Aconteceu o impossível: o mundo inteiro sofreu uma rara, súbita e inesperada catástrofe e emudeceu. O barulho produzido pelos homens cessou. A terra ficou silenciosa: um bom efeito colateral da pandemia. Brasileiros que como eu moram nas ruidosas cidades brasileiras estranharam o silêncio produzido pelo confinamento físico e sociossanitário decretado em vários países, em resposta à crise da COVID19. E muitas pessoas também agradeceram.Descobriu-se, imagine, o impensável: é possível viver sem zoada.
O mundo experimentou uma sensação inédita por conta do Coronavírus:o silêncio.O trânsito quase desapareceu e passamos a ouvir as ondas do mar, o vento nos coqueiros e os pássaros que sempre estiveram presentes e cujo canto muitas vezes não conseguimos mais ouvir. Os sinos da igreja próxima ficaram audíveis. Tudo que antes era barulho virou um ruído de fundo, quase longínquo. Mesmo o ruído causado por multidões em uma rua não mais se encontrava ao alcance de nossa audição. Durante a pandemia o silêncio era parte de nosso cotidiano. Agora que o lockdown foi suspenso sinto muita falta do silêncio extra que tivemos nos últimos seis meses. Quando será que o silêncio entrará na "moda" novamente?
Homem ouvindo as ondas do mar, numa Salvador deserta.
Foto de Márcio Rezende para o Jornal Correio (Salvador)
Um antigo ditado popular árabe, hoje fora de uso, dizia "A palavra é de prata e o silêncio é de ouro". Há muito tempo atrás, pelos idos dos anos 80/90, descobri que o silêncio não é só de ouro, mas é também cravejado de diamantes. Sabe-se que os diamantes não são eternos pois o seu carbono definha com o tempo, mas os diamantes duram sempre mais que qualquer ser humano. E assim como os diamantes são desejados pelas mulheres, o silêncio é ardentemente almejado também por elas, em especial pelas mulheres que têm filhos pequenos e estão trabalhando em regime de home office.
"Parece que viver em sociedade no século 21 é o mesmo que ser constantemente bombardeado pelo barulho, esteja você onde estiver. Como se não bastasse ser a cidade ruidosa por si só, a poluição sonora é potencializada por comportamentos inapropriados que as pessoas adotam no dia a dia. O motoqueiro extirpa o silenciador que vem da fábrica e sai espalhando susto pela cidade com o escapamento barulhento. O motorista buzina cada vez que o sinal abre e/ou quando quer chamar a atenção de alguém. No ônibus, ninguém tem paz porque algum passageiro assiste, sem fone de ouvido, ao vídeo que veio pelo celular. O vizinho de porta aprende a tocar guitarra e, para ouvir melhor os acordes, capricha no amplificador. [Crédito: Ricardo Westin, Agência Senado]
"Como o som não respeita muro nem parede, invadimos o espaço alheio com facilidade.A invasão é frequente porque muita gente não se coloca no lugar do outro", afirma a fonoaudióloga Keila Knobel, pós-doutoranda na Unicamp. Quando ouço o meu cantor favorito, digo que é "música". Se o vizinho ouve a mesma música e no mesmo volume, chamo de "barulho". Falta às pessoas educação, respeito e empatia. "O barulho, mesmo não sendo escandaloso, é interpretado pelo organismo como prenúncio de perigo.Para que a pessoa tenha energia para se defender, suas reservas de açúcar e gordura são liberadas. Esgotado o estoque de energia, surgem cansaço, irritabilidade, estresse, ansiedade, insônia, falha de memória, falta de concentração, gripe e até doenças respiratórias, digestivas e mentais. O barulho produzido pelo homem causa má qualidade do sono, pressão alta e riscos de acidentes vasculares, diabetes, problemas cardíacos e até câncer, como mostram décadas de pesquisas. Sabe-se que barulho é um estressor fisiológico e psicológico", afirma Marie Pedersen, epidemiologista da Universidade de Copenhague, que estuda efeitos ambientais na gravidez e em crianças com menos de 5 anos. [Crédito: Ricardo Westin, Agência Senado]
"Brigar por um ambiente silencioso não é capricho. É questão de saúde. As pessoas começam a perder a audição quando são expostas por períodos prolongados e repetidos a sons a partir de 85 decibéis (o equivalente ao ruído do liquidificador). A morte das células auditivas é lenta e irreversível. A partir dos 60 decibéis (o mesmo que uma conversa normal), o som já é suficiente para agredir o restante do organismo e também prejudicar o equilíbrio emocional". [Crédito: Ricardo Westin, Agência Senado]
O advogado Michel Rosenthal Wagner, mediador de conflitos urbanos, diz que não são raras as ações judiciais envolvendo vizinhos que se estapearam por causa de barulho. — "Ouço, diz ele, que até as 22h o barulho está liberado e que só é preciso fazer silêncio depois disso.É mito. Existem normas que especificam o ruído máximo — ele esclarece. — Também ouço que o Brasil é barulhento porque somos um povo feliz. Outro mito. Felicidade não é sinônimo de barulho. Segundo a ONU, os países mais felizes são os da Escandinávia, onde o silêncio é muito valorizado".
"Fundador da Quiet Parks Internacional, o ecologista Gordon Hempton, que circulou pelo globo três vezes registrando sons naturais, diz que"quanto mais ouvimos o silêncio mais relaxamos". De acordo com Hempton, não há nenhum lugar no planeta que seja totalmente desprovido de sons artificiais – o tráfego aéreo com helicópteros hoje é onipresente em, praticamente, toda parte. Mas certos lugares ainda oferecem a chance de sintonizar os verdadeiros sons do silêncio com o mínimo de intrusões."E o silêncio, ao que parece, não é silencioso – é o som da natureza sem a cacofonia do ser humano", afirma Gordon Hempton.[Crédito: José Eduardo Mendonça, # Colabora]
Um sério problema é que o acesso à quietude tem a ver com a renda. Invariavelmente são os mais pobres que vivem em áreas industriais, rotas de transporte ou em áreas de poucos metros quadrados com grande número de pessoas. Os mais ricos que podem acessar a tecnologia e serviços diversos, como iFood, entrega de supermercado e farmácias, uso de carros particulares, para levarem uma vida mais calma tendem a ser as pessoas com voz para reclamar de um barulho indesejável. "Áreas mais silenciosas tendem a ser as mais rapidamente gentrificadas", diz Paavo Virkkunen, Diretor do VisitFinland, principal órgão de turismo do país da Escandinávia. [Crédito: José Eduardo Mendonça, # Colabora]
Para brasileiro alegria rima com zoada, com música alta, vozes estridentes e risadas sonoras. Principalmente a música que tem que ser alta, não só alta, tem que ser muito alta, para que os clientes do meu bar ou da minha festa a ouçam, assim como todas as pessoas que estão em volta do referido local, gostando ou não do ritmo e da letra da mesma. Não existe consciência do incômodo que estamos causando, nem empatia e respeito pelo direito do "outro".
Na Bahia de todos os barulhos, o que mais me incomoda são as "músicas" tocadas com som estridente nos bares da Orla de Salvador. em especial em Piatã onde moro. Para além do estilo musical, que eu não aprecio, as mesmas são intercaladas por vozes dos "cantores" animando o público, informando o quê e quem vem a seguir, fazendo "gracinhas" e etc. & tal. Fazendo analogia com o título de um livro muito conhecido podemos afirmar que "Viver em Salvador não é para principiantes!" Principalmente se você mora defronte a Orla, ponto predileto dos "alegres e felizes brasileiros ". Vale ressaltar que as principais considerações deste artigo não são aplicáveis aos felizes turistas, que inundam a Bahia no fim do ano, para os quais no verão na Bahia tudo é lindo!, inclusive a impossibilidade de trocar qualquer conversa com o vizinho de mesa. Daí só lhes resta bater papo via WhatsApp.
17/11/2020
A Papisa - Tarot e Solidão
Luís Parras apresenta o primeiro episódio criados por ele com as cartas do tarot que representam a solidão provocada pela pandemia do Coronavírus.
Luís Parras é diretor de arte e trabalha em Salvador - Bahia.
Contato: lupa.parras@gmail.com
E paz foi tudo o que 2020 não nos trouxe, este controvertido ano que seguiu ao 2019.
Anjinho triste
Foto de Manuel Selbach - www.pixabay.com
Não houve paz para os milhares de infectados. Não houve paz nos lotados hospitais. Não houve paz para os incansáveis profissionais da saúde. Não houve paz para os familiares e amigos dos enfermos. Não houve paz para os enlutados. Não houve paz para os idosos. Não houve paz para os filhos dos idosos. Não houve paz para os sacrificados e corajosos motoboys. Não houve paz para os vigorosos coveiros. Não houve paz nem para as crianças e, muito menos, para o Anjo da Guarda de cada pessoa que se despediu da vida prematuramente. E o que é mais grave, para essas não houve paz e nem direito a qualquer modo de despedida por parte dos entes queridos. Parece um filme de terror – mas não é – , assemelha-se a uma película ao estilo "A Hora da Sua Morte", de Justin Dec, ironicamente lançado em 27 de fevereiro de 2020.
No Dia de Finados eu quero paz, muita paz. Paz para lembrar cada um dos 160.000 brasileiros que perderam a vida para a COVID19, esse vírus tão letal, que chegou de avião e de mansinho, entrou pela porta principal das grandes cidades, se infiltrou na casa das pessoas, espalhou-se pelas ruas, casas e prédios, desceu e subiu ladeiras e morros à procura de suas vítimas. Sorrateiramente foi dizimando muitos dos que encontrou pela frente e tudo que dávamos como certo e assegurado no Séc. XXI, especialmente a longevidade tão propagada pelas inovações tecnológicas e farmacêuticas alcançadas no campo das ciências médicas.
Mas bastou um pequeno ser vivo, não visível a olho nu, nos visitar e matar todas as nossas crenças de seguranças, esperanças e certezas com as quais encerramos o Ano de 2019.
É muito difícil deixar aqui, nessa data, uma única mensagem para todos os que acompanham o Clube do Tarô e sofreram a perda de algum parente, amigo ou colega porque cada pessoa tem o seu próprio modo de expressar o seu luto e viver a sua dor, porque os grupos têm formas diferentes de encarar a espiritualidade, a religiosidade ou a falta delas, e porque a maioria dos indivíduos não consegue nem ouvir, quanto mais falar sobre A Morte: esta senhora empertigada, misteriosa e cruel, que nos provoca medo, ansiedade, choro e melancolia.
Considerando que a morte continua a ser um tema tabu para a maioria dos humanos, proponho um brinde simbólico para homenagear cada brasileiro que nos deixou esse ano, em função do coronavírus ou não, lembrando-se de algum momento especial que vivemos ao seu lado, pois como apropriadamente dizia Machado de Assis "O Louvor dos Mortos é uma forma de orar por eles".
Foto de S. Hermann & F. Richter - www.pixabay.com
E para finalizar, deixo aqui um parágrafo de um livro da escritora chilena Isabel Allende, in Paula, escrito para e sobre a sua filha Paula, que entrou em coma em dezembro de 1991, em função de uma doença degenerativa, e morreu em 1994, aos 23 anos de idade.
"A morte não existe, pois só morremos quando somos esquecidos. Se podes recordar-me estarei sempre contigo".
E, também, um poema do escritor curitibano Paulo Leminsky, in Ex-estranho, que fez sua travessia em 1989, aos 44 anos de vida.
"e para todos os que me amam ou me amaram um dia deixo apenas um padre-nosso meio malpassado e essa espécie de ave maresia."
29/10/2020
Salvador, como eu nunca vi
"A representação artística possivelmente foi uma das primeiras formas de expressão utilizadas pelos seres humanos para expor situações vividas no cotidiano. Atualmente, há 11 tipos de arte: música, dança, pintura, escultura, teatro, literatura, cinema, fotografia, história em quadrinhos (HQ), jogos eletrônicos e arte digital". [ Crédito: Laura Aidar, Toda Matéria ]
Se dentre esses tipos de arte escolhemos apenas a fotografia encontraremos as seguintes categorias de fotografia, as mais praticadas no mercado: Retrato, Fotografia arquitetônica, Fotografia de culinária, Fotografia de moda, Microfotografia, Fotografia de ação, Fotografia erótica, Fotojornalismo e Fotografia documental. Além dos modelos citados temos ainda a fotografia industrial, científica, abstrata, médica, subaquática, aérea, de glamour, fotopaisagismo e outros estilos designados como fotografias profissionais.
Pelourinho, uma pequena comunidade, que porém Olodum unirá (...)
Pelourinho, música de Luciano Gomes e foto de Márcio Rezende
Nos ateremos agora aos dois tipos de fotografia que ganharam imensa relevância durante a pandemia do COVID 19. São elas:
"Fotojornalismo: o fotojornalismo deve ser capaz de transmitir informações de eventos ou fatos importantes com detalhes singulares e que até mesmo dispensam legendas. O olhar do fotógrafo precisa ser cuidadoso e objetivo, pois, para conseguir as melhores imagens, o profissional tem de garantir que suas fotos mantenham a integridade da cena original, ou seja, sem qualquer tipo de manipulação".
"Fotografia documental: a fotografia documental conta histórias com imagens. Essa categoria diferencia-se do fotojornalismo no sentido em que o fotojornalismo documenta apenas uma cena ou momento particular enquanto o documentário conta uma história e qualquer tema é um bom tópico para a foto documentário. Contudo, tal como acontece com o fotojornalismo, neste tipo também não pode haver manipulação". [ Crédito: Fotografia DG, Anderson Nascimento - fotógrafo ]
Durante o período de confinamento social e físico, a Fotografia Documental foi amplamente utilizada para registrar os espaços vazios e quietos das grandes cidades do mundo. E em Salvador, uma capital com vocação básica para o turismo cultural, gastronômico e de sol e praia não poderia deixar de ter o seu fotógrafo nessa categoria: Márcio Rezende. *
"Pontos turísticos vazios e ruas desertas devido à pandemia do Coronavírus. Esse foi o cenário encontrado pelo publicitário e fotógrafo Márcio Rezende durante suas andanças por Salvador. Munido de câmera, máscara e álcool gel, o fotógrafo desbravou a capital baiana em busca de imagens de um momento único e inusitado, e registrou a cidade de um jeito que quase ninguém viu". [ Crédito: Caderno de Notícias ]
A exposição teve visitação gratuita e integrou o Projeto Vem pra Cá, que promove eventos e ações que reforçam a pluralidade cultural, diversidade e inclusão durante todo o ano nas estações de metrô da Cidade de São Salvador da Bahia de Todos os Santos.
Os registros fotográficos deram vida à exposição "Salvador como eu nuncavi" que esteve em cartaz nas estações Aeroporto e Pirajá de Metrô de 28 de maio até o dia 12 de junho 2020. A mostra nas estações reuniu 14 belas e excêntricas fotos de Salvador, mas a versão na íntegra com mais de 40 imagens pode ser conferida no site: www.ccrmetrobahia.com.br/media/2420/ebook_salvador-como-eu-nunca-vi.pdf
19/10/2020
"A arte existe porque a vida não basta"
Em uma entrevista concedida na FLIP, em agosto de 2010, Ferreira Gullar que completava 80 anos de vida, comentou "Sobre poesia eu não penso, eu simplesmente faço: a minha poesia nasce do espanto. Qualquer coisa pode espantar um poeta, até um galo cantando no quintal. Arte é uma coisa imprevisível, é descoberta, é uma invenção da vida. E quem diz que fazer poesia é um sofrimento está mentindo: é bom, mesmo quando se escreve sobre uma coisa sofrida. A poesia transfigura as coisas, mesmo quando você está no abismo. A arte existe porque a vida não basta". [Crédito: Luciano Trigo, do G1, em Paraty].
Para o historiador polonês Wladyslaw Tatarkiewicz "a arte é uma atividade humana, consciente, dirigida à reprodução de coisas ou construção de formas ou expressão de experiências, se o produto dessa reprodução, construção ou expressão é capaz de suscitar prazer ou emoção ou choque".
Arte rupestre
Imagem na Wikipedia
A arte é um tipo de comunicação que acompanha a humanidade desde os primórdios dos tempos. Já na época das cavernas os seres humanos se comunicavam por meio dela, a chamada arte rupestre. Atualmente, classifica-se a arte em onze tipos de manifestações artísticas: música, dança, pintura, escultura, teatro, literatura, cinema, fotografia, história em quadrinhos (HQ), jogos eletrônicos e arte digital.
Vivemos em um mundo em que tudo parece ter obrigatoriamente uma funcionalidade bem como uma finalidade, em que tudo parece ter que nos conduzir a bons resultados, a uma ideia de sucesso sempre relacionada a grandes quantidades de dinheiro, status e fama. Sob essa ótica, a arte pode parecer deslocada: qual é a função, afinal, de contemplar obras de arte, assistir filmes cult, ouvir música clássica e ler poesias - por exemplo?
A "Poesia" é um gênero literário caracterizado pela composição em versos estruturados de forma harmoniosa. É uma manifestação de beleza e estética retratada pelo poeta em forma de palavras. A poesia está entre as mais antigas formas de arte literária, havendo registro de poesias em hieróglifos no Egito 25 séculos antes de Cristo.
Se com as artes mais comercializáveis, a exemplo das pinturas, esculturas, músicas, fotografias etc., existe uma grande valorização das mesmas pela sociedade moderna, o mesmo não se dá com a poesia que é vista como um produto menor, incompreensível e chato do mundo das artes, especificamente da literatura.
Anthony Tao - foto por Eric Favreliere
Anthony Tao é um escritor e editor atualmente a residir em Pequim. A sua poesia tem sido publicada em diversas revistas literárias tais como The Cortland Review, Prairie Schooner, Borderlands, Frontier, Kartika Review, Cha, Poetry East West, entre outras. Em 2019 lançou o álbum de poesia e música "The Last Tribe on Earth", em que diz poesia ao som da guitarra clássica de Liane Halton. É editor-gerente da empresa de midia on-line SupChina, sediada em Nova Iorque.
Mostramos, a seguir, uma das poesias feitas por Anthony Tao e a fotografia, também de sua autoria, que completa a beleza do encontro poético de duas artes dominadas por ele. Esse trabalho artístico, denominado Coronavírus na China, foi publicado inicialmente na Revista Caliban, traduzido por Sara F. Costa.
Pequim - foto de Anthony Tao
O Coronavírus na vizinhança
Sorrimos através de máscaras,
dizemos olá com as sobrancelhas,
abrimos portas
para lembrar que ainda cá estamos.
A senhora Chen, da mercearia
já foi, voltou à sua terra.
O velho Li, o barbeiro, também foi
e levou o rádio. Zhou, o serralheiro,
deixou apenas um número de telefone,
Min escapou com seus queridos arrependimentos,
e a família Zhang, que faz pão sírio,
nunca retornou: ausentes para o ano novo,
lia-se no sinal da porta.
Nós que cá ficamos
fazemos vénias corteses,
apanhamos no correio
a caminho da loja de massa dos Tang.
O céu está limpo, grunhimos. O ar está limpo.
Estamos cercados por uma bondade quase
irreal. As gargantas doem porque falta carvão
falta-nos o alcatrão.
O que quer que falte, seja insurreição
ou dizer o que pensamos
da burocracia,
o que quer que seja que desejemos,
as doenças que curamos, a raiva ou a febre,
fazemo-lo em ambientes fechados.
Fechamos as cortinas e esperamos
até a chaleira ferver, e é aí que dizemos
exatamente o que queremos dizer.
Se você gostou, poderá apreciar outros trabalhos de Anthony Tao em Coronavírus na China, traduzidos por Sara F. Costa :
Sheila Blanco e o Projeto Bioclássicos
em tempo de pandemia
Sheila Blanco nasceu em Salamanca e estudou piano e canto clássico – um termo da ópera usado para descrever um estilo de voz – no Conservatório de Salamanca. Conheceu a banda argentina Toch, formada pelos irmãos Juan Pablo, Andrés Theaux e Martin Elena, e com Toch começa a tocar no circuito de salas madrilenhas ganhando o prêmio de melhor banda. Junto com eles grava seu primeiro disco de estúdio.
"Estuda expressão corporal com Arnold Taraborrelli, se interessa por diferentes técnicas vocais modernas. Em 2010 passa a ser vocalista do quinteto de jazz & blues Larry Martin junto com o próprio Larry Martin, Richie Ferrer, Enrique Garcia e Domingo Sanchez. Com eles percorre grande parte do território nacional e internacional cantando em festivais e salas de jazz, gravando nessa época Everything must change, último trabalho de estúdio do mítico baterista madrilenho antes de seu falecimento.
A harmonia doBadinerie da Suíte Nº 2 em si menor de Johann Sebastian Bach acompanha a canção de Sheila Blanco que conta, com a pureza de sua voz, a vida do autor do século XVII. A cantora espanhola, com uma expressão calma e alegre, segue o ritmo da composição e comenta: "se alguma vez existiu um Deus, foi Johann Sebastian Bach".
A importância do compositor barroco na vida de Sheila Blanco remonta ao Conservatório Profissional de Música da cidade de Salamanca, Espanha, onde estudou a perfeição técnica e estética da obra de Bach, ano após ano.
A partir desse momento, o autor dos Concertos de Brandemburgo e das Variações Goldberg tornou-se uma referência para a vida pessoal e artística da compositora espanhola. "É muito próximo de mim porque é o que mais ouço e é aquele que sempre vou quando quero tocar música clássica", acrescenta.
A gênese do gosto musical, relata Sheila para o El Diario, começou na infância pelo carinho dos pais e por ter sempre em mente a harmonia da voz da mãe, que é uma grande cantora; tocando e ouvindo as músicas dos grandes compositores no piano da casa, no sistema de som e em cada momento da vida cotidiana. Para ela e suas irmãs, a pedagogia musical do conservatório acompanhou os demais ensinamentos de sua juventude".
"É uma arte incompreensível como nenhuma outra e ao ouvir uma nota, uma melodia, uma canção, ouvir o som de um instrumento, podemos reviver momentos da nossa vida, momentos felizes, momentos tristes, pessoas que associamos a determinadas canções. Nesse sentido é, para mim, a arte mais mágica de todas", comenta. [Crédito: El Diario]
Esse motivo a levou a iniciar 2020, justamente no dia 15 de janeiro, com uma homenagem ao compositor mais amado por ela, Johann Sebastian Bach, contando sua biografia.
A recepção do público nas redes sociais foi positiva e deu origem a uma nova ideia denominada "Bioclássicos" (biografia dos clássicos). Este projeto, escrito por ela, caracteriza-se por misturar a linguagem contemporânea com o rigor histórico de cada personagem e com sua composição.
Assista à Badinerie da Suíte Nº 2 em si menor de Johann Sebastian Bach cantada por Sheila Blanco.
No vídeo podem ser acionadas legendas em espanhol. Uma alternativa é acompanhar o canto de Sheila Blanco com a tradução abaixo:
"No que diz respeito à composição há muitos autores que merecem um programa: Mozart, Beethoven, Chopin, Debussy, todos eles irrepetíveis mas há um que é incomparável porque o seu legado musical é colossal. É barroco, pródigo, espiritual, indescritível, é a música de Deus: Johann Sebastian Bach. Se você for morar em Marte, leve The Passion of Saint Matthew com você. Se você precisa relaxar e fluir, ouça as Variações Goldberg e os shows de Brandenburg, não se esqueça da Suite no. 2 menor em Si, que te pega, te subjuga, te ilumina, te sublima, te alucina ao terminar este Badinerie."
"Que tio trabalhador era o Sr. Bach! O dia todo ele compõe o que compõe! Mas a coisa não acaba aí, não, não! Além de compor e ter 20 filhos, foi cantor, cravo, violinista, organista, violista e alemão e luterano. Mas a coisa mais maluca em sua história é que quando JS morreu, seu imenso legado foi enterrado e Felix Mendelssohn teve que vir para fazer cumprir a obra de Juan Sebastián Bach e construir sua reputação quase do zero. Ele nasceu há mais de 3 séculos e suas obras são ouvidas todos os dias, o que Bach faria com um bom Instagram?"
"Se no século XVII existisse a internet, Bach tweetando suas partes, mais retuítes do que Rosália e com sua peruca youtuber branca. Se você está cansado de reggaeton, ouça Bach e preste atenção, em suas oitavas e semicolcheias está a história da nossa Humanidade, não perca tempo e vá se divertir, se Deus existiu foi Juan Sebastián Bach."
27/09/2020
Ninguém tá olhando
Ninguém Tá Olhando é uma série produzida pela Netflix e pela Gullane Entretenimento lançada em 22 de novembro de 2019, mas que infelizmente não terá continuidade em 2020. Se há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar a nossa vã filosofia, como seria um mundo em que fossemos protegidos não por anjos da guarda, mas por "Angelus" fardados e padronizados, que vivem num sistema altamente burocrático, como uma verdadeira repartição pública, para ajudar diariamente cada ser humano deste planeta? O que parece ser um delírio foi materializado em forma de ficção nesta série brasileira original da Netflix.
"A trama da série começa a partir do momento em que Ulisses (Victor Lamoglia) é gerado como um novo Angelus: um ser supostamente divino cujo propósito é proteger os humanos dos mais variados tipos de acidentes. Ao passo em que Uli é apresentado formalmente ao sistema de operações pelo fiscal Fred (Augusto Madeira) é possível percebermos como o local possui uma rotina muito similar à de um cartório, por exemplo. Humanos operacionalizam processos sem muita necessidade e complicam o que deveria parecer fácil."
"Com os Anjos (Angelus, na verdade) isso não seria muito diferente. Um anjo da guarda novato no Sistema Angelus faz descobertas chocantes e decide quebrar todas as regras oficiais da proteção dos humanos. O enredo começa a tomar corpo quando o personagem principal se envolve indevidamente com a humana Miriam (Kéfera Buchmann) e parte à procura do Chefe para tirar satisfações. No entanto, ele descobre que... bom, Ninguém Tá Olhando."
"O primeiro efeito comparativo interessante à nossa própria humanidade surge já quando Uli é apresentado às quatro regras que jamais devem ser quebradas (caso sejam, o transgressor é obrigado a assistir ao filme Cidade dos Anjos, com Nicolas Cage, para o resto da eternidade)."
1. Cumprir a Ordem do Dia. 2. Não aparecer para os humanos. 3. Não proteger humanos fora da Ordem do Dia. 4. Jamais entrar na sala do chefe.
Foi ele...
"Seguindo um arquétipo básico de novato questionador, Ulisses já deixa claro no primeiro episódio que não é como os outros Angelus. Realizando perguntas que partem das dúvidas mais básicas até as maiores reflexões possíveis, o personagem é o fio condutor existencialista do debate que a série propõe de maneira muitas vezes sutil".Crédito: www.adorocinema.com
E é aí, que entra o nosso interesse sobre a série no que diz respeito ao Clube do Tarô. No episódio 6, (Des)crenças, que foi ao ar no dia 22 de novembro de 2019, a crença de Miriam na astrologia atrapalha sua relação com Uli.
Vale ressaltar como algumas linhas de diálogo se destacam em meio a determinadas situações. As cutucadas feitas pelos Angelus a respeito de como a humanidade mudou desde que eles foram concebidos, há cerca de oito mil anos, são muito bem desenvolvidas. Desde "a ascensão da astrologia como tendência", até os charlatões religiosos e coaches, a série tece críticas sem perder a leveza de seu tema ou acabar tornando-se mais agressiva do que seu tom permite".
Contudo, aqui nenhuma crítica é feita de maneira unilateral, e este talvez seja o seu maior mérito. Até mesmo a personagem fanática pelos signos, que são "alvo fácil" devido a sua falta de comprovação científica, possui argumentos palpáveis que seguem o caminho inverso ao discurso contra astrologia. Uli, por exemplo, é contra o estudo de mapas astrais, mas também está preso aos próprios sistemas e crenças, das quais não abre mão sob nenhuma circunstância. Algumas piadas, no entanto, acabam sendo facilmente telegrafadas, especialmente com assuntos que se tornam desgastados pelo uso recorrente, como a astrologia, que ganha inclusive um episódio inteiro de destaque.
Confira o episódio 6 e o 7 da série Ninguém Tá Olhando e divirta-se com a possibilidade de não só ser guiado pelas estrelas, mas também pelos Angelus, numa série brasileira que reinventa anjos da guarda, mas sem falar de religião. Usam todos o mesmo uniforme: calça preta, camisa branca, gravata vermelha. E todos são ruivos. Os Angelus lembram os anjos da guarda do cristianismo, mas não são a mesma coisa. Têm um par de asinhas no alto das costas, só que nunca voam, não atravessam paredes, não ouvem preces e não atendem promessas.
19/09/2020
Manu Chao e o projeto Coronarictus Smily Killer Sessions
O cantor Manu Chao, nascido em Paris em 1961 (de pai galego e mãe basca), que desapareceu renegando a fama, foi um campeão de vendas em nível mundial no final dos anos noventa, com discos como Clandestino (1998) e Próxima Estación, Esperanza (2001), que juntos despacharam quatro milhões de cópias.
O cantor Manu Chao
Foto de https://www.facebook.com/ManuChaoCommunityOfficiel
Certamente não existe um músico nos últimos anos como ele, pois esse francês de ascendência espanhola, um pacifista que sempre aliou ativismo à música, foi capaz de dar as costas ao sistema quando poderia tirar tantas coisas dele. Todavia, Manu Chao prefere atuar em bares, apoiar causas minoritárias e dá canções de presente.
Pode-se dizer que Manu Chao é um artista diferenciado pois não se limita a compor e interpretar canções bonitas, também apoia iniciativas pacíficas e culturais dentro e fora do mundo latino
"Manu Chao não tem gravadora; não faz turnês como as dos artistas de sua categoria; tem ofertas para tocar nos melhores festivais do mundo, mas não quer; não se interessa por entrevistas; não lança discos; não aparece para receber prêmios; não tem celular."
Manu Chao tocando em casa uma de suas Coronarictus Smily Killer Sessions
Tudo isso não o impede de estar fazendo coisas o tempo todo. Você pode encontrá-lo atuando num bar de bairro, sem avisar, ou camuflado com outro nome. Ou escutar suas novas canções em seu site. O artista foi apanhado pela "mano negra do coronavírus" enquanto fazia uma turnê pela Índia, Bangladesh, Sri Lanka, Filipinas, em salas pequenas e em formato acústico de trio. Assim sendo, nos primeiros meses de 2020 o coronavírus lhe devolveu a atualidade.
"Quando a coisa ficou feia, conseguiu chegar ao seu apartamento de Barcelona, de onde está gravando canções que publica em suas redes sociais com o nome de Coronarictus Smily Killer Sessions. Algumas são versões de canções dele (Otro Mundo), de outros, como Kiko Veneno (Echo de Menos), ou temas que aparentemente são novos (Mi Libertad)". Crédito: El País Brasil
Ouça uma das músicas do ProjetoCoronarictus Smily Killer Sessions e delicie-se com a alegria e irreverência deste grande músico francês, que pode facilmente ser confundido com um"rapaz latino americano, sem dinheiro no bolso"...
Postagem de Vera Vilanova - 11/09/2020
Bordadeiras do Vale do Jequitinhonha
As bordadeiras do Vale do Jequitinhonha guardam a importante herança cultural da região que é a de "jogar versos". Em festas, nas celebrações de colheita ou nos encontros das comunidades, as pessoas se juntam para cantar um refrão, que é, na verdade, um entremeado de versos. Os versos são "jogados" individualmente, e podem ser cantados de improviso ou fazer parte de um repertório. A roda virtual, lançada em março de 2020, apresenta as mulheres no seu dia a dia, cantando, nos seus afazeres domésticos, e na aplicação dos seus talentos.
Bordadeiras do Vale do Jequitinhonha
Foto de Andréa Hespanha postada pela Universidade Federal de Minas Gerais : www.ufmg.br
Em tempos de Coronavírus, foi lançada uma iniciativa para espalhar o bem-querer pelo mundo. As Mulheres do Jequitinhonha, que tradicionalmente "jogam versos" nas rodas de música durante as festas locais, estão fazendo versinhos de bem-querer, que você pode enviar pelo WhatsApp para quem você quer bem.
Desde o início do projeto, em 25 de março, mais de 2.500 versos foram enviados para pessoas de todo o Brasil e de países como Estados Unidos, Israel, Espanha, Alemanha, França, Portugal, Suécia, Suíça, Argentina, Chile e Uruguai. Parte do dinheiro arrecadado vai para as dez mulheres que cantam os versos e o restante, para um fundo solidário destinado a famílias de sete comunidades do Jequitinhonha: Tocoiós, São João de Baixo, Curtume, Ribeirão de Areia, Poções, Alves e São João dos Marques. A partir de julho, os recursos vão para a ONG Ajenai, que desenvolve projetos sociais na região.
Ao comprar seu Versinho, você contribui com o Vale. E o Vale contribui para espalhar o bem-querer e cultivar o amor.
Mães de família, bordadeiras e senhoras nos improvisos
Imagem: Érika Riani - Bordadeiras de Curtume, Vale do Jequitinhonha em www.uol.com.br/ecoa
Se há uma coisa realmente tipo exportação no Vale do Jequitinhonha é sua Arte, no caso as artes, porque são muitas e variadas. Essas artes já correm o mundo. Acostumadas a ver o tempo passar calmamente por entre as manhãs e as tardes quentes da região Nordeste de Minas Gerais, as bordadeiras da região transformam meros retalhos, algodão ou lã em verdadeiras obras de arte. Ponto a ponto, as artistas do Vale do Jequitinhonha apreciam e reproduzem a leveza das flores, pássaros e encantos da natureza ao seu redor.
Trabalhos das bordadeiras do Vale do Jequitinhonha
Santos (Brasil) - "Venho do futuro e é assustador!" (Azahara Martin)
"O documentário O antes e o depois mostra os efeitos da pandemia do coronavírus ao longo de 10 semanas, desde que a quarentena foi decretada no Estado de São Paulo, no dia 24 de março.
Brum (Brasil)
O filme acompanha a trajetória de uma jornalista espanhola (Azahara Martin Ortega) radicada no Brasil, que começa a sentir os sintomas da doença, um entregador de aplicativos, uma arquiteta que começa a fabricar equipamentos de segurança, uma médica do SUS e um mobilizador social da periferia.
Fausto (Brasil)
"O antes e o depois" também conta com a participação de intelectuais, como a antropóloga Débora Diniz, a filósofa Djamila Ribeiro, o neurocientista Sidarta Ribeiro e o poeta Sérgio Vaz. Eles refletem sobre como a pandemia afeta e pode de alguma forma transformar a sociedade brasileira".
Crédito: Mov - A produtora de vídeos da UOL
Confira o vídeo sobre como o medo e o luto abalaram nossas vidas: