Home page

21 de dezembro de 2024

Responsável: Constantino K. Riemma


O Código de Barras no Tarot de Marselha
Edgar Feldman
Em 1760 Nicholas Conver desenhou uma versão do tarô clássico, conhecida mais tarde como Tarot de Marselha, que está entre as mais influentes da história do Tarot. Nesse baralho estão desenhados traços verticais ao lado dos nomes em 5 cartas dos arcanos maiores e noutras 5 das cartas da corte. Nunca li nada sobre este assunto, mas isto não me parece ser uma casualidade. Lembram um código de barras.
A Força no Tarô de Nicolas Convert / Marselha
Os traços verticais – um 'código de barras' – ao lado do nome da carta A Força
no original de Nicolas Convert (1760) e na restauração de Yoav Ben-Dov (2010)
Mais informações no Clube do Tarô : Galeria do Tarô de Marselha  e  Os Tarôs de Marselha
Nos arcanos maiores, 4 cartas possuem traços desenhados à esquerda e à direita dos nomes, e somente a carta da Força tem traços desenhados unicamente à direita e nenhum à sua esquerda. Nas cartas da corte a ordem se inverte: somente o Valete de Espadas possui traços à esquerda e à direita do seu nome. As outras 4 cartas apenas têm traços à direita dos nomes. Podemos notar que não está representado o elemento terra nesta sequência, ou seja não há cartas do naipe de ouros.
Na imagem abaixo vemos as cartas referidas. Os números que aparecem abaixo de cada uma delas indicam a quantidade de traços desenhados. Por exemplo nos Enamorados existem 6 traços à esquerda mais 6 traços à direita, na Justiça, 9 traços à esquerda mais 11 traços à direita, na Força, 20 traços numa só linha à direita, etc.
O Código de Barras no Tarot de Marselha
Dez arcanos com traços semelhantes ao código de barras utilizado atualmente
Cartas do Tarot de Nicholas Conver restauradas por Yoav Ben-Dov (2010)
Imagens obtidas em www.cbdtarot.com/download
Agrupando separadamente as sequencias das cartas dos arcanos maiores das cartas da corte, (como vemos na imagem) e colocando as cartas pela ordem, deparo-me como uma narrativa: parece que estou a assistir a história da evolução de um personagem desde a sua mocidade até à meia-idade; este personagem faz parte do naipe de espadas, que corresponde ao elemento ar, ou à função pensamento segundo a tipologia da personalidade de Jung.
Nas imagens a seguir, coloco cada arcano com seus derivados decorrentes dos valores dos traços onde a quantidade de traços foi substituída pela carta com a mesma numeração. Assumi que o 22 é o Louco e quando há traços desenhados nos dois lados coloco uma carta correspondente à esquerda e outra à direita e somo o valor das duas que origina uma terceira carta. Quem estiver atento há-de reparar na repetição de certas cartas, na evolução dos números, muito há ainda para descobrir.
Codigo de Barras - Velete de Espadas
Correspondencias dos traços no Valete de Paus com o 4. O Imperador
O Valete de Espadas é a primeira carta da sequência das cartas da corte. O Valete de Espadas é um jovem adolescente enérgico, cheio de ideias feitas, possivelmente conflituoso. Na fila dos arcanos maiores, a primeira carta da sequência, com traços ao lado do nome, é os Enamorados. Suponho que é sob o domínio deste arquétipo que o Valete está a viver.
Código de Barras - Os Enamorados
O Enamorados na sequência dos arcanos maiores em relação com o Valete de Espadas
O Jovem está na idade de sair da segurança do lar materno, talvez tenha ficado apaixonado pela moça da direita da carta dos enamorados, aqui vemo-lo entre duas mulheres, há quem afirme que a mulher da esquerda é a sua mãe, enquanto a moça mais nova da direita é a jovem por quem ele se enamorou. Ele não sabe se há-de sair de casa, talvez tenha uma mãe possessiva, que não o quer deixar seguir a sua vida longe de si, mas Eros escondido numa nuvem, qual cupido, já lhe inflamou o coração com a seta da paixão. O rapaz fica indeciso, com pensamentos contraditórios. Ele há-de partir como nos diz a sua evolução de Valete para Cavaleiro, mas irá sozinho, não ficou preso nem à mãe e nem à sua primeira paixão, deve ter havido muito conflito e amargura nesta fase da sua vida que o transformou num frio Cavaleiro de Espadas.
Código de Barras - Cavaleiro de Espadas e Justiça
Cavaleiro de Espadas e o Papa.   A seguir, o confronto com a Justiça.
O Cavaleiro de Espadas é de todas as cartas aquela onde mais se evidencia o elemento ar.  Para melhor entender o que estou a dizer, temos que saber que todos os valetes são do elemento terra que corresponde a função sensação, todos os cavaleiros são do elemento ar que corresponde a função pensamento, todas as rainhas são do elemento água que corresponde a função sentimento, todos os reis são do elemento fogo que corresponde a função intuição. Segundo esta correspondencia, por exemplo o Valete de Espadas é ar por causa do naipe de espadas + terra por ser um valete, já o Cavaleiro de Espadas é ar + ar. O desequilíbrio energético é evidente. Ele tem o ego desligado das emoções.
Os 5 traços ligados ao seu nome nos remetem para o Papa, talvez esse Cavaleiro seja um fanático de um partido político ou de uma religião. Este cavaleiro tem o coração duro e sentimentos gélidos, passa por cima de todos para fazer vingar as suas ideias e propósitos. Mas agora na nossa história ele está a ser julgado, pois vemos a carta da Justiça mesmo em cima, a Justiça, põem-no em confronto com os seus atos. Ele vai sentir na própria carne que todas as coisas que fez na vida não ficam impunes. Os culpados podem ser decepados pela espada da Justiça. Há sempre um verso e um reverso. É uma fase dura da vida, mas que vai faze-lo perceber que tem um coração de pedra, que não consegue amar ninguém. Irá ser uma viagem dolorosa para dentro de si mesmo. Conhecer o leão que existe dentro dele será o passo seguinte da sua jornada como nos fala a carta da Força que vem logo a seguir.
Cógido de Barras - Rainha de Espadas e a Força
Rainha de Espadas e a Torre.   Força e o Julgamento.
Depois desta contabilidade da vida, talvez aos 50 ou 60 anos, a sua função sentimento finalmente começa a ser consciencializada, pois agora o Cavaleiro de Espadas que era um puro ser do pensamento, transformou-se numa Rainha de Espadas, a água é o elemento comum a todas as Rainhas. Água significa sentimento, que é a função oposta ao pensamento, função que o Cavaleiro de Espadas amarfanhou durante toda a sua cavalgada destruidora. Como Rainha de Espadas a personagem continua dominada pelo pensamento das espadas, mas os sentimentos aquáticos da rainha também são incorporados pelo ego, e não deve ser nada agradável aquilo que agora sente, como nos revela a soma dos traços no nome da Rainha: 16 que é o número da carta da Torre. A casa do herói foi atingida por um raio divino que destruiu o telhado e ele caiu desamparado na terra. O infeliz sobrevive com mazelas, há que renascer para uma nova consciência. E o salto de consciência só pode começar a acontecer quando dominamos o animal primitivo que existe em nós.
Na carta da Força vemos uma mulher abrindo docemente a boca do leão. Ela domina os seus instintos mais primários, doma a sua animalidade primitiva, mas não a castra, sabe tirar partido dela criativamente. A mulher aqui representada é consciente da sua ambivalência. Só convivendo conscientemente com o nosso animal interior poderemos avançar para um novo nível de consciência, não é por acaso que o número de traços ao lado do nome da Força é 20, a carta do Julgamento. É o renascer para uma nova vida. A Rainha de Espadas está em crise e só com a Força a poderá ultrapassar.
As duas cartas que faltam dos arcanos maiores, a Lua e o Sol e as duas cartas que faltam das cartas da corte, o Rei de Copas e o Rei de Paus parecem ser a moral da história. O Sol e a Lua, que são os astros luminares do Zodíaco, representam o Yin Yang, a junção dos opostos, é objetivo da jornada.
Código de Barras - Reis de Copas e a Lua
Rei de Copas e o Imperador.   A Lua e o Louco.
Agora, após o confronto doloroso com seu passado, a Rainha de Espadas precisa de esvaziar os pensamentos. A viagem pelos demónios da Lua não se faz racionalmente, os guerreiros com espadas não conseguem enxergar na obscuridade lunar. É preciso uma grande dose de sentimento e intuição para conseguir ultrapassar aquele rio e chegar às torres semi iluminadas por um Sol que começa a despontar numa localidade distante.
O nosso herói se não conseguir chegar as torres ficará perdido para sempre nas águas de Hécate. O inconsciente engoliu todo o consciente, esta viagem é perigosa.
Para conseguir chegar as torres ele tem de se habituar ao escuro, não ter medo da lagosta gigante, animal pré-histórico que aparece nos piores pesadelos, nem ter medo dos dois ferozes mastins que uivam para a Lua impedindo quem queira passar. O nosso herói tem que vencer todos estes demónios interiores, e, vencido o temor, talvez até apoie um pé em cima da carapaça rígida do enorme crustáceo servindo de trampolim para saltar até a outra margem do rio, nesse momento talvez tenha pena do animal que tenta em vão sair da água. Mas é um ser que nunca evoluiu, o seu corpo não está preparado para subir à superfície, há-de ficar até aos fins dos tempos mergulhado nas águas dos mares ou dos rios. Depois, com meiguice, fica amigo dos cães que o ajudam com o seu faro a descobrir o caminho para as torres no meio da escuridão. É uma viagem desoladora e só alguém com uma profunda intuição e sentimento é capaz de a fazer. Esse personagem é o Rei de Copas (fogo + agua). Se assumirmos que o número 22 é o Louco, que é a soma dos traços da carta da Lua, também parece haver aqui um paralelismo interessante. O Louco vive no mundo da Lua.
Código de Barras - Rei de Paus e o Sol
O Rei de Paus e o Papa.   O Sol e a Lua.
No fim da jornada que corresponde ao Sol, onde vemos duas crianças, representa o nascimento de um novo ser, um regresso a infância. Um novo ciclo vai recomeçar. Para o esforço de nascer é preciso muito fogo, como nos diz o Carneiro, o primeiro signo do zodíaco que é dominado pelo fogo. Para nascer só podia ser alguém como o Rei de Paus (fogo + fogo).
Estas minhas reflexões são obviamente subjetivas, mas até poderia continuar a dissertar sobre muitas outras coisas, por exemplo, a análise numerológica, ou porque que não aparece o naipe de ouros na sequencia das cartas da corte, etc.
Parece-me óbvio que Nicholas Conver nos deixou uma mensagem secreta dentro do seu baralho. Pela importância desta obra na história do Tarot, julgo que este assunto merece um estudo mais aprofundado por todos aqueles que se interessam pelos detalhes iconográficos.
Edgar Feldman é Diretor e Editor de Cinema e Televisão.
Nascido em São Paulo, reside desde a infância em Portugal. No seu trabalho de edição
de imagens vê muito paralelismo com o Tarot. É um apaixonado pelo tarot e seu olhar
investigativo nos ofereceu essa original abordagem de detalhes iconográficos das cartas.
Contato : jose.feldman@gmail.com
Outros trabalhos seus no Clube do Tarô: Autores
Edição: CKR – 19/11/2019
  Baralho Cigano
  Tarô Egípcio
  Quatro pilares
  Orientação
  O Momento
  I Ching
Publicidade Google
 
Todos os direitos reservados © 2005-2020 por Constantino K. Riemma  -  São Paulo, Brasil