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Lygia Fagundes Telles e os Caminhos do Tarot |
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O Naipe de Espadas |
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Ás de Espadas - Triunfo |
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O Tempo, a ampulheta quebrada. A energia do Ás de Espadas está associada ao êxito e à vitória. Sua representação é feita através de uma mão segurando uma grande espada no ar. Associo esta energia à ampulheta quebrada que Lião menciona em As Meninas, pouco antes de Lorena lhe dar a notícia de que Ana Clara morreu. Esta ampulheta associo ao tempo e ao tema da velhice que é extremamente recorrente na obra de Lygia. Rosa Ambrósio, no romance As Horas Nuas, diz que é preciso saber se despedir. A mãe de Lorena, em As Meninas, usa creme de tartaruga porque elas se conservam séculos. Etodos os contos que abordam este tema mostram que o tempo triunfa afinal. É como Cronos, na Mitologia Grega, devorando os filhos. Não há como fugir do envelhecer. Uma vez que este é o fim de todos e que a existência humana é tão passageira, o triunfo do Ás de Espadas está em viver da melhor maneira possível, para que, quando a ampulheta se quebrar, possa pairar no ar a energia de que nada foi em vão e de que tudo valeu a pena. |
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Dois de Espadas - Equilíbrio |
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Conceição e Menezes. A energia do Dois de Espadas está voltada para a ponderação, a calma e a prudência. Geralmente esta energia é representada por uma jovem segurando duas espadas de mesmo peso, uma em cada mão. No conto A Missa do Galo, Lygia recria a atmosfera do conto originalmente escrito por Machado de Assis. Conceição e Menezes são casados, porém ele a trai com uma escrava com tranquilidade de “direitos masculinos” e sem peso na consciência. O equilíbrio deste casamento entra em ponto de tensão quando Conceição passa a noite de Natal conversando na sala com um jovem visitante. Através de uma narrativa cheia de sugestões, nem Lygia e nem Machado deixam claro o que de fato passou entre Conceição e o jovem, mas, na versão de Lygia, a almofada amanhece amassada. A lição do conto e da carta é que as espadas têm o mesmo peso e, portanto, ainda que entrem em estado de tensão, é conveniente que o equilíbrio seja mantido. |
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Três de Espadas - Tristeza |
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A música do saxofone. O Três de Espadas está associado à dor e à tristeza. Geralmente esta energia é representada por um coração atravessado com três espadas. No conto O Moço do Saxofone, acompanhamos um motorista de caminhão que se hospeda numa pensão de artistas lotada de anões louros com o cabelo repartido de lado – anões artistas. Além do tema recorrente do anão e do saxofone aparecer também nas mãos do personagem Xenofonte no conto Apenas Um Saxofone, este motorista ouve, na pensão, um jovem tocando o saxofone mais triste que ele jamais ouviu na vida. Este jovem tem uma mulher que o trai e ele exprime sua tristeza tocando. A lição do conto e da carta é que o desalento é parte da vida, mas devemos extravasá-lo de maneira sublime. |
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Quatro de Espadas - Isolamento |
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Que se chama solidão. O quatro de espadas é uma carta de isolamento e introspecção. Sua representação geralmente é na figura de uma pessoa dormindo ou meditando. Que se chama solidão é um conto que aparece no livro Invenção e Memória e que, ao lado de outros livros, como Durante aquele estranho chá, Conspiração de Nuvens e Passaporte para a China, fazem parte de uma coleção de histórias que, como a autora mesma diz, parte é memória do que ela viveu e parte é invenção. Desta sui generis autobiografia dividida em livros distintos, um pouco é o que se passou, outro pouco é o que ela acha que deveria ter acontecido, outro pouco é o que ela se lembra e outro tanto o que ela gostaria que tivesse sido. Nossa lição aqui é meditar para que a luz interior possa ser acendida e para que a compreensão de todos esses mistérios da vida estejam ao nosso alcance. Neste conto, Que se chama solidão, as empregadas, os familiares e os animais do sítio vão girando ao redor da autora menina como numa ciranda: “Nesta rua, nesta rua tem um bosque, que se chama que se chama solidão…” Ela olha o mundo ao seu redor, mas de maneira introspectiva – como buda meditando no quatro de espadas – e provavelmente já preparando o estofo para futuramente escrever Ciranda de Pedra. |
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Cartas 2 a 5 no Naipe de Espadas do Universal Waite Tarot |
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Cinco de Espadas - Derrota |
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Bruna. O Cinco de Espadas é a carta do revés da fortuna, dos destroços e de tudo aquilo que não deu certo. Geralmente é representado por um lutador com cinco espadas caídas. No romance Ciranda de Pedra, Bruna é meia-irmã da protagonista Virgínia. Durante a infância das meninas, ela é quem mais critica a mãe, Laura, por ter um amante e por ter “destruído” a família. Anos depois, Bruna vive um casamento funesto e também arruma um amante. E esta derrota afetiva de Bruna é o que a faz reavaliar a postura de sua mãe. A lição de Bruna e desta carta é que os insucessos da vida estão presentes no caminho de todos. Quando o outro se encontra na energia de derrota desta carta, não devemos criticá-lo. O próximo a sofrer com esta energia pode ser este crítico. |
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Seis de Espadas - Passagem |
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A Barca. O Seis de Espadas é uma carta de passagem suave depois da derrota do arcano anterior Esta carta é representada por uma barca sobre as águas. No conto Natal na Barca, além da referência de travessia, que está diretamente ligada à energia da carta do Seis de Espadas, a autora faz outras inúmeras referências místicas, inclusive à ressurreição de Cristo na figura do bebê que aparentemente estava morto, mas que acorda no fim da viagem. Este conto e esta carta nos dão lições de fé e esperança, pois, ainda que uma situação seja momentaneamente desfavorável, ela possui um lado bom que num momento complicado ou de dificuldade dificilmente conseguiremos enxergar. À noite o rio é frio, mas de manhã ele é verde e quente. |
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Sete de Espadas - Oposição |
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Um Coração Ardente. O Sete de Espadas possui energia de contrastes. Esta carta geralmente é representada por um jovem protegendo-se de sete espadas que, do alto, estão apontadas em sua direção. No conto Um coração Ardente o jovem narrador busca o seu paraíso perdido na literatura, nas reuniões de partido, viajando para dentro e para fora de si até encontrar Alexandra em uma casa de prostituição e tentar resgatá-la oferecendo-lhe uma vida melhor. A jovem não consegue adaptar-se e volta para o prostíbulo. Quando vai atrás dela, o narrador fica sabendo sobre o suicídio da jovem Dedê, que vivia no quarto ao lado de Alexandra e que esperava justamente encontrar alguém que a cuidasse e lhe oferecesse uma oportunidade de vida melhor. O contraste destas duas jovens é a representação da energia deste arcano na vida do narrador. A lição deste conto e desta carta é a defesa e a retensão das forças restantes no momento em que não é possível seguir adiante. |
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Cartas 6 a 9 no Naipe de Espadas do Universal Waite Tarot |
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Oito de Espadas - Indecisão |
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O galo branco. O Oito de Espadas é a carta do vacilo, da hesitação. Sua energia é representada por uma jovem oprimida por oito espadas, sem poder se mover. No conto Suicídio na Granja, um cozinheiro escolhe um ganso para ser preparado para o jantar. Com o seu desaparecimento, o seu amigo galo fica deprimidíssimo com “os olhinhos suplicantes na interrogação, o bico entreaberto na ansiedade da busca” e como o amigo não volta o galo vai “definhando na busca obstinada, a crista murcha, o olhar esvaziado” até morrer ao lado do tanque onde o amigo se banhava. A lição do conto e da carta é mostrar o quanto o titubeio, a falta de rumo e o desespero pelo apoio alheio podem ser prejudiciais. |
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Nove de Espadas - Pesadelo |
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Os fantasmas somos nós. O Nove de Espadas é uma carta que possui uma energia áspera e fatigante. Geralmente é representada por alguém em uma cama em meio a um sono turbulento. No conto A Presença um jovem robusto resolve se hospedar num hotel de velhos. Ao ser advertido pelo porteiro que aquela juventude toda afrontaria os velhos e que “algo raro” poderia acontecer em função disso, o jovem sorri e diz que sempre na vida quis se hospedar num hotel mal-assombrado. O nove de espadas é a carta do pesadelo dos velhos que se deparam com a juventude que perderam e o terror que traz a tona todos os fantasmas que ninguém quer ver. A lição aqui é o respeito de dar um passo para trás ou pagar o preço no amargor de uma goiabada com queijo ou num chá envenenado. |
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Dez de Espadas - Ruina |
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Biruta. O Dez de Espadas é a carta do aniquilamento. Geralmente esta energia é representada por um ser tombado ao solo com dez espadas atravessadas em seu corpo. No conto Biruta, um dos mais tristes que a autora escreveu, Alonso é um garotinho pobre, trabalhador, que toma conta deste pequeno cachorrinho, ainda filhote, chamado Biruta. Alonso ama muito o filhote e tenta ensiná-lo a não perturbar os donos da casa. Entretanto Biruta, por ser filhote, estraga muitas coisas, o que deixa os donos da casa muito insatisfeitos, ainda que Alonso muitas vezes queira ele próprio pagar pelos erros do cachorrinho. Na noite de Natal dizem ao garoto que levarão Biruta a uma festa e Alonso, na inocência infantil, entrega o cachorro. Após a saída dos donos da casa, a empregada conta ao garoto que Biruta não voltará. O dez de espadas é a marca da perda irreparável para quem ficou, da dor que não tem saída. Após uma grande perda, não há o que conforte, apenas o tempo pode abrir novas perspectivas. A lição desta carta é que tudo na vida tem um fim. Mas após este fim, também pode haver um recomeço. |
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Pajem/Princesa de Espadas - Ideias |
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Ducha. é uma garota de imaginação fértil e é representada por uma jovem segurando uma espada. Ducha é a narradora menina do conto O Jardim Selvagem. Neste conto nos é apresentado o relacionamento de Ed com Tia Daniela (que é comparada, pelo marido, a um jardim selvagem). Tia Daniela usa uma luva estranha numa das mãos para esconder um defeito e quando o cachorro, Kleber, fica doente, ela o mata com um tiro. Algum tempo depois, Ed fica doente e posteriormente ele se mata com um tiro. Então, Ducha imagina Tia Daniela no velório com uma luva preta. A Princesa de Espadas é criativa e neste contexto está representada por uma menina que, contando o caso do cachorro, faz uma analogia com a possibilidade de Tia Daniela ter matado o marido ou tê-lo induzido ao suicídio. Como não é dada voz à Daniela para contar a sua versão dos fatos, estamos diante de mais uma narradora/personagem suspeita, uma Princesa de Espadas que pode estar sendo fiel aos fatos, mas que também pode estar usando a sua extrema criatividade para narrar. A lição de Ducha e desta carta é ser original e deixar a mente fluir. |
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Cavaleiro de Espadas - Ingenuidade |
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O Menino. O Cavaleiro de Espadas representa um jovem de bom coração, porém muito infantil e pueril. A energia desta carta é representada por um jovem montado em um cavalo segurando uma espada. No conto O Menino, um garotinho acompanha sua mãe ao cinema e não entende o que se passa quando a mãe, em vez de lhe dar atenção, concentra-se no homem sentado ao lado. De volta ao lar, o menino vai ao encontro de seu pai e repara que ele tem o rosto feio e bom. As lágrimas do menino, ao abraçar o pai, mostram que o coração do menino leu os sinais, porém sua mente ainda é muito jovem para decodificá-los. A lição desta carta e deste conto é a ingenuidade e o sentimento puro da primavera da vida que devem ser conservados ao longo de todo o caminho, apesar das decepções. |
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Valete, Cavaleiros, Rainha e Rei no Naipe de Espadas do Universal Waite Tarot |
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Rei de Espadas - Intelecto |
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Ricardo. O Rei de Espadas tem a energia da estratégia. Geralmente esta carta é representada por um rei sentado num trono, segurando uma espada. Ricardo, no conto Venha Ver o Pôr do sol, é um jovem pobre, que perdeu a namorada para um ricaço. Muito provavelmente ele já deixou de amá-la, mas se sente prostrado e quer vingar-se. Assim, com muita tática e envolvimento, consegue marcar o último encontro com Raquel para ver um pôr do sol e concluir a sua vingança. A lição desta carta e deste conto é a estratégia, o tato e a capacidade que se deve ter para enxergar a armadilha nas entrelinhas de uma história envolvente e bem comportadinha. O Rei de Espadas é um jogador de xadrez que nunca joga para perder. |
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Rainha de Espadas - Independência |
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Madame Telezê. O naipe de Espadas representa a energia do ar e do intelecto. No Tarot de Shakespeare este naipe é representado pela pena do escritor. Há também quem já tenha representado este naipe por uma caneta. Deste modo, a Rainha de Espadas eu associo à grande rainha da literatura brasileira. No livro Passaporte para a China, que Lygia classifica como “Crônicas de Viagem”, ela narra sua viagem à China, acompanhando setenta e duas delegações do mundo todo convidadas para celebrar o décimo primeiro aniversário da República Popular da Nova China. O guia que lá a recebe, Mister Hom Tim-Tim, carinhosamente a chama de Madame Telezê, carregando o sotaque mas querendo dizer Madame Telles. Até o presente momento este é o último livro publicado pela autora narrando sua impressão sobre o Oriente através da fantasia, da memória, da realidade e da invenção. A lição desta carta e desta escritora é observar o mundo através da arte, é se iluminar através da dor e da alegria desses seres notáveis, desses maravilhosos personagens que ela criou para nós. Segui-los pelo lado de fora, nas páginas de um livro, e ao mesmo tempo deixar que eles invadam nossos corações para sempre. Dos melhores escritores que temos, ela é a melhor. De todos os personagens criados na literatura brasileira, os personagens desta Grande Dama são os mais profundos. E diante desta voz edificante, “o resto é shakesperiano silêncio” *. |
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* “O resto é shakesperiano silêncio” é uma expressão usada por Lygia – adaptada de O resto é silêncio da peça Hamlet de William Shakespeare – na página 57 do livro Passaporte para a China. |
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Contato com a autora:
Cláudia Ferrari é licenciada em Língua e Literatura Portuguesa e Brasileira pela USP.
É autora do romance American Bar publicado pela Ed. América Literária, em 2006.
Entre vários escritos, tem a peça Take Me With You, escrita em parceria com o
dramaturgo italiano Mario Fratti, publicada nos EUA pela S.S.Literary Agency em 2011.
Para mais informações, consultas, cursos, palestras e eventos:
www.clauferrari2003.wix.com/clauferrari#!gallery
Outros trabalhos seus no Clube do Tarô: Autores |
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Revisão: Ivana Mihanovich
Edição: CKR – 30/06/2015
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