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17 de dezembro de 2024

Responsável: Constantino K. Riemma


Tarô Rider-Waite
Lívia Krassuski
    
Arthur Edward Waite (02.10.1857 – 19.05.1942), místico e ocultista inglês, apesar de ter nascido em Nova Iorque, EUA, viveu em Londres, Inglaterra, a partir da idade de dois anos. Foi um grande estudioso e renomado escritor nos campos do esoterismo e da maçonaria. Escreveu, traduziu ou contribuiu para mais de setenta livros, além de ter publicado um número ainda indeterminado de artigos e estudos. Dentre estes, destacam-se Os Mistérios da Magia (1886, edição revista em 1897), resumo da produção literária do renomado ocultista francês Eliphas Lévi; A Verdadeira História dos Rosa-Cruzes (1887, revisado em 1924 sob o título de A Irmandade Rosacruz; Compêndio de Cartomancia, Quiromancia e Adivinhação (1889). Foi membro da maçonaria, da Societas Rosicruciana in Anglia e da Ordem Hermética da Aurora Dourada (Hermetic Order of the Golden Dawn), uma das mais importantes fraternidades ocultistas do século XX. Após a dissolução desta ordem, Waite constituiu uma outra em 1915, Fellowship of the Rosy Cross, que perdurou por cerca de cinco anos, apenas.
O Tarô de Arthur Waite
Em 1910, Waite publicou um baralho de tarô que se tornou amplamente difundido até os dias
 
Pamela C. Smith
[U.S. Games]
de hoje, conhecido como Rider-Waite, por causa de seu primeiro editor, William Rider & Son. Waite concebeu-o para uso prático e orientou um outro membro de sua confraria, a artista Pamela Colman Smith (16.02.1878 – 18.09.1951) para que o ilustrasse. Este conjunto de cartas foi originalmente produzido por ocasião da publicação de seu livro A Chave para o Tarô (The Key to the Tarot), 1909-10.
Este tarô obedece à estrutura de 78 cartas que se convencionou desde o século XVII. Esteticamente, aproxima-se do padrão de Marselha; não houve atualização cultural para a época em que foi desenhado (Europa do início do século XX).
 
Waite, em 1911
[freemasonry. bcy.ca]
 
Por isso, as figuras estão trajadas à moda medieval, com algumas referências clássicas, a exemplo da coroa de louros, que aparece em diversas figuras. As cartas têm cerca de 7x12cm e os cantos arredondados. Todas são assinadas no canto inferior direito com o monograma da artista, as iniciais P.C.S.
Na versão original, todas as inscrições foram feitas à mão por Pamela C. Smith.
 
Dorso original
[Rider & Son]
 
Dorso refeito
[US Games]
  As cartas foram impressas em uma gama limitada de cores, devido às condições técnicas de impressão da época, e o verso das cartas possuía um desenho em estilo Tudor de rosas e lírios em azul pálido. As pranchas originais, infelizmente, foram destruídas por um bombardeio durante a 2ª Guerra Mundial, e o baralho não foi mais editado até a década de 70, quando a editora US Games, de Stuart Kaplan, comprou seus direitos. Kaplan recoloriu as lâminas a partir dos desenhos a traço, procurando restaurar a suposta vivacidade original das cores. Substituiu a caligrafia por fonte padronizada, para que o baralho tivesse a mesma identidade nas versões traduzidas para outros idiomas, e também substituiu o desenho do verso por um padrão tarotée azul e preto.
Este trabalho resultou na edição 1971, produzida pela U.S. Games Systems/AGM Muller. Por ter sido autorizada pela filha de Waite, Sybil, é considerada a versão “oficial”. Devido à grande popularidade deste tarô, nas décadas seguintes foram produzidos inúmeros “clones” dele, inclusive uma versão pintada com uma gama maior de cores, conhecida como Universal Waite. Mais recentemente, a US Games, em associação com a Rider & Co, lançou uma versão denominada The Original Rider-Waite, fac-símile retocada de um dos primeiros exemplares, com as cores esmaecidas pelo tempo e caligrafia original da artista.
       
Três diferentes edições: "Original", à esquerda, publicada pela US Games (1993);
"Oficial", ao centro, publicada pela AGM Muller, em 1971;
"Universal", à direita, redesenhada e publicada pela US Games (1990).
 
Arcanos Maiores
Se considerarmos o tarô de Marselha como referência, verificamos que os 22 arcanos maiores foram cuidadosamente redesenhados neste baralho e algumas alterações importantes foram feitas. Confiram as principais na seqüência.
O Louco, no tarô de Marselha, não possui numeração, característica que lhe permite transitar e situar-se em qualquer posição entre os demais arcanos. Waite acrescentou-lhe o número “0”, determinando sua posição como inicial, anterior ao arcano I, O Mago. Tanto isto não é consenso que alguns baralhos reservam a’O Louco a penúltima posição (arcano XXI), antes de O Mundo, o último dos arcanos maiores. Outra alteração importante: o personagem volta-se para a esquerda, e não para a direita, como ocorre no desenho de Marselha. Esta mudança de posição na figura aparece em vários outros arcanos.
  O Louco
Marselha
  O Louco
Waite
  O Mago
Marselha
  O Mago
Waite
 
Para ver ampliações e percorrer a Galeria Rider-Waite clique sobre a carta.
No caso do arcano I, O Mago, Waite vestiu o saltimbanco como sacerdote e “limpou” sua mesa, deixando sobre ela, de modo bem claro, somente os símbolos dos quatro naipes das séries menores. O bastão, que originalmente estava em sua mão esquerda, passou para a direita. Esta inversão entre esquerda e direita também observamos em outros arcanos. O chapéu de abas moles, que sugeriam o desenho da lemniscata, símbolo do infinito, foi substituído pelo símbolo propriamente dito. O mesmo foi feito no arcano XI, A Força.
Quanto ao arcano II, A Papisa: Waite retirou-lhe a conotação católica, denominando-a A Grande Sacerdotisa. O símbolo de Ísis, deusa egípcia, coroa-a em lugar da mitra. Em suas laterais, acrescentou as duas colunas do Templo de Salomão, Jaquim e Boaz e, a seus pés, a lua, símbolo do feminino e também uma correlação astrológica.
A Imperatriz (arcano III): para mais claramente expressar os atributos de fertilidade e geração deste arcano, a paisagem à volta da figura central, que usualmente é representada grávida, remete a essas qualidades: um riacho, um bosque, uma plantação de trigo. Em seu escudo, ao invés da águia, o símbolo do feminino ou de Vênus. O Imperador (arcano IV) de Waite está sentado num trono adornado com cabeças de carneiro, em alusão ao signo de Áries.
 
 
 
 
 
  A Grande Sacerdotisa
Waite
  O Imperador
Waite
  Os Enamorados
Marselha
  Os Enamorados
Waite
 
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O Papa, arcano V, também perdeu sua denominação católica: foi chamado O Hierofante. No entanto, o desenho permaneceu bastante fiel ao de Marselha.
Em Os Enamorados, arcano VI, uma modificação muito importante: ao invés de um homem e duas mulheres, vemos, sob o anjo, as figuras de Eva e Adão no Jardim do Éden.
Em O Carro, arcano VII, a alteração mais perceptível é a substituição dos cavalos por esfinges. O arcano X, A Roda da Fortuna, foi substancialmente modificado: ao centro, pairando entre nuvens, vemos a roda de Ezequiel, tal como foi desenhada por Eliphas Lévi. Em sua inscrição as letras T, A, R, O foram associadas a símbolos astrológicos e às letras hebraicas do tetragrammaton (yod, he, vav, he), o nome impronunciável de Deus que teria sido revelado a Moisés no monte Horeb. Esta palavra, para os cabalistas e ocultistas, é a mais sagrada que existe; encerra todo o saber divino e humano, o poder gerador de todo o universo. Três seres alegóricos giram à sua volta: uma esfinge, uma serpente e um demônio. Nos quatro cantos da carta, os quatro animais arquetípicos, águia, homem divino, touro e leão, que também se correspondem a yod, he, vav, he.
                 
 
 
 
 
 
  Roda da Fortuna
Waite
  O Sol
Jean Noblet (1650)
  O Sol
J. Viéville (1650)
  O Sol
Waite
 
Para ver ampliações e percorrer a Galeria Rider-Waite clique sobre a carta.
Desde o séc. XVIII o arcano XIII não tem seu nome escrito na carta, (fato que se observa em alguns baralhos mais antigos, como o de Jean Noblet, de 1650), mas Waite fez questão de escrever: A Morte, que chega a cavalo, implacável. Ao fundo, porém, vemos o sol nascer no horizonte, simbolizando que a vida se renova continuamente.
Para o arcano XIX, O Sol, Waite resgatou uma representação de antigos tarôs em que se via uma criança ou jovem nua montada em um cavalo, ao invés do desenho de duas crianças, como podemos ver no baralho de Jacques Viéville, de 1650.
Os Arcanos Menores
Os arcanos menores são estruturados em quatro séries (naipes) de catorze arcanos, sendo dez numerados de 1 (ás) a 10 mais as quatro cartas da “corte”, sem número: pajem, cavaleiro, rainha e rei. Os quatro objetos representados por cada naipe correspondem aos quatro elementos e relacionam-se aos quatro planos da manifestação humana: moeda-terra (aspecto material); espada-ar (aspecto mental); taça-água (aspecto afetivo/sentimental) e bastão-fogo (aspecto espiritual/intuitivo).
Nas ilustrações das figuras da corte há referências mais explícitas ao elemento que diz respeito a cada naipe.
Os demais arcanos menores possuem cenas ilustrativas que imprimem um significado mais específico às cartas que eram originalmente cifradas, sem nenhuma referência para interpretação (dois de espadas, três de copas, e assim por diante). Waite não foi o primeiro a lançar mão desse recurso; a partir do séc. XVIII, Etteilla e Mlle. Lenormand já o haviam feito para facilitar a leitura, numa época em que a cartomancia já era muito popular.
Exemplificando: a carta Dez de Copas, para Waite, significa “contentamento, descanso do coração por inteiro; a perfeição da amizade e do amor humano”. No baralho de Marselha encontramos o desenho de dez taças (copas) perfiladas.
 
  
Tarô de Marselha   Tarô Waite
 
No baralho de Waite, as dez taças estão num arco-íris sobre um casal abraçado e crianças brincando, ou seja, uma cena do cotidiano que ilustra sua interpretação para a carta.
Apesar de não se tratar propriamente de uma inovação, o baralho Rider-Waite teve impacto revolucionário, tendo sido por muitos considerado o primeiro tarô moderno. Inúmeros autores basearam-se em seu modelo para a criação de outros tarôs.
Simbologia e Estética
Todos os baralhos produzidos com a mesma estrutura do tarô de Marselha têm basicamente a mesma simbologia. Entretanto, cada baralho possui uma apresentação estética que lhe é característica, dada pelo trabalho de um certo indivíduo, numa determinada época e local, dentro de um certo contexto sócio-cultural. As diferenças no desenho de um mesmo arcano em baralhos diferentes revelam uma determinada intenção de significado que, em alguns casos, resultam numa variação muito grande. Cabe aqui uma crítica aos redesenhos modernos do tarô, como o de Waite: são comparáveis a “fotos com legendas”, onde cada autor “explica” os arcanos segundo sua interpretação pessoal, reduzindo drasticamente as múltiplas significações que poderiam ser a eles originalmente atribuídas. Ainda que baseados numa interpretação tradicional, não existe consenso a respeito do significado divinatório das cartas, principalmente os arcanos menores. Por este motivo, a leitura do jogo, nos tarôs modernos, fica totalmente condicionada às suas ilustrações.
A Doutrina da Golden Dawn
Apesar do fato de os tarôs mais antigos não serem numerados nem trazerem nomes nas cartas, exceção feita ao baralho de Mantegna-Dürer, observa-se que desde o início do séc. XVII fixou-se um padrão de ordenação que permanece até a atualidade.
Em vista disso, outra crítica pode ser feita ao trabalho de Waite na concepção deste tarô. Trata-se, a meu ver, de uma alteração ainda mais séria, pois incorreu numa deturpação do sistema: a posição estrutural do arcano 8. A Justiça foi trocada pelo arcano 11. A Força, embora mantendo a simbologia clássica de cada arcano. Por que ele teria feito isso?
Na Ordem Hermética da Aurora Dourada, na qual Waite ocupou os mais altos postos hierárquicos, havia um caminho iniciático a ser trilhado por seus discípulos por meio de estudos, meditações e rituais de magia. Dentro da proposta meditativa e ritualística desta ordem, os arcanos do tarô foram associados às letras hebraicas e aos caminhos da árvore da vida cabalística de uma certa maneira. A posição dos arcanos 8 e 11 ficou invertida por causa da correlação seqüencial do alfabeto hebraico com as letras que foram atribuídas a cada arcano para representar a formulação doutrinária da referida ordem.
Para saber mais a respeito, veja Tarô e Qabbalah, por Rui Sá Silva Barros e
Tarot & Kabbalah – Os Caminhos da Árvore da Vida, por Constantino  K. Riemma.
Tarô, Cabala e Astrologia
O primeiro estudioso a associar o tarô com a cabala foi Eliphas Lévi (Paris, 1857). S.L. MacGregor Mathers, William Wynn Westcott e W.R. Woodman, fundadores da Ordem da Aurora Dourada (Londres, 1888), também o fizeram, mas situando os arcanos em posições distintas das propostas por Lévi. Traçaram, também, correspondências astrológicas com o tarô. Sustento, porém, que a correlação do tarô com esses sistemas serve a fins mágicos e ritualísticos dentro de escolas específicas e nada tem a ver com a simbologia convencional do tarô.
É importante destacar que os textos cabalistas tradicionais não estabelecem qual dos 22 caminhos da árvore da vida é detentor de determinada letra hebraica, nem determinam qual é sua seqüência numerada correta. Apenas revelam que a evolução espiritual deve percorrer 32 degraus (22 caminhos + 10 sephirot) e o percurso a ser trilhado faz parte deste aprendizado. Por isso, dezenas de modelos foram traçados, que resultaram em diversas escolas que se orientam por estruturas divergentes entre si. Cada letra que é escolhida é potencializada num caminho de acordo com o interesse em desenvolver a força de atração ou repulsão de sua energia. É devido a este fato a proliferação de tantas escolas cabalísticas (e tantas outras ocultistas) e de tantos tarôs que relacionam um mesmo arcano a diferentes letras hebraicas.
Por isso, faço minhas as palavras de Nei Naiff (2002, pág. 240), ao se referir ao tarô como oráculo: “... o tarô se adapta a qualquer sistema, mas não podemos fazer uso do sistema adaptado, pois limitaremos a ação dos arcanos e entraremos em outra egrégora ou situação arquetípica. Todo o trabalho destes mestres em ocultismo foi digno para sua época e seus valores, mas hoje só causa confusão nos estudantes de tarô, tanto no aprendizado quanto na prática.
    
Referências bibliográficas e créditos
NAIFF, Nei, Tarô, ocultismo & modernidade – estudos completos do tarô, volume I. São Paulo, Elevação,
     2002.
NICHOLS, Sallie, Jung e o Tarô – Uma Jornada Arquetípica. São Paulo, Cultrix, 1997.
MEBES, G. O., Os arcanos maiores do tarô. São Paulo, Pensamento.
WAITE, Arthur Edward, As ciências ocultas – compêndio de doutrina e experimentação transcendental.
     Rio de Janeiro, Ediouro, 1985.
WANG, Robert, O tarô cabalístico – um manual de filosofia mística. São Paulo, Pensamento, 1998.
    Consultas na Internet:
http://www.controverscial.com/Arthur_Edward_Waite.htm, acesso em 07.04.2007.
http://www.aeclectic.net/tarot/cards/original-rider-waite/review.shtml, acesso em 10.04.2007.
    Ilustrações:
The Rider-Waite Tarot. U.S. Games Systems, Inc., USA
www.letarot.com - site do restaurador Jean-Claude Flornoy;
http://www.camoin.com/pt/look/look.asp - do restaurador P. Camoin e A. Joddorowsky
www.trionfi.com - site-museu de baralhos.
Contato com a autora:
Lívia Krassuski - liviakrassuski@gmail.com
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