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Crianças |
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Denise Fernandes Marsiglia |
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Um dia, o Lucas, meu segundo filho, perguntou sobre como nasciam os bebês. Nós estávamos voltando da escola e pedi que ele esperasse até chegar em casa que eu ia contar direitinho, mostrando algumas fotos para ele. Quando chegamos, peguei a foto minha barriguda e expliquei que ele havia ficado um período dentro da minha barriga. Ele ficou horrorizado: |
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— Credo, você me engoliu, mãe! Eu podia ter morrido! |
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Expliquei que não era assim e que também ele não havia saído pela minha boca, hipótese que ele teceu ao se descobrir dentro da minha barriga. Quando contei o percurso que ele realmente trilhou num parto normal, ele ficou enlouquecido: |
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A Força |
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Desenho de Mary-el-Tarot-Deck |
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— Que nojo, mãe! Que nojo!! |
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Fiquei mais que sem graça. Não podia imaginar essa reação toda do Lucas. Ele realmente ficou bravo e mal-humorado comigo por um tempo. Ainda bem que passou, porque não dá para imaginar impotência maior do que a minha. Quase sempre a realidade nos limita e o amor do Lucas é dos que mais me interessam na vida. Nessa época, meu jogo de tarô tinha a carta da Força representando o Lucas. Com isso, era importante para eu ser sincera, mas também conquistar o Lucas. Conquistar e ser sincero são atributos da carta A Força. |
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O Lucas nasceu assim: foi se formando uma rede de acontecimentos, eu não estava sozinha. A maior loucura é me sentir só no meio de solidão nenhuma. O Lucas chorou muito depois que nasceu, enquanto ficamos no hospital. Não sei se contei a ele isso. Ele só sossegou quando chegamos em casa. Nossa cachorra latia muito, mas o Lucas não se incomodava com o latido alto dela, dormia como um anjo. |
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Outro dia o Cauê, meu neto, veio me pedir um cobertor para brincar na rua de mendigo. Aqui na vila o que as crianças mais gostam de brincar é de situações fantasiosas na rua. Emprestei um cobertor azul que é fácil de lavar e o Cauê foi, feliz, brincar de mendigo. |
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Esse acontecimento me levou a muitas reflexões. |
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Uma das mais insistentes é que eu brincava de ser médica, rainha, princesa, jornalista, radialista, bailarina, papai e mamãe, professora, lobo. Não me recordo de ter algum dia brincado de ser mendiga. Sinal dos tempos: há mais pessoas morando na rua do que quando eu era criança, quarenta anos atrás. Sinal dos ventos: as crianças nos ensinam a realidade. |
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Não sei se para todos a mensagem das crianças fica clara, mas para mim, que tenho a carta número um, O Mago, representando minha relação com crianças, as crianças ensinam muito e eu também aprendo com elas. “O Mago” tem a ver com ser capaz de aprender e de ensinar. Indica também eu ter muita intuição em relação às crianças. A intuição está representada de maneira forte no tarô na carta do Mago, na carta número dois, A Papisa e na carta A Força. |
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Tem dias que quero pensar que nada do que era importante na minha vida sofreu qualquer alteração, mas sei lá. Hoje passei onde estava o novo morador de rua da minha rua e ele havia se mandado, deixando um cobertor porcaria molhado para trás. Onde ele estava dormindo não havia cobertura de chuva. Quando eu era criança, não era comum ver pessoas morando na rua, mas a favela era tão favela quanto hoje. |
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Já tive dois sonhos com o Batman. Ele foi um herói importante da minha infância. Adorava aqueles escritos, ajudando a dar o impacto dos socos. Adorava ele não matar ninguém. Agora sonho com o Batman porque tenho medo; sinto a necessidade dele, porque não amadureci como devia. |
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Sou como uma árvore que entortou em busca da luz. E a memória do Lucas, tão pequeno, enfurecido comigo, me comove. Aguardo novo pedido do Cauê: será que ele vai querer brincar de manifestação política na paulista, virada cultural ou parada gay? Aguardo. |
Um pouco insatisfeita porque a carta O Louco está forte no meu jogo: vivo suspirando... E suspirar é uma manifestação característica da carta do Louco. |
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Edição: ckr – agosto.13
Revisão: Ivana Mihanovich |
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