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Eros ou Cupido e o Taro |
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O caminho
que sobe é o caminho que desce |
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Texto de Ken
Wilber
original
publicado na revista Parabola
Tradução
de Bete Torii |
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Aquilo que foi desmembrado
precisa ser remembrado. [Nota da
tradutora: em inglês, remember significa tanto remembrar como relembrar].
Esse re-membramento, ou recordação,
ou re-união, constitui o Caminho
da Subida, que, segundo Sócrates,
é conduzido
por Eros, pelo Amor, pela
descoberta de uma união cada vez maior
– uma identidade mais elevada e mais
ampla. Por meio de Eros, diz Sócrates,
os amantes saem de si mesmos e entram em maior
união com o amado, e esse Eros continua
dos objetos do corpo para a mente e a alma,
até que a União final é
remembrada e relembrada.
Eros,
no sentido em que Sócrates (Platão)
utiliza o termo, é essencialmente transcendência
de si, o motor mesmo da Ascensão
ou desenvolvimento ou evolução:
a descoberta de uma identidade do eu cada
vez mais alta, com inclusão cada vez
maior de outros. E o oposto disso é
a regressão ou dissolução,
um movimento que desce rumo a menos unidade,
mais fragmentação. |
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Aqui darei
uma última comparação:
Freud, como bem sabemos, terminou por
considerar toda a vida psíquica
governada por duas “forças”
opostas – Eros
e Tanatos, que são
normalmente referidas como sexo e agressão,
embora não seja essa a maneira
final como Freud as descreve. Em Um
Esboço da Psicanálise,
ele dá sua declaração
final: “Depois de longa hesitação
e vacilação, decidimos
assumir a existência de apenas
dois instintos básicos, Eros
e o instinto destrutivo. O objetivo
do primeiro desses instintos básicos
é estabelecer unidades cada vez
maiores – em resumo, ligar ou
unir”. Não há como
se enganar quanto ao significado disso:
é puro Eros. “O objetivo
do segundo é, ao contrário,
desfazer conexões e, assim, destruir
coisas. No caso do instinto destrutivo
podemos supor que seu objetivo final
é levar o que está vivo
para um estado inorgânico (matéria).
Por essa razão também
o chamamos de instinto de morte”. |
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Eros e Psique |
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Precisamente
porque Freud, diferentemente de Platão, não levou
a Ascensão até sua conclusão no Um, ele não
tinha meio algum de uni-la a uma radiosa Descida rumo à Multiplicidade.
Isto é, não havia maneira de unir Eros e Tanatos –
unir o caminho que sobe e o caminho que desce – para superar
sua eterna contenda. Freud viu Eros com clareza e precisão;
viu Tanatos com clareza e precisão; e, talvez com maior clareza
do que qualquer pessoa na História, viu que muito do sofrimento
humano é e sempre será uma batalha entre os dois,
e que a única solução para o nosso sofrimento
é uma união de Eros e Tanatos –
e, no entanto, não havia nada que Freud pudesse fazer a respeito.
Nesse ponto ele encalhou e nos deixou retidos a todos.
Não considerando o Coração
unificador, o inomeado Um, que une Ascensão e Queda no eterno
Círculo da Redenção e do Acolhimento, Freud
permaneceu como uma das muitas, e certamente uma das maiores, notas
de rodapé incompletas de Platão.
A cada estágio
da Ascensão, segundo Plotino, o inferior tem que ser “acolhido”
e “permeado”, de modo que a Descida e a aceitação
devem, se tudo caminha bem, coincidir com cada etapa da Subida e
do desenvolvimento (até o nível atual da pessoa).
Em termos cristãos, Eros, a sabedoria
transcendente (o mais baixo buscando o mais alto), tem que ser harmonizada
com a compaixão ou Ágape
(o mais alto buscando e acolhendo o mais baixo) – em cada
etapa.
Assim, para dar somente um rápido
exemplo, os Platônicos de Cambridge, que teriam uma influência
tão interessante na formação da modernidade,
tinham “suas raízes no platonismo da Renascença,
tal como fora desenvolvido no século 14 por Ficino e Pico.
Esse platonismo foi muito influenciado por Plotino. Era uma doutrina
em que o amor tinha papel central; não apenas o amor ascendente
do mais baixo pelo mais alto: o Eros de Platão, mas também
um amor do mais alto que se expressava em desvelo com o mais baixo
e que podia facilmente ser identificado ao Ágape cristão.
Os dois juntos formam um vasto círculo de amor através
do universo.” O Grande Círculo é
composto de Eros que reflui (a
Multiplicidade retornando ao Um: sabedoria e Bem) e Ágape
que emana (o Um tornando-se Multiplicidade: Bondade
e compaixão).
Nessa concepção geral (que
é como passarei a usar os termos), Eros é o amor do
mais baixo que se eleva ao mais alto (Ascensão); Ágape
é o amor do mais alto que desce ao mais baixo (Queda). No
desenvolvimento individual, a pessoa ascende por meio de Eros (ou
se expande para uma identidade mais ampla e elevada) e então
integra por meio de Ágape (ou desce para aceitar amorosamente
todos os estratos inferiores), de forma que um desenvolvimento harmonioso
transcende mas inclui – é negação
e preservação, subida e descida, Eros e Ágape.
Da mesma forma, o amor do Cosmos que desce
até nós, de um nível mais elevado do que o
nosso atual estágio de desenvolvimento, também é
Ágape (compaixão), e nos ajuda a responder com Eros
até que a fonte desse Ágape seja nosso próprio
nível de desenvolvimento, nosso próprio eu. O Ágape
de uma dimensão superior é a atração
ômega para nosso próprio Eros e nos convida a ascender
por meio da sabedoria, expandindo, assim, o círculo de nossa
própria compaixão por mais e mais seres.
Quando Eros e Ágape não estão
integrados no indivíduo, Eros aparece como Phobos e Ágape
aparece como Tanatos.
Isto é, o Eros não
integrado não se alça simplesmente ao nível
superior transcendendo o inferior; ele aliena o mais baixo, reprime
o mais baixo – e faz isso por medo (Phobos), medo de que o
mais baixo vá “arrastá-lo para baixo”;
sempre é o medo de que o inferior irá “contaminá-lo”,
“sujá-lo”, “puxá-lo para baixo”.
Phobos é Eros que foge do mais baixo, ao
invés de abraçá-lo. Phobos é a Ascensão
divorciada da Queda. E Phobos, como se pode ver, é a força
última de toda repressão (uma transcendência
rançosa).
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E Eros conduz os que apenas Sobem |
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Em seu desejo frenético de um “outro
mundo”, seus esforços ascendentes de Eros, que de outra
forma seriam tão apropriados, são atravessados com
Phobos, com repressão ascética, com negação,
medo e aversão de qualquer coisa “deste mundo”,
uma negação da força vital, da sexualidade,
da sensualidade, da natureza, do corpo (e, sempre, da mulher).
São pessoas perigosas, esses Ascendentes,
pois a mão violenta de Phobos espreita sempre, por baixo
do “amor” pelo mais alto que eles professam frente a
tudo e a todos. Com lágrimas correndo pela face e olhos voltados
para o alto, esses Ascendentes estão prontos a destruir este
mundo – ou, no mínimo, relegá-lo à morte
– para chegar à Terra Prometida, uma terra que, por
muito vagamente que possa ser de fato concebida, é entendida
de forma clara o suficiente para ser qualquer coisa menos esta terra,
definitivamente não este mundo, que é sombrio
até a medula, é profundo engano; ilusão na
melhor das hipóteses, demoníaco, na pior. Os Ascendentes
estão destruindo este mundo porque é o único
mundo que eles estão certos de que desprezam inteiramente.
Tanatos, por outro lado, é a Queda
divorciada da Ascensão. É o mais baixo fugindo do
mais alto, a compaixão enlouquecida... Em outras palavras,
Tanatos é Ágape sem Eros. |
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E Tanatos conduz aqueles que apenas
Descem |
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São pessoas perigosas, esses Descendentes,
pois em nome de Ágape e da compaixão, que de outra
forma seria tão apropriada, eles erradamente destroem tudo
o que é mais alto, em uma tentativa frenética de abraçar
o mais baixo. E o que é mais perigoso ainda: em sua tentativa
de transformar este pobre mundo finito em um mundo de infinito valor
– e cada Descendente faz exatamente isso de mil maneiras diferentes
– eles lenta, dolorosa e inevitavelmente destroem este mesmo
mundo, porque colocam sobre ele um peso que a pobre besta jamais
poderia carregar. Os Descendentes estão destruindo este mundo
porque é o único mundo que eles têm. |
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Artigo publicado originalmente pela revista Parabola
(1995, Volume 20, nº 4)
Parabola é uma publicação
trimestral da Society for the Study of Myth and Tradition,
dos EUA, dedicada a “Mito, Tradição e Busca de
Significado”: www.parabola.org |
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