerais ou específicos referentes a cada um dos pólos dos arcanos sem que surjam, em uma tiragem, invertidos.
Por outro lado, é importante salientar, que a leitura dos atributos dos arcanos em uma casa "negativa", para alguns tarólogos, é diferente das efetivadas para os arcanos em casa de "obstáculo", em um evento qualquer, com uma questão ou método quaisquer.
Nesse contexto, algo empiricamente comprovado, por quem se utiliza dessa idéia de Etteila em uma análise taromântica, é que, efetiva e eficazmente, ela funciona. Funcionou quando esse ocultista, à época dele, convencionou e agregou, essa inovação, a sua prática de cartomancia, a qual ainda vem se mostrando objetiva e plenamente factível nesses mais ou menos |
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Crônica dos Opostos |
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http://lunnadispersi.blogspot.com |
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duzentos anos de sua invenção por esse cartomante europeu do século XVIII.
É evidente, que as mensagens aludidas, do ponto de vista dos seus significados, por quaisquer arcanos que surgem invertidos, não diferentemente do que quando emergem em posição "normal", destacam ou aspectos pertinentes à personalidade ou ao comportamento de alguém ou a algum fato vivido, podendo trazer à tona ocorrências outrora vivenciadas ou que poderão ainda tornarem-se fatos, mas, tudo em contrariedade aos conceitos ou atributos que lhes são peculiares em posição “normal”.
Essas possibilidades são efetivamente relatadas e confirmadas ou durante uma consulta pelo consulente ou posteriormente, por ele, quando retorna um feedback ao tarólogo.
Desse modo, observa-se que este fenômeno é inquestionavelmente passível de atenção cuidadosa, sendo esta característica bipolar de cada um dos 78 arcanos do Tarô, os seus atributos opostos, um fator que pode fazer a diferença durante o ato taromântico, ou seja, quando da análise, interpretação, esclarecimento, direcionamento e aconselhamento para uma questão.
Nesse âmbito, outra característica marcante, a qual é bem peculiar a um arcano invertido, expressa-se em sua imagética: a possibilidade de manifestação de seu "lado luz" ou "iluminado".
Curiosamente a manifestação do lado luz de um arcano invertido, seguramente remete a existência, nele, de um princípio de equilíbrio, oriundo de suas polaridades em contrariedade.
Na prática taromântica, a transição do lado sombra de um arcano para o seu lado luz manifesta-se através da análise e interpretação de seu pólo invertido ou atributos, realizadas ao contrário, daqueles arcanos considerados, por muitos, nada favoráveis ou auspiciosos.
Dessa forma, a cisão, por parte de certos arcanos do tarô, com o seu pólo obscuro, denota uma espécie de fenômeno que pode ser traduzido na negação arcânica, quando eles surgem invertidos em uma consulta, de suas próprias sombras através daquilo, que denomino, de "contrariedade entre os seus pólos". |
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O Pendurado no Tarot de Marseille |
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www.taroteca.multiply.com |
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Por exemplo, ao se observar, em algum Tarô Clássico, a imagem humana do arcano maior "O Pendurado", vê-se um homem suspenso, em uma árvore ou em uma viga, observando o mundo de cabeça para baixo, em resignação, como se buscasse, na espiritualidade, o sufocamento do ego, e dos ditames dos universos materiais e da carne, por meio do exercício da fé. Decerto, é no plano espiritual que este arcano maior encontra e demonstra proteção, nele identificando e assegurando pousada.
Por outro lado, nos outros três planos, material, mental e emocional, vê-se a manifestação precisa do seu lado sombra através dos seus atributos de obstáculo, paralisação, demora, retrocesso, estagnação, solidão e impossibilidade.
Ao surgir invertido em uma tiragem, a imagem humana deste arcano maior passa a ser vista ao |
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contrário ou em contrariedade a sua posição imagética, digamos, normal, ou seja, com um dos pés prestes a se firmar no solo, destacando que, nesses outros planos, embora ainda haja algum desequilíbrio, é possível o seu encontro com algum tipo de estrutura, com um apóio para o efetivo progresso e realização, com sucesso, daquilo que foi previamente planejado. |
Percebe-se, portanto, que todos esses atributos fazem uma abordagem interpretativa em total e ampla contrariedade a de seu pólo obscuro, denotando, tais aspectos simbólicos, a negação arcânica, desse "O Pendurado", de seu lado sombra através dos seus atributos contrários ou opostos, manifestando, em paralelo, o seu lado luz.
Ao lançar mão de seu lado luz, em contrapeso ao seu pólo sombrio, o arcano se permite a compensar qualquer desfragmentação ou desequilíbrio simbólico, ilustrando, conforme Jung (1977), a relação simbiótica entre estes dois pólos, revelando, em suas dinâmicas de contrariedade, que em cada um deles se encontram os elementos transformacionais necessários à atualização das potencialidades imanentes em um e no outro.
Observa-se, no entanto, que assim como a sombra corroborada por Jung, o Tarô transita tanto nas dimensões materiais quanto nas espirituais, sem pertencer a nenhuma delas, apesar desse oráculo poder provocar grandes alterações, em cada um dos planos da existência, independentemente do tempo e do espaço, a partir das mensagens que emite às pessoas.
Desse modo, a transição do lado sombra, de um arcano do Tarô, para o seu lado luz, demonstra o continuum, de unidades separadas, opostas, incompatíveis ou em contrariedade, as quais se compensam e complementam entre si no sentido de traduzirem, do ponto de vista simbólico-imagético, cada passo a ser efetuado pelo ser humano em sua trajetória rumo ao seu autoconhecimento e evolução. |
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Referências Bibliográficas |
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CHOPRA. D. O caminho do mago. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
JUNG. C.G. Tipos psicológicos. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980.
JUNG. C.G. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: NovaFronteira, 1977.
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novembro.09 |
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