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Fogo no paiol árabe |
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Rui Sá Silva Barros |
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A grande contenção, realizada com êxito em 2009/10, parece estar chegando ao fim. Enchentes e secas definharam colheitas e estoques de cereais, os fundos de investimentos viram uma oportunidade de lucros fáceis, o consumo cresceu e os preços dos cereais e combustíveis subiram. Em 2008 ocorreram manifestações públicas em mais de 30 países e agora no norte da África, Bolívia e Chile. Na dinâmica econômica nada foi equacionado quanto mais resolvido, o sistema financeiro não bancário continua a todo vapor, inclusive especulando contra o euro.
Nos EUA a politização acaba em tiros, na UE em lamentos e movimentos desorganizados, finalmente no mundo de fala árabe (do Marrocos ao Iraque), periferia do sistema, derrubadas de governo. O norte da África pertenceu ao Império Otomano até o século 19, quando França e Inglaterra resolveram “civilizar” a região. Lentamente surgiram movimentos nacionalistas no século 20 que levaram à independência. Os regimes políticos são variados: monarquias autocráticas e parlamentares, ditaduras militares e civis, repúblicas hereditárias, regimes que se apóiam no islã, mas a maioria é laica, embora com populações mulçumanas.
Sob esta diversidade, uma homogeneidade fundamental: todos os governos são autocráticos, profundamente corruptos, os países ostentam uma brutal desigualdade de renda, alto desemprego entre os jovens, níveis de escolaridade baixos, economias produtoras e exportadoras de matérias-primas, fraca assistência social, entre outras mazelas. Não há qualquer base social para uma república democrática, o clã no poder é proprietário dos recursos públicos. Tudo isto foi sustentado, por décadas, pelos governos – americano e francês.
Dos países mediterrâneos, a Tunísia é o menor, o mais laico e escolarizado, o de maior renda per capita. Foi aí que começou, a derrubada do regime foi rápida, mas a reconstrução será lenta: sem uma corrente islâmica forte na oposição, representantes do governo deposto estão dirigindo o processo de transição, e há um risco razoável de substituírem seis por meia dúzia na ausência de grupos opositores unificados e com um programa mínimo de reivindicações. No Egito a dinâmica é diferente. A independência ocorreu em 1922 sob supervisão britânica que intensificou sua presença na Segunda Guerra Mundial. Em 1953 o exército deu um golpe de estado e instituiu a revolução nasseriana, onde o exército tornou-se o centro do regime, um meio de ascensão social com grande inserção na economia do país. Há um mapa astrológico para o evento, mas ele é inútil, agora.
Foto de Gamal Abdel Nasser (1918-1970)
Durante o governo de Anwar Sadat (1970/81) as premissas políticas foram viradas de pernas para o ar: o nacionalismo estatizante foi substituído pelo receituário do FMI, os conselheiros soviéticos foram mandados de volta para casa, o Egito fez a paz com Israel e tornou-se aliado dos EUA, o Cairo tornou-se uma cidade cosmopolita e o fundamentalismo islâmico desenvolveu-se terminando por assassinar Sadat. Isto foi o pretexto para a instituição de uma ditadura permanente e pessoal, embora submetida ao ritual de eleições sob controle estrito. Mubarak, vice de Sadat e oficial condecorado, assumiu e embora eu não conseguisse obter o horário da posse (quem tiver a informação, por favor), levantei um mapa com um horário hipotético e mediano para melhor visualizá-lo.
Mapa da posse de Mubarak - Cairo, 14 de outubro de 1981 Com cinco planetas em Libra, conjunção Sol e Júpiter, Vênus em Sagitário, o mapa mostra uma grande influência estrangeira; de fato o Egito é o destino de um grande volume de recursos americanos, pois ao lado da Arábia saudita o país é um dos pilares da sobrevivência de Israel. Ao contrário da Tunísia, o Egito tem uma grande população, uma militância islâmica forte, baixa escolaridade e uma imensidão de pobres, o governo de Mubarak foi absurdamente inepto: desde a época faraônica o país é um exportador de trigo, hoje importa e qualquer variação no preço do pão é explosiva.
A ditadura militar não entregará a rapadura com a presteza dos tunisianos, onde o exército manteve-se quieto. Depois dos protestos de sexta [28/01], com o corte das comunicações de internet e celulares, Mubarak foi à TV para dizer que os ministros foram ineptos, que a população será ouvida, reformas executadas, mas que ele terá como vice o diretor da Agência de Segurança, Suleiman. E o novo premiê será o General Shafik, atual ministro da aviação. Estes são os candidatos do regime para uma futura transição. Em resumo, damos alguns anéis.
Olhando o mapa nenhuma surpresa, com o Sol enquadrado por Saturno e Plutão a resistência é esperada, mas com o retorno de Saturno uma reforma é inevitável e o trânsito de Júpiter em Áries estimulará os cinco planetas em Libra. Com eleições livres a Irmandade Mulçumana pode levar e o tempo vai fechar no Oriente Médio e no Canal de Suez. Eis o que é preciso evitar a qualquer custo, para preservar o status quo.
O povo egípcio fez sua estreia na grande política, saiu às ruas clamando “Fora Mubarak”. Não houve liderança definida até domingo quando formaram um comitê de negociação. Não parecem preparados para uma luta longa que se anuncia com o alargamento do toque de recolher, o fechamento da Al Jaazira e uma presença maciça do exército nas ruas. Talvez consigam ganhar um processo eleitoral aberto e limpo, para descobrir que nem o governo nem a estrutura econômica atual podem oferecer empregos e salários decentes. A Irmandade Muçulmana atua discretamente, pois sabe que qualquer gesto brusco pode atemorizar a população e refluir o movimento. Será um processo longo e doloroso.
A situação americana está cômica: enquanto a embaixada no Cairo maquina planos, traz Baradei de volta – ele é pró-ocidente – e rumina como controlar a plebe; em Washington os dirigentes defendem os direitos humanos dos egípcios com 50 anos de atraso, enquanto os europeus se calam aturdidos. Pelo menos a proposta inicial de Mubarak está descartada: república hereditária a oficialidade não aceita! Pelo visto muito sangue ainda vai correr, os egípcios parecem não ter se dado conta de que têm um regime mantido e que é preciso afastar o provedor, ou seja, fazer uma verdadeira revolução nacional. No Iêmen, Jordânia, Argélia e Marrocos também há manifestações, em ritmos diferentes. Tudo quieto no centro de gravidade – religioso e econômico – do mundo árabe, a terra da família Saud. Há um mapa astrológico da tomada de Riad em 1902, não é possível levá-lo a sério, pois a independência só ocorreu em 08 de janeiro de 1926, depois das negociações de paz em 1919, Paris. Os sauditas conseguem fazer malabarismos que até Allah duvida: servem petróleo fielmente ao Ocidente sem exagerar nos preços, permitem a instalação de bases militares americanas em seu território; em compensação distribuem dinheiro mundo afora para a manutenção de madrasas que formarão os futuros jihadistas. O rei Abdullah declarou que a revolta no Egito é apenas uma bagunça, está caquético ou é Alzeihmer? Com uma pequena população, que vive das benesses do petróleo, uma insurreição é possibilidade remota. Em todo caso o Sol do mapa natal está em Capricórnio e Plutão vem por aí.
Tudo isto revela que a Liga Árabe é de araque: acobertou a pobreza, a opressão de seus povos, largou os palestinos ao deus-dará e facilitou a vida de Israel. Isto agora está em xeque: no Iraque o governo de coalizão contou com a intermediação do Irã para se firmar, o governo pró-ocidente do Líbano esboroou-se e o Hizbollah ascendeu, documentos vazados pelo Wikileaks empanaram a imagem de Abbas (ANP) e fortaleceram o Hamas. Em Israel reina o silêncio e a militarização da sociedade continua a passos largos, acentuada pela saída de Ehud do Avodah, histórico partido trabalhista em decomposição.
A entrada de Júpiter e Urano em Áries estimulará a tensão: Vênus, regente do Ascendente do mapa israelense, no início de Câncer no setor 9, sofrerá intensa pressão; a conjunção Vênus-Júpiter no mapa americano também em Câncer, a Lua e o Ascendente em Áries do mapa iraniano, a Lua em Áries do mapa da UE. Além disto, os EUA estão num retorno de Saturno, que governa o MC, e em março Júpiter e Saturno em oposição fazem quadratura ao Sol. Daí o título da última crônica, “2011: use com moderação”. Estes mapas estão nas crônicas anteriores, no fórum deste site. Diante de um processo inédito como este é comum buscar similares no passado: a revolução iraniana de 1979, a queda do bloco soviético em 1989 e até os movimentos estudantis de 1968. Nada disto se sustenta diante de um escrutínio mais atento: o regime egípcio não tentou ocidentalizar a sociedade como o Xá da Pérsia, o mundo árabe não tem a homogeneidade do antigo bloco soviético, e não foram os estudantes que tomaram as ruas em Túnis ou Cairo.
Qualquer que seja o desfecho disto, uma coisa é certa: os povos árabes perderam o medo e sabem agora que seus governos não podem cometer genocídios filmados e distribuídos por todo o mundo em tempo real. Para eles é o começo de uma nova era.
ADENDO: UM JOGO DE PACIÊNCIA
Como previsto, o exército resistiu e tentou, em vão, semear o pânico: permitiu a fuga de milhares de presos, tolerou saques, armou gangues para enfrentamentos. O povo não arredou pé da praça da libertação e confraternizou com os soldados nos tanques. A resistência da ditadura militar tem, além do problema geopolítico, um fator interno também: um regime civil e democrático pode querer vasculhar o passado. A família de Mubarak tem um patrimônio estimado em 40 bilhões de dólares, no mínimo; as forças armadas prenderam, torturaram e assassinaram milhares de egípcios, além de controlar o orçamento e participar de todos os grandes contratos públicos. O processo de negociação da transição iniciado neste domingo (06/02) tentará deixar este passado para trás, sem punições. É uma tarefa dura para os negociadores da oposição.
O povo desarmado foi para as ruas pedir a deposição do ditador, mínimo denominador comum; agora devem se entender sobre prazos, cronogramas e formas da transição, e sua força residiu na paralisação completa da vida econômica desde 25/01. Americanos e europeus respirarão aliviados se o exército conduzir a transição, com ou sem Mubarak, agora figura fora do baralho. A Irmandade Muçulmana, que tanto alvoroço causou, não representa o espantalho agitado diariamente como reedição do Irã em 1979. Fundada em 1928 para combater a presença britânica, perseguida pelo rei e pelos nasseristas, tem hoje uma ação filantrópica de longo alcance no Egito. Não é Hamas, Hizbollah e muito menos Al Qaida, pode vir a ser no futuro algo como o APK, partido islâmico turco atualmente no governo, pleiteando a entrada na União Europeia. Mas a Irmandade é realmente um formidável obstáculo à secularização e ocidentalização do Egito, luta denodadamente para preservar um estilo de vida de acordo com os preceitos islâmicos. Sadat e Mubarak fizeram o que puderam para acelerar este processo e encontraram na organização um formidável adversário. De resto, o povo egípcio deu um show mundial de mobilização, agindo de tal forma que evitou um banho de sangue e aliciou aliados no Ocidente, que até ontem mantinham ditaduras e casas de veraneio no Norte da África.
O mapa do ingresso do Sol em Capricórnio indica claramente algumas características do processo tumultuado que está em curso. É uma antiga técnica muito útil e que deve ser utilizada com outros instrumentos astrológicos e conceitos econômicos e geopolíticos realistas.
Ingresso do Sol em Capricórnio - Cairo, 22 de dezembro de 2010 - 1h38 local Saturno acaba de aparecer no horizonte leste, representa o povo (regente do setor 4), exaltado em Libra está tenso com a oposição Lua/Marte. A Lua representa o governo (MC em Câncer), está em Câncer no setor 9, das relações internacionais, em trígono com Vênus, regente do Ascendente Libra, signo da diplomacia e negociação, que por seu turno faz trino a Netuno. O stellium no setor 3 indica a batalha da informação, com o bloqueio da internet, da telefonia e do acesso aos jornalistas estrangeiros, Mercúrio retrógrado abre a fila. O povo, cansado, com a falta de perspectivas não se intimidou, e nem a rede Al Jazeera, que agora se firmou como referência de jornalismo no mundo árabe e no Ocidente. O ingresso do Sol ocorreu algumas horas depois de um eclipse lunar, nota que dá a contundência necessária ao processo. A insurreição começou com o Sol e Marte quase conjuntos em Aquário, a Lua em Libra e Júpiter ingressando em Áries o processo deve dar passos significativos quando o Sol alcançar Netuno, em breve, e quando ingressar em Áries.
A passagem de Netuno para Peixes suscitou lembranças da primavera dos povos, em 1848, levantes populares, liberais e nacionalistas. A primavera teve vida curta, em meses as insurreições foram ferozmente sufocadas dando origem a regimes autoritários que estiveram na raiz da Primeira Guerra e na Revolução Bolchevique. Estes eventos liquidaram o que restava do Antigo Regime na Europa. Esta lembrança é um desastre completo para os povos em ebulição e para astrólogos distraídos.
Os povos árabes têm um longo processo pela frente e depois descobrirão que o papel que lhes coube na economia mundial (produtores e exportadores de matérias-primas e receptores de turismo) não gera muito emprego e renda. Se olharem para frente, verão que em 30 anos estarão vivendo escassez de água potável e o fim da era do petróleo. Resolver isto a contento é tarefa para um Hércules. Desejo-lhes boa sorte.
Tempo para ver ou rever o filme Syriana, estrelado por George Clooney, que dá uma boa ideia da indústria do petróleo e as lambanças no Oriente Médio. Há um diálogo memorável onde um empresário explica o papel benéfico da corrupção no andamento dos negócios; mas acima de tudo, o filme mostra a dissolução dos papéis na divisão de trabalho nos EUA: lobistas, agentes da CIA, empresários e burocratas do governo trabalham em total sintonia e uns substituem os outros quando necessário. Também ajuda bastante o filme documentário “Inside Job” que mostra o passado e os bastidores da crise econômica de 2008. De vez em quando há vida e realidade no cinema.
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31/01/2011 22:11:56
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dulcio - 13/02/2011 18:04:28
o trânsito de Júpiter em Áries estimulará os cinco planetas em Libra. Com eleições livres a Irmandade Mulçumana pode levar e o tempo vai fechar no Oriente Médio e no Canal de Suez. Eis o que é preciso evitar a qualquer custo, para preservar o status quo.Rui quando vai acontecer o transito acima.
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Rui Sá Silva Barros - 13/02/2011 21:01:49
Olá Dulcio: O trânsito ocorrerá entre março e maio de 2011. O mapa da posse de Mubarak ainda não terminou, pois era sustentado por uma ditadura militar que continua no poder. Nos próximos meses vamos ver um balé: o exército querendo conservar seus privilégios e anulando qualquer investigação do passado e a oposição forçando o contrário, além de prazos de eleições, reforma da Consitutição e outros itens. O povo egípcio está eufórico com a vitória na primeira fase, mas terá um longo percurso pela frente. Já não creio que a irmandade seja um problema, acho que terá uma atuação discreta até as coisas de consolidarem, ou seja o status quo está preservado, por enquanto. De reso o mapa da renúncia de Mubarak é totaltelmente relevante para aqueles mostrados na crônica. O Ascendente está no final de Leão, em conjunção com o Marte da posse. A lua está nas plêiades, no final de Touro, em quadratura com Marte do mapa da posse. Tudo isto indica que o exército pode entregar o poder aos civis, mas não a paz com Israel, o canal de Suez e as fortunas acumuladas nos últimos 30 anos.Isto seria satisfatório para o Ocidente, que a esta hora já trata de erguer um partido confiável para as futuras eleições. Em suma, o poder não dorme no ponto. Argelinos e marroqauinos terão ainda mais dificuldades que os egípcios, já os iemenitas e jordanianos tem muitos motivos para uma rebelião, a ver. Na realidade a situação é ótima, pois todos os modelos do passado são inadequados. Abraços, rui.
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