Foi em um sábado qualquer de 1982. Eu estava sentado na sala brincando, quando começou a passar um filme na TV que de certa forma “ajudou a moldar” a pessoa que sou hoje em dia. No filme tinha um robô todo preto com problemas respiratórios, vários robôs brancos, um cachorro gigante, dois robôs bonzinhos e um garoto que possuía uma espada que soltava luz. Aquele filme, aquelas naves, aquele universo, me causaram um enorme fascínio. Lembro que fiquei dias perguntando aos meus pais quando passaria aquele filme novamente na TV. Acho que somente depois de uns dois ou três anos fui saber que o filme se chamava Guerra nas Estrelas (Star Wars) e entendi de fato todo o contexto da saga. Da mesma maneira que ocorreu comigo, esse filme encantou e continua encantando milhares de pessoas ao redor do mundo.
Cartaz do primeiro filme de Star Wars em 1977
Acredito que não exista uma pessoa na face da Terra que não saiba o que é Star Wars, quem nunca assistiu aos filmes pelo menos já ouviu falar sobre, ou viu algum produto referente em alguma prateleira.
Como disse o personagem Marshall da série 'How I met your mother': “As únicas pessoas que nunca ouviram falar de Star Wars, são os personagens de Star Wars porque eles vivem no universo de Star Wars”. No ultimo dia 17 de dezembro foi lançado mais um filme da saga - Star Wars Episódio VII: O Despertar da Força - que novamente levou milhares de pessoas ao redor do mundo de volta as salas de cinema.
Eu fui uma dessas pessoas que fizeram questão de comparecer no dia da estreia. O cinema estava lotado, pessoas com camisetas fazendo referência ao filme, muitos cosplayers, muitos pais levando os filhos e pais com filhos e netos, enfim era uma energia tão boa que ao final da sessão muitos ainda continuavam ali no saguão do cinema acredito que ainda embriagados daquela “energia positiva” emanada por todos naquele lugar.
Cartaz do sétimo filme de Star Wars em 2015
No caminho para casa vim refletindo sobre esse fascínio que Star Wars causa nas pessoas, lógico que em diferentes graus de intensidade. Star Wars faz parte da Cultura Pop Mundial, com sete filmes produzidos, inúmeros livros, desenhos animados, jogos de tabuleiro e games, HQs, brinquedos, etc. Mas o que tem nesse filme que atrai as pessoas? Analisando a “grosso modo” Star Wars se destacou pelas inovações tecnológicas da época, mas é um filme simples, que conta uma história relativamente simples em que uma princesa precisa ser resgatada, um vilão derrotado e um reino (a galáxia) precisa ser liberto de um tirano.
Agora se sairmos do superficial e nos aprofundarmos, podemos perceber claramente que toda a história esta permeada por arquétipos, símbolos e referências de estudos psicológicos presentes na mitologia dos mais variados povos “Ai está a magia de Star Wars”.
Desde a antiguidade o homem sempre se serviu dos mitos para tentar explicar o mundo ao seu redor. Questões como nascimento e morte, dia e noite, sol e lua, sentimentos como: raiva, ciúmes, ira, inveja, amor, a busca por alimentos (caça e agricultura) enfim, todas as preocupações, indagações, problemas e medos cotidianos encontravam um amparo na mitologia. Os povos antigos como, por exemplo: os gregos, os romanos, os celtas, os egípcios entre outros, possuíam uma mitologia muito bem estruturada e rica em seus arquétipos. Quem nunca ouviu falar do minotauro, de Zeus, Hércules, Pegasus, Marte, Apolo, Atenas, Thor, Odin, etc. Mesmo com o surgimento das religiões, a mitologia não perdeu seu espaço. O interessante da mitologia é a sua sutileza, é a capacidade que ela tem em dançar elegantemente entre as religiões e as culturas.
A partir do século XVIII presenciou-se um grande avanço no desenvolvimento cientifico e tecnológico e, com isso, tudo o que era relacionado ao homem: seus sentimentos, seus medos, seus dilemas, enfim mundo ao seu redor, passou a ser explicado pela razão. O homem agora se apoiava na ciência a qual passou a ser a detentora das chaves dos mistérios. Mas a mitologia não desapareceu por completo, pois ainda continuava viva nas diversas sociedades esotéricas e permeando de forma sutil o pensamento religioso. E assim ela permaneceu tímida por vários anos. No século XX pensadores como Freud, Jung e posteriormente Joseph Campbell trouxeram para o homem moderno um novo olhar com relação aos mitos. Estes passaram a ter relação direta com a “psique humana” sendo novamente utilizados para explicar o homem e a sua realidade: “Os mitos estavam de volta”. Entendo o mito como uma manifestação dos arquétipos que habitam o chamado inconsciente coletivo (uma espécie de região “astral”, onde fica armazenados todo o pensamento humano)e que de forma consciente ou inconsciente e acessado por nós quando se faz necessário.
Cartas de A Força e Morte inspiradas pela saga Star Wars
Desenhos de Le Tarot de Geekopolis Taropolis e do Star Wars Tarot Deck by Ctyler
Campbell em sua obra: O Poder do Mito nos diz que se analisarmos as mitologias de diversos povos em regiões diferentes do planeta e principalmente os povos que nunca tiveram contato entre si, os personagens serão praticamente os mesmos, com uma história (mitologia) adaptada à cultura local, mas com uma moral e ética iguais.
A história do homem é composta por inúmeros arquétipos, mas quero destacar aqui sete que acredito serem os principais: O Herói, O Mentor, O Guardião, O Arauto, O Camaleão, O Pícaro e a Sombra.
Podemos encontrar esses arquétipos em praticamente todas as mitologias de todos os povos. Desses citados vou destacar alguns para uma explicação mais didática. O herói, geralmente de origem humilde, possui uma vida estagnada ou repleta de adversidades. Mas possui um forte espirito de perseverança e a certeza de que vai vencer na vida. Com perfil carismático é o elo de ligação entre a pessoa e o mito. Fazendo referência a Star Wars, encontramos aqui o personagem de Luke Skywalker, jovem fazendeiro que levava uma vida pacata e monótona com seus tios, mas tinha o sonho de ser piloto, e vê seu destino mudar quando compra dois robôs para ajudá-lo na fazenda e logo em seguida tem seus tios assassinados por soldados do Império. Podemos destacar aqui a “carta do louco”, pois todos passamos por situações parecidas na vida, seja no campo afetivo, profissional ou espiritual, e aquele momento que nossa vida perde a cor, perde o sentido e precisamos fazer uma escolha, ou ficamos no mesmo lugar, esperando a frustração chegar com suas doenças ou mudamos a nossa vida e como “loucos”, mas “perseverantes”, nos lançamos em uma aventura no desconhecido.
O Mago e o Julgamento em cartas criadas por Kmonkey
Em todos os mitos o herói por ser um principiante (um ingênuo) precisa de alguém que lhe ajude a traçar um caminho, que lhe ajude nos primeiros passos do seu processo de amadurecimento, de alguém que lhe de suporte material, físico, emocional e espiritual. Ai entra a figura do mentor, que geralmente e retratado como alguém mais velho e com grandes conhecimentos ou alguém mais jovem, mas com grande experiência de vida. Podemos associar aqui as figuras de Obi Wan Kenobi e Yoda, ambos mestres Jedi e responsáveis pelo seu treinamento.
Geralmente quando decidimos dar um sentido em nossa vida, sempre procuramos alguém, ou algo que nos ajude a dar os primeiros passos, a traçar um rumo: pode ser um amigo(a), um líder religioso, nossos pais ou expandindo o leque de opções, acredito que até uma música, um livro, pode nos ajudar como mentores em nossa empreitada. Podemos destacar aqui duas cartas do tarô: “O Hierofante” que representa um guru, um guia espiritual, um amigo, alguém sempre pronto a dar bons conselhos, e a carta “O Eremita” que representa o momento em que o nosso mentor tenta extrair o melhor de nós, é o momento do conflito interno, e o momento em que o herói reflete qual é a verdadeira importância da busca pelos seus sonhos.
Todo herói tem seu antagonista (vilão), aquele responsável em atrapalhar sua vida, seus sonhos até o último ato. O vilão é a sombra – que representa o lado oculto do herói, nele está contido tudo o que o herói teme em ser. No sentido psicológico e o lado sombra da nossa mente onde ficam guardados os nossos medos e os sentimentos reprimidos. A sombra tem relação com o escuro, com o que dá medo e, no caso de Star Wars, com o “lado negro da força” ou o “lado sombrio” representado pela figura de Darth Vader. Ele e a personificação do mal, aquele que tenta a qualquer custo alcançar seus objetivos, mas que no final consegue sua redenção. Difícil escolher uma carta do Tarô para representá-lo, acho mais correto colocá-lo como o lado sombra (no sentido de negativo) de todas as cartas do tarô. Em uma tiragem de tarô ou mesmo por nossa consciência, nos é revelada a maneira correta de agir em uma determinada situação de nossa vida, e se não tomarmos a atitude correta ou por medo, ou algum outro sentimento negativo, nesse momento entramos no nosso “lado sombrio”, mas com a certeza de que quando a atitude correta for tomada, podemos “retornar a luz”. No Universo de Star Wars, muitos acreditam na “Força”, ela é citada ora como uma religião, ora como uma filosofia de vida.
O Louco no Tarô Waite e na recriação de Elan Rodger
O personagem Obi-Wan Kenobi em uma conversa com Luke Skywalker descreve a força como uma energia criada por tudo o que é vivo e que também cria a vida, é uma reciprocidade, ela mantém a vida, a vida a mantém, ela mantém a galáxia coesa, ela sempre existiu e sempre existirá. Muito desse pensamento também permeia nossas crenças religiosas. O mito dança elegantemente, e na sua sutileza ele reflete os novos tempos, ele se adapta as novas tecnologias. Ele se utiliza das novas formas de comunicação. O mito encontrou no cinema uma forma de se revelar, de nos entreter, de nos trazer alegria, de trazer mensagens de esperança e perseverança. Não que o mito tenha essa necessidade, mas nós precisamos do mito. Precisamos de histórias que nos apresentem outras realidades, outras visões de mundo, para que assim possamos compreender melhor a nós mesmos e o mundo que nos cerca. Star Wars faz parte dessa nova mitologia moderna, é a “Nova Jornada do Herói”, “É a Viagem do Louco do Tarô”, e a trajetória do nosso crescimento pessoal, e a manifestação da eterna luta do Bem contra o Mal. Que a força esteja com vocês!!!
Fábio Leite Monteiro, é formado em filosofia e história. Estuda angelologia,
cristianismo, meditação, medicina ayurvédica, alquimia, tarô e astrologia. É autor de três
livros: Quem são os Anjos, Santos Anjos rogai por nós e Os Anjos e a nossa felicidade.
Para quem se interessar em aprofundar um pouco mais no assunto vou deixar alguns links abaixo:
1) Texto muito bacana sobre Mitologia em Star Wars:
(SANTOS, Daniela Cascuso Bellarde. Guerra nas Estrelas: O mito da sociedade moderna. Em: <http://www.ufscar.br/~cinemais/artestrelas.html>. Acesso em: 15 de janeiro de 2016).
2) Entrevista com Joseph Campbell “O Poder do Mito” em seis partes no Youtube: